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Revista GC - Ed.81 - Julho 2018
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Entrevista

O Brasil na visão de um especialista

Para Reiser, o Brasil pode reduzir dramaticamente seu déficit de infraestrutura investindo de forma mais eficiente e nos projetos certos
Por Paulo Espírito Santo

O Brasil precisa gastar melhor e não apenas gastar mais, quando se trata de infraestrutura. Além disso, tem que ter claro que tipo de serviço precisa, quem vai pagar por ele e quanto pode pagar, como parte de um processo cuidadoso de planejamento antes da definição dos custos. A análise é do diretor-geral do Banco Mundial para o Brasil, Martin Raiser. Ele fez uma palestra para cerca 200 participantes, entre CEOs, diretores e especialistas das empresas mais importantes do país, durante o fórum "Fazendo o Brasil Avançar com Engenhosidade”, promovido pela Siemens, em parceria com o jornal Estadão, no dia 1º de junho, em São Paulo.

Após a palestra, Raiser concedeu uma entrevista exclusiva para Grandes Construções, quando comentou o perfil do novo investidor internacional e a percepção de risco do Brasil para esses investidores no exterior. Otimista, ele declarou que tem esperança que País sairá fortalecido dessa grave crise que atravessa.

Grandes Construções – Que fatores dificultam o desenvolvimento da infraestrutura no Brasil? A falta de recursos para investimen


O Brasil precisa gastar melhor e não apenas gastar mais, quando se trata de infraestrutura. Além disso, tem que ter claro que tipo de serviço precisa, quem vai pagar por ele e quanto pode pagar, como parte de um processo cuidadoso de planejamento antes da definição dos custos. A análise é do diretor-geral do Banco Mundial para o Brasil, Martin Raiser. Ele fez uma palestra para cerca 200 participantes, entre CEOs, diretores e especialistas das empresas mais importantes do país, durante o fórum "Fazendo o Brasil Avançar com Engenhosidade”, promovido pela Siemens, em parceria com o jornal Estadão, no dia 1º de junho, em São Paulo.

Após a palestra, Raiser concedeu uma entrevista exclusiva para Grandes Construções, quando comentou o perfil do novo investidor internacional e a percepção de risco do Brasil para esses investidores no exterior. Otimista, ele declarou que tem esperança que País sairá fortalecido dessa grave crise que atravessa.

Grandes Construções – Que fatores dificultam o desenvolvimento da infraestrutura no Brasil? A falta de recursos para investimentos é o único obstáculo a ser superado?

Martin Raiser – A infraestrutura no Brasil – bem como na América Latina como um todo – precisa de uma mudança de paradigma. Devemos parar de pensar sob a ótica da escassez de recursos e pensar na escassez dos serviços. O primeiro pensamento que as pessoas têm, quando se trata deste assunto é quanto isso vai custar, e esse número acaba sendo muito grande. Geralmente se usa uma porcentagem do PIB como referência. Quando pensamos assim, rapidamente chegamos à conclusão que tanto o Brasil quanto a América Latina precisam pelo menos dobrar os investimentos atuais, para chegar aos níveis alcançados pelos países da Ásia, por exemplo. Essa é uma forma errada de pensar em como resolver o problema.

GC – Por que está errada? E qual seria a forma certa?

Martin Raiser – Digamos que você quer comprar uma casa e eu me disponha a construí-la para você. Aí você me pergunta quanto ela custará. Eu vou te responder que vai depender do padrão da casa que você quer. Dependendo dessa informação eu posso te dizer quanto você vai gastar. Se o assunto é infraestrutura, precisamos fazer a mesma pergunta. Não devemos definir primeiro quanto queremos gastar, mas que serviços queremos obter. E que resultados essa infraestrutura vai entregar para a economia do país e para os cidadãos. Se fizermos esta pergunta, chegaremos mais perto de resolver o déficit da infraestrutura.

É bom lembrarmos que, na década de 1970 e parte da década de 1980 o Brasil atingiu gastos em infraestrutura semelhantes aos da Ásia. Mas, desde a década de 1990, o País nunca gastou mais do que 2% ao ano do seu PIB nesta área. E o curioso é que há poucos anos o Brasil fez um grande esforço para investir mais. E começou a transferir muitos recursos do BNDES para o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Todas essas iniciativas aumentaram os gastos em 0,7% do PIB, o que trouxe ao País para bem mais perto da atual crise fiscal. Então, se com todos esses esforços, os resultados foram tão poucos, chegamos à conclusão de que temos que gastar melhor em vez de gastar mais. E isso nos impõe outras perguntas: que tipo de resultado precisamos atingir? Como poderemos atingir esses objetivos o mais eficientemente possível?  Quem deve pagar a conta por essa infraestrutura?

A conclusão a que chego é que o Brasil pode reduzir dramaticamente esse déficit de infraestrutura investindo de forma mais eficiente e nos projetos certos.

GC – Como identificar os projetos certos?

Martin Raiser – Para isso é necessário pensarmos a que serviços a população tem bom acesso e o que está faltando. Em se tratando de prioridade em infraestrutura, o que observamos é que boa parte dos brasileiros têm acesso adequado à energia elétrica, tem acesso razoável à água, à comunicação por celulares, mas não tem acesso ao saneamento básico e aos serviços de internet. Outro grave problema é o transporte. Analisando as extensões da malha rodoviária e ferroviária brasileiras e comparando o índice brasileiro de performance de logística aos de outros países, entendemos que o transporte é uma área bem atrasada. O Brasil tem uma extensão de rodovias parecida com a da Rússia e do México, mas bem menor do que a China e a Índia.

Quando pensamos no saneamento básico, os números são ainda piores. O Brasil tem índices um pouquinho acima da Índia, que é um país muito mais pobre, mas quando comparamos com países mais desenvolvidos, o Brasil está bem atrasado.

GC – Em algum aspecto da infraestrutura o Brasil está em vantagem, em relação ao resto do mundo?

Martin Raiser – Vemos uma vantagem no que se refere à energia renovável, por conta do seu potencial hidrelétrico. Esse potencial é de mais de 70% no Brasil e de mais de 50%, na América Latina. Em qualquer outra parte do mundo, encontramos números muito mais baixos que esses. A grande vantagem é que, daqui para a frente, começa a ganhar importância a questão da troca de carbono. Provavelmente não enquanto o Donald Trump for presidente dos Estados Unidos, mas, no futuro, podemos imaginar que as emissões de carbono no processo de produção de energia passarão a ser importante fator de competitividade. Hoje, o principal fator é o preço.

Mas nisso há um desafio: a energia hidrelétrica precisa de água e a disponibilidade de água depende do clima, que está mudando. E com ela a confiabilidade dos recursos hídricos no Brasil. Muitas estruturas que foram construídas há 20 ou 40 anos podem estar sujeitas a variabilidade deste fornecimento de água. Portanto, isso pode passar a não ser suficiente para alimentar essa matriz energética. Outras soluções têm que aparecer.

Nesse ponto começamos a falar sobre energia eólica, energia solar. O Banco Mundial vem trabalhando em colaboração com empresa como a Siemens para desenvolver novos recursos energéticos e criar o que chamamos de smart grids ou redes inteligentes (N.R.: o termo refere-se a um sistema de energia elétrica que se utiliza da tecnologia da informação para fazer com que o sistema seja mais eficiente econômica e energeticamente, confiável e sustentável).

GC – Quais seriam os maiores desafios do Brasil no tocante à infraestrutura?

Martin Raiser – Nós acreditamos que um dos grandes desafios é reorganizar a cadeia de valor da infraestrutura. E isso precisa começar com o planejamento. Um planejamento ruim faz com que a construção não seja boa. Vocês têm um budget para médio prazo, mas quando ele vai para o Congresso ele recebe um monte de emendas e aí deixa de haver uma correspondência entre o Planejamento e o Orçamento. Em consequência, a confiabilidade, em termos de gastos de infraestrutura, acaba sendo reduzida. Há dificuldades com a execução do orçamento.

Além disso, do ponto de vista dos investidores há outros desafios. Quanto tempo demora pra se conseguir um licenciamento? Uma boa parte do licenciamento ambiental tem a ver com áreas territoriais desapropriadas. Se os engenheiros não incluíram no projeto muitos detalhes do projeto, como ele vai se integrar com o desenvolvimento do território, fica muito difícil, mesmo para as melhores agências, darem uma avaliação real dos riscos ambientais e se esse projeto de fato merece um licenciamento.

Outro desafio: há uma falta de coordenação entre as gestões municipais, estaduais e federal. O sistema de compras também tem que melhorar. A atual legislação para compras e licitações não dá base para a contratação de empresas de consultoria, por exemplo. Seria muito melhor se essa legislação permitisse que entidades públicas pudessem contratar empresas de engenharia e consultoria internacionais que pudessem elevar o padrão desses projetos.

Nós analisamos projetos em São Paulo e no Rio de Janeiro, na área de transportes e vimos que há economias de até 30% nos custos estimados, por conta de projetos bem elaborados, a partir de bons trabalhos de consultoria.

Tudo isso aumenta uma percepção de risco para os investidores, aumenta o custo do capital, diminui o ritmo da implementação dos projetos e contribui para o aumento do déficit da infraestrutura.

GC – O que o senhor acha da indústria da construção no Brasil?

Martin Raiser – Entendemos que ela conta com uma tecnologia muito avançada, uma capacidade de engenharia excelente, mas não é competitiva. Os custos no Brasil para obras de infraestrutura sempre estão muito acima dos praticados em outras áreas. Fizemos pesquisas que comprovam que o custo por km de rodovia são mais altos que em outras partes do mundo.

GC – Como planejar infraestrutura com base em ganhos de eficiência?

Martin Raiser – No caso da infraestrutura de transporte, por exemplo, as perdas de eficiência são analisadas como resultado do mix dos modais. Na maior parte do mundo, as ferrovias são reconhecidas como muito mais econômicas que as rodovias. No Brasil, perto de 70% das cargas são transportadas por rodovias, por falta de uma estrutura decente de ferrovias. Acreditamos que mesmo com a estrutura de ferrovias que o país tem, e com uma expansão da produtividade ferroviária, o Brasil poderá alcançar uma economia de até 70% sobre os custos atuais de logística do transporte de cargas apenas mudando esse mix da matriz de transporte.

Temos estudos que nos mostram onde estão os maiores fluxos de carga na rede rodoviária existente, onde estão os maiores congestionamentos e onde os investimentos têm que ser concentrados. Isso nos mostra o que fazer para que as rodovias tenham um transporte de mais qualidade, onde as empresa de transporte e seus veículos não tenham custos adicionais por conta de manutenção, nem tenham que reduzir a velocidade de operação, por causa da baixa qualidade das estradas.

Temos, ainda, estudos que comprovam que 0,7% do PIB se perde no setor de saneamento e água, como resultado de ineficiências. Fizemos uma análise em diversas empresas de saneamento e águas da América Latina, para analisar o que precisaríamos fazer para que estas instalações de utilities pudessem receber financiamento global. Concluímos que apenas uma pequena parte delas seriam viáveis comercialmente, ou seja, que poderiam atrair investimentos privados para as suas operações. Em outras partes do mundo, muitas empresas do setor emitem bonds para o mercado de capitais. Na América Latina seriam apenas 20% delas.

O primeiro passo para melhorar esse cenário seria aumentar o percentual de coleta para 100%. Aumentaríamos aí o número de empresas para 28%.

Reduzindo os custos não trabalhistas em 15% chegaríamos a um número de empresa para até 40%. E se conseguíssemos reduzir as perdas de água não cobrada em até 25%, a parcela de empresas que receberiam investimentos subiria para 65%. Portanto, em muitos casos, trata-se de problemas de gerência.

No setor de Energia acontece o mesmo. Aumentando a eficiência, reduzindo o desperdício, muitos países conseguem reduzir imensamente a quantidade da energia que utilizam. Se pensarmos nas perdas com a transmissão e distribuição de boa parte da energia total produzida, chegaremos a cerca de 17%, 18%. Na Ásia, esse índice é menor que 5%.

GC – Quem tem que pagar a conta pelos investimentos em infraestrutura?

Martin Raiser – Geralmente, o setor privado não paga pela infraestrutura. Ele investe e opera a infraestrutura. Há somente duas fontes de recursos para os investimentos: o cidadão, através dos impostos que paga, e o usuário. É importante, portanto, ao pensarmos em ampliar a infraestrutura, concluirmos se esse serviço é essencial, se queremos ter esse custo e quem vai pagar por ele. No caso da Energia, temos que ver se é factível transferir esse custo para o usuário, se ele vai conseguir pagar.

GC – Em sua opinião, as Parcerias Públicos-Privadas (PPPs) são uma boa saída para o financiamento da infraestrutura

Martin Raiser – Sim, acho que pode ser uma alternativa para o financiamento público, mas elas não são a panaceia para todos os males e não resolvem o problema de falta de financiamento. Se você não tem um bom projeto, nem uma correta avaliação dos riscos, tampouco tem clareza de quem vai pagar a conta, o risco, mais uma vez, fica completamente com o governo. Temos, nesse momento, inúmeras PPPs com processo de renegociação de contratos, que tem garantias públicas, então, isso não resolve o problema do financiamento. Em geral, o projeto executado pelo setor privado fica até mais caro que pelo setor público. A principal expectativa, nessa modalidade de concessão, é que o setor privado traga mais eficiência na realização dos projetos e na operação. Mas, infelizmente, nem isso é automático. Os estudos que fizemos apontam para a ineficiência dos gastos nas rodovias, incluem aquelas concedidas a operadoras privadas.

GC – Para o senhor, as empresa brasileiras estão prontas para estas parcerias?

Martin Raiser – Sim, estão. Esse tipo de financiamento existe em países como a Colômbia, que tem capacidade menor que o Brasil. O fato é que as empresa brasileiras têm que enfrentar um mundo mais competitivo. Acho que um novo paradigma seria mais competição, tendência de reduzir os custos. Fora isso, não vejo nenhum impedimento para o setor privado investir mais, efetivamente.

GC – Nas últimas décadas, observamos a forte presença das grandes empreiteiras, não só como executoras das obras, mas como investidoras na concessão para operação dos sistemas. Em sua opinião, diante da impossibilidade de boa parte dessas empresas participarem de novos leilões, por causa da Lava Jato, qual seria o perfil dos novos investidores?

Martin Raiser – O recente leilão dos aeroportos deu um bom exemplo disso: pela primeira vez tivemos empresa que participaram e ganharam, que são especializadas na provisão dos serviços. O principal objetivo da infraestrutura é dar acesso a serviços. E para isso é fundamental a boa operação. Para isso tem a expertise das empresas dos setores de saneamento, de logística, de gestão se aeroportos etc. Essa será a principal mudança que passaremos a ver.

GC – Qual é a percepção de risco que o grande investidor internacional tem do Brasil? Em que medida essa crise política que o País atravessa geras impactos nas decisões de investimento?

Martin Raiser – É claro que a incerteza tem grande impacto sobre a confiança para investimento, mas, por outro lado, temos que reconhecer que o Brasil está enfrentando esses problemas, com instituições fortes e com muita serenidade. Na verdade, os problemas políticos atuais não foram resolvidos nos últimos 30 anos. Portanto, agora é o momento de ter uma visão que vá adiante da conjuntura política atual e disposição para enfrentar os gargalos estruturantes que o país tem que resolver se quiser voltar a ter um crescimento sustentável. Eu tenho muito otimismo do Brasil sair desse processo muito fortalecido. Acredito muito nisso.

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