Transparência, planejamento e utilização de tecnologia de ponta. É sobre esse tripé que deverá ser reestruturado o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), cuja imagem ficou tão arranhada com a série de denúncias de irregularidades na gestão de obras públicas, divulgadas a partir do segundo semestre de 2011. A missão não é das mais fáceis. Por isso mesmo foi confiada pela presidenta da República, Dilma Rousseff, ao general Jorge Ernesto Pinto Fraxe, um militar de carreira com longa folha de serviços prestados à Nação, no comando da Diretoria de Obras de Cooperação do Exército.
Reconhecido como engenheiro competente e gestor exigente e cuidadoso, o general Fraxe, deu uma guinada radical na condução do Dnit, adotando medidas duras na retomada de licitações e obras sob a responsabilidade do órgão. Mas, a despeito da sua reputação técnica e administrativa, foi a sua formação militar que mais chamou a atenção, causando até certo desconforto nos corredores do Dnit tão logo assumiu o cargo. “Muitos acharam que eu vim para militarizar o órgão, que eu iria impor ordem-unida
Transparência, planejamento e utilização de tecnologia de ponta. É sobre esse tripé que deverá ser reestruturado o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), cuja imagem ficou tão arranhada com a série de denúncias de irregularidades na gestão de obras públicas, divulgadas a partir do segundo semestre de 2011. A missão não é das mais fáceis. Por isso mesmo foi confiada pela presidenta da República, Dilma Rousseff, ao general Jorge Ernesto Pinto Fraxe, um militar de carreira com longa folha de serviços prestados à Nação, no comando da Diretoria de Obras de Cooperação do Exército.
Reconhecido como engenheiro competente e gestor exigente e cuidadoso, o general Fraxe, deu uma guinada radical na condução do Dnit, adotando medidas duras na retomada de licitações e obras sob a responsabilidade do órgão. Mas, a despeito da sua reputação técnica e administrativa, foi a sua formação militar que mais chamou a atenção, causando até certo desconforto nos corredores do Dnit tão logo assumiu o cargo. “Muitos acharam que eu vim para militarizar o órgão, que eu iria impor ordem-unida aos funcionários. Mas não é nada disso”, comenta o general. Ele revela que sua grande missão é requalificar os quadros técnicos do Dnit de forma a transformá-lo em um centro de excelência na gestão de obras públicas da infraestrutura de transportes do país. “No caso do Dnit, essa missão não termina nunca, porque o Brasil é um país que tem muito por fazer, muito o que construir. Mesmo o “feijão com arroz” com o trabalho diário de manutenção da malha, no Dnit não termina nunca”, analisa o militar.
Para o general Fraxe, requalificar os recursos humanos do Dnit e recuperar sua credibilidade tem um objetivo maior, que se justifica a médio e longo prazos. Ele revela que o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, assinou recentemente uma portaria estabelecendo que a partir de agora, os cargos importantes do Departamento terão de ser ocupados por funcionários de carreira do órgão. Na absoluta falta de profissionais de carreira para aquela vaga, deve ser procurado um profissional equivalente, desde que seja funcionário público federal. Tal procedimento deverá ser adotado, por exemplo, para o preenchimento de cargos como os de diretores técnicos e coordenadores. A intenção é blindar o Dnit de eventuais aparelhamentos político-partidários futuros.
Uma das primeiras medidas da nova gestão do Dnit foi requisitar à presidente Dilma Rousseff a contratação de 1 mil engenheiros e técnicos de nível médio. O objetivo é formar um corpo técnico que planeje, controle e fiscalize as obras do setor, desde o projeto até a execução.
Nessa entrevista, o general Jorge Ernesto Pinto Fraxe fala ainda da participação da Engenharia Militar no mercado da construção de obras de infraestrutura. Ele crê que essa participação já ultrapassou os limites aceitáveis e assegura: “Não é missão do Exército competir no mercado da construção”.
Revista Grandes Construção – Em que situação o senhor encontrou o Dnit, ao assumir sua direção?
General Fraxe – Eu assumi um Dnit totalmente parado, com tudo travado. Não havia como fazer nada. Encontrei o tal do Crema, que era o Programa de Contratos de Restauração e Manutenção de Rodovias, sem nenhum projeto concluído e o Proarte(Programa de Reabilitação de Obras de Arte Especiais) “detonado” pelo Tribunal de Contas da União (TCU), com inúmeras suspeitas de irregularidades. A situação era tão grave que existia cerca de 50 audiências marcadas pelo TCU, para apurar tais suspeitas. Isso gerou a decisão da Diretoria Colegiada do Dnit de suspender o Proarte. Para se ter uma ideia, a gestão anterior contratou, em 2008, obras em 30 mil km de rodovias. Quando assumimos a direção do Dnit, em setembro de 2011, encontramos um monte desses projetos de 2008 parados por conta de erros de toda ordem. Só tinham uns poucos quilômetros andando, lá na Amazônia. Eram erros de orçamentos, erros de projetos, erros de solução técnica, etc. Então, começou aquela correria. Nós tínhamos que virar esse jogo. Mas você não muda um cenário desses em um ou dois meses.
GC – E quais foram as providências emergenciais adotadas para virar o jogo?
General Fraxe – A primeira providência foi pegar os projetos existentes e ver o que podia ser salvo, para contratar obras de imediato, e cobrar de cada superintendente regional o levantamento da sua malha, para dar início às licitações para obras de manutenção. Outra providência que tomei foi nomear um excelente gestor na área de projetos, que é o Coronel André Kuhn, engenheiro do Instituto Militar de Engenharia (IME), com mestrado em licitação de contratos. Porque ser bom engenheiro não significa ser bom gestor. O bom gestor é o solucionador de problemas, é o negociador, é o líder, é o cara que aglutina as pessoas em torno de si, para dar solução aos problemas. E muitas vezes o engenheiro não consegue fazer isso. Muitas vezes ele é um técnico, bom de planilha, mas na hora de começar a negociar... Nesse momento, o Coronel André Kuhn está dando curso de análise de projetos a 50 engenheiros nossos. Os cursos são à noite, para ninguém parar de trabalhar. Os nossos engenheiros, agora, já sabem o que é gerenciar um contrato. Com tudo isso, nós seremos capazes de mudar a dinâmica da relação do Dnit com as consultoras.
GC – Existe algum critério de urgência para essas primeiras contratações? Quem vai decidir os trechos que serão atendidos primeiro?
General Fraxe – A manutenção da malha rodoviária nacional não deve ser decidida de forma centralizada em Brasília. Nosso País é muito grande e as realidades são regionais. Cada região tem as suas especificidades. Por isso nós optamos por descentralizar todas essas ações de manutenção. O superintendente regional passa, agora, a ser o número um do ponto de vista da responsabilidade sobre a manutenção da malha nacional. E eu disse a cada um deles: não vou aceitar um km de rodovia com buraco. Nós estamos nesse momento vivendo uma fase intensa de revisão de projetos em fase de obra. E para isso adotamos uma nova sistemática: em vez de ficar discutindo a revisão dos projetos dentro dos gabinetes, eu pego o engenheiro e mando-o para o campo, exijo do supervisor a topografia, tudo isso para conferir no local se a revisão do projeto realmente é necessária. Eu pego uma dupla de engenheiros e mando lá para o canteiro de obras, para o local de trabalho.
GC – O Dnit dispõe de um quadro técnico suficiente para esse trabalho?
General Fraxe – Só para a revisão de projetos de obras novas eu disponho hoje de cerca de 10 engenheiros. Já para a parte de revisão de obras de conservação eu conto com todos os engenheiros de cada superintendência. Cada uma delas dispõe de equipes formadas por 20 a 30 engenheiros. Tem supervisão com até 40 engenheiros. E ainda tem os engenheiros da sede, que podem se somar a esses das regionais. O Dnit tem hoje um total de cerca de 800 engenheiros. Mas nós vamos aumentar esse quadro. O Ministério do Planejamento nos deu autorização para aumentarmos o corpo técnico do Dnit. Nós estamos com um programa para o preenchimento de cerca de 1 mil vagas, entre engenheiros e técnicos de nível médio.
GC – Qual o volume de recursos de que o Dnit dispõe para tocar as obras necessárias?
General Fraxe – Nós temos uma previsão, para os próximos quatro anos, de investimentos da ordem de R$ 25 bilhões para construção, duplicação e adequação de rodovias, e R$ 23 bilhões, também para esse período de quatro anos, previstos pelo planejamento do Ministério dos Transportes, para a manutenção da malha rodoviária. As obras que temos como meta para serem iniciadas em curto prazo são a BR-381, de Belo Horizonte a Governador Valadares; o Anel Viário de Belo Horizonte, que atravessa a cidade; e também a restauração da BR-040, em direção a Juiz de Fora e Rio de Janeiro. Temos, ainda em Minas Gerais, o Contorno Sul, para o qual estamos contratando o projeto. No Rio Grande do Sul temos a BR-116; e a BR-317 com seus remanescentes, no estado do Amazonas. Outras prioridades são uma restauração pesada envolvendo quatro lotes da BR-364, no estado de Rondônia, e na BR-280, em Santa Catarina, cujo projeto está sendo concluído. Também em Santa Catarina tem a BR-101 Sul, que falta concluir o projeto do túnel do Morro dos Cavalos; e a BR-470, com projeto em fase de finalização. Vamos relançar a licitação para a construção do Túnel do Morro do Formigão e deveremos, num curtíssimo prazo, após decisão do Ministério do Planejamento, reiniciar as obras da Ponte da Laguna.
GC – Qual o orçamento do órgão para este ano?
General Fraxe – Cerca de R$ 12 bilhões em dinheiro novo.
GC – E o senhor acredita que esses recursos, de fato, serão aplicados nesse período, na malha rodoviária?
General Fraxe – Nós vamos correr pra ver se conseguimos empenhar esse valor ainda este ano e, com todos os esforços que estamos fazendo, toda essa mobilização, se não chegarmos aos R$ 12 bilhões, chegaremos bem pertinho desse valor. No ano passado conseguimos pagar cerca de R$ 11,8 bilhões, sendo parte disso em restos a pagar. Mas atingir essa meta vai depender também da capacidade de execução de obras do mercado. Isso porque é bom salientar que o Dnit é um órgão gestor. Quem faz os projetos de infraestrutura são as consultoras, que precisam investir mais em seus quadros técnicos. Eu acredito que nós conseguiremos contratar este ano obras para um total de 12 mil km a 15 mil km, previstas originalmente no Programa de Contratos de Restauração e Manutenção de Rodovias, já licitados. Além disso, pretendemos cobrir 30 mil km da malha federal, com um levantamento da atual situação.
GC – Quais as saídas para ampliar a capacidade do Dnit na gestão e na concretização dos empreendimentos?
General Fraxe – Nossa maior prioridade é a definição de um novo modelo de gestão, para a contratação de novos projetos de engenharia. Essa contratação deve privilegiar um sistema informatizado de georreferenciamento em 3D, com mapeamento a lazer, onde um software de análise de projeto vai reduzir o tempo de análise do tipo e do quantitativo dos serviços necessários. Esse serviço de análise, que hoje é realizado em um mês, passará a ser feito em 30 minutos. As próprias consultoras, que são as projetistas, deverão se adequar, para fornecer os projetos no modelo de software que nós vamos usar, de modo a dar mais precisão e agilidade a essas análises, que a partir de agora serão contratados não mais por relatórios, e sim por pacotes de trabalho.
GC – Quais os principais benefícios dessas mudanças?
General Fraxe – Oferecer ao Brasil projetos de alta qualidade, a curtíssimo prazo, obedecendo aos critérios de segurança, conforto e economicidade.
GC – Qual a estratégia do Dnit para promover a recuperação de pontes e viadutos na malha rodoviária federal? Sabe-se que são cerca de 5.600 obras de arte em todo o Brasil, nessa malha, a maior parte das quais precisando muito de manutenção.
General Fraxe – Nós retomamos o Proarte sob uma nova ótica, fazendo com que se levante in loco os projetos de engenharia, mesmo o projeto básico, para que possamos contratar, com detalhamento, as restaurações e reparações necessárias. Isso não acontecia no passado. O que estamos exigindo é que agora a restauração e recuperação de uma ponte ou um viaduto tem de ser feito com um projeto detalhado.
GC – Quanto tempo o senhor pretende ficar na Dnit?
General Fraxe – Eu cumpro uma missão que me foi confiada pela senhora presidenta da República. Portanto, fico no cargo até quando ela quiser.
GC – Mas enquanto militar da ativa, o senhor só pode permanecer afastado, em atividades civis, por dois anos, não é mesmo?
General Fraxe – Isso mesmo. Se eu ficar afastado por dois anos e mais um dia eu vou para a reserva.
GC – E o senhor está preparado para pagar esse preço?
General Fraxe – Eu sou um soldado e estou cumprindo uma missão. E essa, além de uma missão, é um grande desafio. No caso do Dnit, essa missão não termina nunca, porque o Brasil é um país que tem muito por fazer, muito o que construir. Mesmo o “feijão com arroz” com o trabalho diário de manutenção da malha, no Dnit não termina nunca.
GC – Impor ao Ministério dos Transportes uma gestão técnica, passando por cima dos interesses políticos e corporativos, e ainda nomear um militar da ativa para um dos mais importantes órgãos de planejamento e execução de obras de infraestrutura do País, como o Dnit, foram medidas corajosas, adotadas pelo governo federal, e que representam uma importante mudança de viés. O senhor teve de enfrentar resistências internas ao assumir a direção do Dnit ?
General Fraxe – Foi uma mudança radical. Em um primeiro momento eu percebia certa desconfiança, como se as pessoas se perguntassem: “será que ele veio para militarizar o Dnit? Será que teremos que fazer ordem-unida todos os dias?”. Mas esse momento já foi superado.
GC – O Departamento de Engenharia e Construção (DEC) e as diversas Organizações Militares de Engenharia de Construção do Exército são reconhecidos pela excelência na gestão e execução de obras de infraestrutura. Essa atuação pode representar uma concorrência com as construtoras que atuam nesse setor? Esse é também um papel do Exército?
General Fraxe – A destinação constitucional do Exército é defender a pátria, garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem. Dentro desse contexto, a Engenharia Militar tem como missão, garantir a capacidade do Exército de se movimentar. Isso exige uma prática. Um mínimo de obras que mantenham os engenheiros militares adestrados, dentro dessa prática, é bom para o Brasil. Mas é preciso ver qual é a medida dessa atuação. Porque não é missão do Exército competir no mercado da construção. O Exército deve atuar prioritariamente nas áreas mais carentes, mais afastadas, de difícil logística.
GC – E qual é essa medida hoje?
General Fraxe – Isso está sendo analisado, ainda não chegamos a uma conclusão oficial, mas eu acho que já passou do limite. Qual a necessidade do Exercito estar presente, por exemplo, na duplicação de uma rodovia no litoral, numa área urbanizada? Isso deixa o mercado nervoso.
GC – Mas o Exército tem atuado como um agente regulador do mercado da construção em obras de infraestrutura, não é verdade?
General Fraxe – Isso aconteceu, por exemplo, nas obras da BR-101 Nordeste. Porque o então presidente Lula queria tirar a obra do papel, o projeto não conseguia sair dos tribunais, e o presidente decidiu entregar a obra para o Exército para as construtoras pararem de brigar. Mas isso não é muito bom para o Exército.
GC – Por tudo isso, é possível concluir que o senhor está implantando um padrão de excelência técnica no Dnit. Mas o que acontecerá quando o senhor deixar o cargo de diretor-geral? O que garante que esse padrão será mantido após sua saída?
General Fraxe – O ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, assinou uma portaria estabelecendo que a partir de agora, os cargos importantes do Dnit têm de ser ocupados por funcionários de carreira do órgão. Na absoluta falta de profissionais de carreira para aquela vaga, deve ser procurado um profissional funcionário público federal. Isso deverá acontecer, por exemplo, para cargos de diretores técnicos e coordenadores. Isso pode até não blindar o Dnit de eventuais aparelhamentos político-partidários futuros, mas vai dificultar muito. Por isso a orientação que eu tenho dado internamente é a seguinte: vão formando os engenheiros, porque no futuro, quando nós sairmos, o Dnit vai ter nos seus quadros o pessoal que nós preparamos para assumir os cargos estratégicos. A meta é transformar o Dnit em um órgão de excelência na gestão de obras de infraestrutura. E isso não é difícil, porque o órgão é um dos braços executivos do Ministério dos Transportes. Ele é eminentemente técnico, responsável pela execução de uma política que emana de cima, do ministério.
GC – Que providências o senhor está tomando com relação aos envolvidos em irregularidades identificadas dentro do Dnit?
General Fraxe – Até para que isso não se alongue em uma crise sem fim, eu nem me envolvo nessas questões, nem falo nesse assunto. Todos os envolvidos naquelas questões que deram causa àquela grande crise do Dnit, estão tendo que se explicar junto ao tribunal de Contas da União e à Controladoria Geral da União. Eles que respondam lá. Eu não quero nem saber. Não me envolvo para defender nem para atacar. Eu tenho de olhar para frente. O que eu sei é que, com todos esses escândalos, instalou-se no Dnit um quadro de temor generalizado. Hoje as pessoas têm medo de assinar um documento qualquer. Porque, de repente, saíram decapitando cabeças, e tem muito pai de família respondendo processo e tendo de contratar advogado.
GC – E como se muda essa imagem do Dnit, tão arranhada?
General Fraxe – Com transparência. No máximo até o meio do ano nós vamos concluir o projeto do boletim de medição on line. Assim, você, cidadão, do computador da sua casa, vai poder entrar na página do Dnit para saber quanto foi pago esse mês na medição do determinado lote lá na BR-163. Pode saber a que empresa foi pago, o que ela fez, etc. No dia em que o Dnit oferecer essa transparência, você vai ver que nós conseguiremos tirar de cima do órgão esse estigma da suspeita.
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