Em 1964, o japoneses revolucionaram o transporte de passageiros sobre trilhos, inaugurando a primeira linha de trem-bala do mundo. Na sua etapa inicial, o Shinkansen ligava Tókio a Shinosaka num percurso de 515 km, podendo atingir a velocidade de 250 km/h, até então inédita para trens de passageiros. Isso animou os engenheiros ferroviários de vários países a desenvolverem seus próprios projetos, a começar pelos franceses.
Na época o Brasil não podia nem sonhar com um trem desses, envolvido que estava na montagem de um aparelho de estado que desse sustentação ao golpe militar. Mas, 13 anos depois, em 1977, o general-presidente Ernesto Geisel fez uma visita histórica ao Japão e, a bordo do mesmo Shinkansen, falou pela primeira vez em abertura política. Falou também – era o período de prosperidade econômica, apelidado de Milagre Brasileiro – na instalação de um sistema de alta velocidade parecido com aquele, entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Foi o suficiente para desencadear uma avalanche de ofertas de tecnologia de vários países que já a dominavam. Até hoje, no entanto, nenhum
Em 1964, o japoneses revolucionaram o transporte de passageiros sobre trilhos, inaugurando a primeira linha de trem-bala do mundo. Na sua etapa inicial, o Shinkansen ligava Tókio a Shinosaka num percurso de 515 km, podendo atingir a velocidade de 250 km/h, até então inédita para trens de passageiros. Isso animou os engenheiros ferroviários de vários países a desenvolverem seus próprios projetos, a começar pelos franceses.
Na época o Brasil não podia nem sonhar com um trem desses, envolvido que estava na montagem de um aparelho de estado que desse sustentação ao golpe militar. Mas, 13 anos depois, em 1977, o general-presidente Ernesto Geisel fez uma visita histórica ao Japão e, a bordo do mesmo Shinkansen, falou pela primeira vez em abertura política. Falou também – era o período de prosperidade econômica, apelidado de Milagre Brasileiro – na instalação de um sistema de alta velocidade parecido com aquele, entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Foi o suficiente para desencadear uma avalanche de ofertas de tecnologia de vários países que já a dominavam. Até hoje, no entanto, nenhuma prosperou. Porém agora, com mais recursos, farta tecnologia, vontade política e o argumento dos Jogos Olímpicos de 2016, que põe o tema na ordem do dia, vale a pena lembrar o que tentaram nos vender.
O “mico” húngaro
Antes mesmo da visita de Geisel ao Japão, o Brasil teve uma experiência precursora de “modernização” na linha Rio-São Paulo. Foi o episódio dos trens húngaros, assim chamados por envolverem veículos fabricados pela empresa Húngara Ganz-Mavag, trocados pelo governo brasileiro por café.
A operação aconteceu em 1973 e os trens, em bitola larga (1,60 m) começaram a circular no ano seguinte. Cada um deles era formado por quatro carros, sendo dois motores e dois reboques, três dos quais eram reservados para passageiros e o quarto era um vagão-restaurante. Seis trens foram destacados para a linha Rio-São Paulo. Outros seis passaram a operar entre Porto Alegre e Uruguaiana (RS).
Capaz de desenvolver cerca de 100 km/h, uma maravilha para a época e para os padrões brasileiros, ele cobria o trajeto de 470 km em quatro horas e meia, em tese, o que lhe valeu o apelido de “avião sobre rodas”. Teoricamente porque, na prática, os trens húngaros tinham um ponto fraco: seu sistema de tração, composto apenas por um eixo de cada truque dos carros motores. Com essa configuração, eles não conseguiam vencer os trechos íngremes do trajeto, como aquele existente entre Japeri e Barra do Piraí, patinando excessivamente e esquentando muito os motores, obrigando a composição a fazer longas paradas, até esfriar. Já em trechos mais favoráveis (planos ou com aclives e declives suaves) eles provaram ser excelentes, esbanjando conforto e segurança.
Para complicar ainda mais, os trens eram construídos dentro de um conceito de globalização revolucionário para a época, mas que não gerou bons resultados. Eles tinham motor alemão, controles suíços e freios italianos. As peças de reposição eram difíceis de obter e a manutenção quase impossível. O elevado consumo de combustível era outro problema (dois litros por km).
Pelos problemas apresentados, os Ganz-Mavag se mostraram inadequados para o trecho, operando na linha Rio-São Paulo por apenas quatro anos.
O trem japonês
A primeira visita de uma missão técnica japonesa ao Brasil, para oferecer a tecnologia do trem-bala, aconteceu já em 1968. Mas o interesse cresceu mesmo depois da tal viagem de Geisel no Shinkansen. O general ficou encantando com a modernidade, mas os projetos não foram adiante. Os altos custos de instalação e operação do sistema o levaram a arquivar o sonho.
Mas em julho de 1986 as autoridades brasileiras voltaram a se animar com a ideia, diante da promessa de um financiamento de US$ 2 bilhões pelo Eximbank japonês, para bancar parte de um sistema ligando as duas maiores cidades do Brasil. Em dezembro daquele ano, depois de vistoriar a malha ferroviária brasileira, técnicos da Mitsui, Toshiba, Hitachi e NEC concluíram que “praticamente não seria necessário grandes investimentos em via permanente para a implantação do trem-bala”.
O chefe da missão técnica, Yasushi Hata, do Grupo Mitsui, afiançou que sem quaisquer reparos na via a viagem poderia ser feita em quatro horas e 14 minutos. Com pequenas correções, esse tempo cairia para três horas e meia, o que exigiria uma velocidade média de 120 km/hora em todo o ramal. O financiamento do Eximbank incluía a contratação do material rodante e sistemas, que seriam fornecidos pelas empresas japonesas.
Muitos técnicos brasileiros criticaram o projeto, questionando o péssimo estado das linhas e a inadequação dos seus raios de curva para a operação em alta velocidade. A argumentação se fundamentava em um estudo feito pela própria Japan International Cooperation Agency, a JICA. Sensível a esses argumentos, o então presidente da República, José Sarney, decidiu, em maio de 1987, arquivar o projeto e criar uma comissão de alto nível, para estudar o assunto, recomendando que o trajeto se estendesse a Campinas e Araraquara (SP).
Alternativa francesa
Em julho de 1987, o Ministério dos Transportes comunicava a conclusão da comissão: não era viável colocar trens de passageiros, em alta velocidade, correndo no trecho Rio-São Paulo, disputando espaço com os trens de carga. Mas o ministro José Reinaldo Tavares tinha uma alternativa: um estudo de pré-viabilidade elaborado pelo ministério, com a participação da Sofrerail (consultora da SNCF, operadoras dos trens de alta velocidade franceses), e da Alstom, fabricante do TGV (do francês Train à Grande Vitesse). O estudo previa a instalação de trens de alta velocidade com tecnologia francesa, em via exclusiva a ser construída.
O custo do empreendimento, de acordo com o estudo, seria de US$ 3,5 bilhões, gerando uma receita operacional de US$ 100 milhões/ano. Estava, assim, descartada a proposta japonesa.
Na ocasião, o Ministério dos Transportes revelou ter iniciado negociações com bancos franceses, credores do Brasil, que se mostraram interessados em transformar empréstimos em capital de risco. O presidente José Sarney deu sinal verde para as negociações e, em outubro de 1988, o Ministério dos Transportes da França ofereceu ao governo brasileiro financiamento de US$ 4 milhões, a fundo perdido, para o projeto de engenharia do TAV brasileiro. Dos US$ 3,5 bilhões necessários ao empreendimento, 70% seriam usados na aquisição do material rodante e equipamentos franceses.
Entre Rio e São Paulo, o tempo de viagem seria de 1h 55m sem paradas, ou de 2h 04 m, com três paradas. De São Paulo a Campinas seriam 27 minutos sem paradas, ou 30 minutos, com uma parada em Jundiaí. Vinte e seis trens circulariam, numa média de cinco por hora.
O TAV exigiria uma linha de eletrificação particular, com várias subestações, e seu prazo de construção seria de aproximadamente sete anos.
Mas o Clube de Paris (instituição informal constituída pelos 19 países desenvolvidos com a missão de ajudar financeiramente países com dificuldades econômicas) jogou água fria no sonho do trem-bala brasileiro, usando como argumento a elevada dívida externa do país, àquela época. Os banqueiros franceses, por sua vez, decidiram cozinhar o financiamento em banho-maria. Eram os tempos do Plano Cruzado e ninguém sabia ao certo o que podia acontecer na economia brasileira.
Falk entra em cena
O Ministério dos Transportes, no entanto, não desistia e, em janeiro de 1989, lançou edital de concorrência para qualificar empresas interessadas em viabilizar o empreendimento sem subsídios do governo federal. O vencedor teria que obter, por conta própria, os recursos necessários, arcando inclusive com os ônus de desapropriações, obras, aquisição de trens, instalações e operação. Em compensação, quem assumisse o risco ficaria com a concessão para a exploração do sistema por nada menos que 90 anos, fixando livremente a tarifa.
Não apareceu nenhum nome conhecido, disposto a assumir a empreitada. A única empresa que se aventurou a apresentar proposta foi a Trem de Alta Velocidade S.A. (TAV), que tinha como sócio o milionário saudita Gaith Pharaoh, qualificado como maior acionista individual do Eurotúnel. Ele tinha como sócio o investidor brasileiro Artur Falk, com um passado marcado por empreendimentos mal sucedidos, dono da corretora Interunion, depois liquidada pelo Banco Central, e um dos donos dos títulos de capitalização Papatudo. O esquema dos dois sócios era convencer investidores brasileiros a trocar títulos da dívida externa, com generoso deságio, por investimento direto no projeto, estimado em US$ 5 bilhões. Mas o empreendimento necessitava, para a conversão, do aval do Congresso Nacional, que teve a prudência de negar. Assim, o projeto morreu no ovo.
Turbo trem
Mas os franceses ainda não haviam desistido. Eles ainda acreditavam no plano de eletrificação da antiga malha paulista da FEPASA e nos múltiplos projetos de trens de passageiros existentes na época, para esta malha. Assim apareceu o projeto do Turbo Trem, Apresentado pela ANF Industrie, segundo maior construtor de material ferroviário da França. Batizado de Turbo Brasil, ele previa a aquisição de trens compostos por duas locomotivas, uma em cada extremidade, movidas por turbinas a gás, do mesmo tipo usado em helicópteros de grande porte. Cada turbina seria ligada a uma transmissão hidráulica, e esta aos truques de dois eixos.
Com esta tecnologia, o Turbo trem havia batido, em 1972, o recorde mundial de velocidade em tração a diesel, fazendo admiráveis 260 km/h na época, suficientes para convencer a operadora americana de transporte de passageiros, Amtrak, a adquirir a tecnologia para rodar em seu corredor nordeste.
No trajeto Rio-São Paulo, o Turbo Trem poderia trafegar a até 250 km/h, com retificação do traçado existente. Ou a 200 km/h, sem necessidade de retificações. Cada composição teria 10 carros, somando uma capacidade total de 720 passageiros. Com uma frequência diária de quatro viagens, ida e volta, o sistema poderia transportar até 2.880 passageiros por sentido.
No entanto, como ocorreu com os demais projetos, esse também ficou dependendo de financiamento de instituições estrangeiras, mofando no fundo de uma gaveta de um burocrata do Ministério dos Transportes. A partir dessa época, os franceses praticamente se retiraram do cenário, abandonando os projetos de trens rápidos no Brasil.
O Talgo espanhol
Nem francesa nem japonesa. O sonho do trem-bala brasileiro poderia ter sotaque espanhol. Era o que afirmavam o técnicos do Tren Articulado Ligero Goicochea Oriol, o Talgo. Em julho de 1987 foi apresentado ao governo brasileiro o projeto de um trem leve, que poderia ser tracionado por qualquer locomotiva, proporcionando velocidade pouco acima dos 200 km/h. Ele poderia ser usado em linhas de traçado sinuoso, já que contaria com o mecanismo de pêndulo, que faz com que os carros se inclinem até 3,44o para dentro das curvas.
A principal vantagem do Talgo Pendular era o preço mais baixo. Utilizando a linha existente, ele seria capaz de desenvolver velocidades médias em que poderia trafegar nas curvas de 16% a 25% mais depressa que seus concorrentes. Estes, embora pudessem atingir velocidades maiores, precisavam de uma linha nova, com maiores raios de curvas.
Enquanto o TGV custaria no mínimo US$ 3,5 bilhões, o Talgo sairia por meros US$ 50 milhões, preço da aquisição de 12 composições de 12 carros e capacidade para 360 passageiros. Com ele, o percurso Rio-São Paulo seria coberto em 4h 30m.
O projeto espanhol previa a construção dos trens no Brasil, através de transferência de tecnologia, além de financiamento em 20 anos, com jutos de 3% ao ano. O início da operação seria em dois anos a partir do fechamento do negócio. Porém, mais uma vez, o projeto não saiu do papel.
A oferta inglesa
Na mesma onda de ofertas surgidas durante o governo de José Sarney, sem dúvidas um entusiasta das ferrovias, surgiu também a ideia de trazer para o corredor Rio-São Paulo o High Speed Train (HST) inglês, trem-unidade diesel-elétrico capaz de atingir 200 km/h. A proposta foi apresentada em 1987, pela Davy British Rail International, consórcio composto pela British Rail, ferrovia estatal inglesa, e a empreiteira internacional Davy McKee, que previa prazo de cinco anos para a conclusão das obras. O custo total do projeto era de US$ 670,5 milhões, também sem muita intervenção na via existente. Do total de recursos, US$ 428 milhões seriam aplicados na aquisição da frota e equipamentos.
Os trens teriam 11 carros, oferecendo um total de 600 lugares. A partir de 1995, o sistema atingiria sua plenitude operacional, com 25 trens fazendo 27 viagens diárias em cada direção, oferecendo um total de 25.400 lugares/dia, nos dois sentidos. A tarifa proposta era de US$ 17, considerada bem competitiva com as dos aviões no mesmo corredor.
O HST poderia tranquilamente compartilhar as linhas com os trens de carga, dispensando a construção de vias exclusivas.
No relatório de viabilidade, os ingleses admitiam que a captação de financiamento externo poderia se configurar em um obstáculo para o projeto, mas salientavam que ele seria rentável em longo prazo. Na época, Robert Sparrow, representante do consórcio, teria afirmado: “Acredito que o problema da dívida externa brasileira venha a ser resolvido em um ou dois anos, quando, então, os recursos necessários ao projeto poderão ser obtidos no mercado internacional”. Sparrow estava enganado.
Agora chegou a vez dos coreanos e italianos, mas, como afirmam entusiastas do projeto, como Bernardo Figueiredo, da ANTT, e Julio Lopes, Secretário de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, o momento é bem diferente. Sem o estigma da dívida externa, o Brasil goza de credibilidade internacional e as tecnologias, hoje disponíveis, permitem redução de custos impossíveis no passado.
Por tudo isso, espera-se que esta história tenha um final feliz.
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