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Revista GC - Ed.16 - Junho 2011
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Entrevista

Mercado registra um salto de R$ 4 bi para R$ 85 bi por ano

João Crestana, presidente do Secovi, explica como o mercado imobiliário brasileiro cresceu 20 vezes em 10 anos, tornando-se forte propulsor da economia
Por Mariuza Rodrigues

Há 10 anos, o mercado imobiliário amargava um déficit habitacional crescente que ultrapassava a casa das 6 milhões de moradias e um volume de crédito incipiente que não ia além dos R$ 4 bilhões por ano. Hoje, o volume de financiamento chega a R$ 85 bilhões por ano, um crescimento de 20 vezes, alavancado pela estabilidade financeira produzida pela moeda forte pós Plano Real, saneamento financeiro e de gastos públicos, medidas jurídicas que deram segurança ao comprador e ao investidor, além do crescimento da economia, que injetou uma massa de 30 milhões de novos consumidores no mercado.

O Programa Minha Casa Minha Vida veio a ser a cereja do bolo, facilitando a aquisição do primeiro imóvel para as classes de baixa renda. É o que diz nesta entrevista o engenheiro João Crestana, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo), Secovi-SP.

Ao longo de 65 anos de existência, a entidade sedimentou uma trajetória de credibilidade, acompanhou de perto os revezes do cenário econômico nacional, e foi agente de algumas das mudanças responsáveis pelo extraordinário vigor do mercado imobiliário brasileiro no momento. Nem tudo está concluído, como alerta Crestana, que demonstra muito otimismo em relação ao Brasil. “Nós brasileiros temos algo que outros países não têm: esperança no futuro de uma vida melhor para os nossos filhos. E os primeiros passos desse futuro já foram dados”.

Grandes Construções: Como o senhor avalia o cenário atual, após mudanças que ocorreram principalmente nestes últimos 10 anos?

João Crestana – Essa mudança se reporta a um tempo um pouco mais distante, há uns 18 anos, a partir de 1994/1995, com a criação do Plano Real e o programa de saneamento dos bancos, o Proer, que foram os dois grandes marcos  da economia brasileira, além da adoção dos princípios da Responsabilidade Fiscal, que logo seriam adotados no País também, nas esferas de governo estadual e municipal. Esses três marcos permitiram que o nosso pais vivenciasse um período de estabilidade monetária. Nenhum país do mundo, sem exceção, consegue um crescimento sustentável na área imobiliária com uma moeda indisciplinada, com uma estrutura


Há 10 anos, o mercado imobiliário amargava um déficit habitacional crescente que ultrapassava a casa das 6 milhões de moradias e um volume de crédito incipiente que não ia além dos R$ 4 bilhões por ano. Hoje, o volume de financiamento chega a R$ 85 bilhões por ano, um crescimento de 20 vezes, alavancado pela estabilidade financeira produzida pela moeda forte pós Plano Real, saneamento financeiro e de gastos públicos, medidas jurídicas que deram segurança ao comprador e ao investidor, além do crescimento da economia, que injetou uma massa de 30 milhões de novos consumidores no mercado.

O Programa Minha Casa Minha Vida veio a ser a cereja do bolo, facilitando a aquisição do primeiro imóvel para as classes de baixa renda. É o que diz nesta entrevista o engenheiro João Crestana, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo), Secovi-SP.

Ao longo de 65 anos de existência, a entidade sedimentou uma trajetória de credibilidade, acompanhou de perto os revezes do cenário econômico nacional, e foi agente de algumas das mudanças responsáveis pelo extraordinário vigor do mercado imobiliário brasileiro no momento. Nem tudo está concluído, como alerta Crestana, que demonstra muito otimismo em relação ao Brasil. “Nós brasileiros temos algo que outros países não têm: esperança no futuro de uma vida melhor para os nossos filhos. E os primeiros passos desse futuro já foram dados”.

Grandes Construções: Como o senhor avalia o cenário atual, após mudanças que ocorreram principalmente nestes últimos 10 anos?

João Crestana – Essa mudança se reporta a um tempo um pouco mais distante, há uns 18 anos, a partir de 1994/1995, com a criação do Plano Real e o programa de saneamento dos bancos, o Proer, que foram os dois grandes marcos  da economia brasileira, além da adoção dos princípios da Responsabilidade Fiscal, que logo seriam adotados no País também, nas esferas de governo estadual e municipal. Esses três marcos permitiram que o nosso pais vivenciasse um período de estabilidade monetária. Nenhum país do mundo, sem exceção, consegue um crescimento sustentável na área imobiliária com uma moeda indisciplinada, com uma estrutura fiscal totalmente desregulada, e também com os bancos numa situação caótica.

GC  – O sistema bancário é fundamental para o mercado imobiliário?

João Crestana – Os bancos brasileiros em 1994/95 sofreram uma reforma que praticamente antecipou a crise mundial do sistema financeiro que aconteceu entre 2007/2008. Alguns bancos que tinham fragilidades foram extintos ou adquiridos por outros, e os bancos que permaneceram, com certeza, foram os mais fortes, os de maior vigor. Isso também propiciou uma base mais sólida para que o Plano Real, que também acabava de ser introduzido, fosse muito bem sucedido. O mais importante é que a Sociedade adotou também o plano, o governo liderou a Sociedade nesse aspecto e a moeda se estabilizou. Veio então a Lei de Responsabilidade Fiscal, evitando que os governos extrapolassem nos seus gastos. Há muito a melhorar, os governos ainda não estão como os brasileiros queriam, mas as principais diretrizes foram estabelecidas.

GC – O mercado imobiliário evoluiu com a estabilidade alcançada pelo País. Mas faltava elementos de estímulo, não é mesmo?

João Crestana – Depois dessa  base, começou  a ser montado o que se poderia chamar de um marco regulatório do mercado imobiliário. Várias equipes do Brasil, inclusive uma do Secovi que eu tive o privilegio de participar, estiveram nos Estados Unidos e na Europa, para conhecer o mercado de financiamento imobiliário de lá. E com isso trouxeram para cá, nesses últimos 17 ou 18 anos, uma série de novidades importantíssimas. Começou em 1997 com a lei 9.514, que trouxe a figura da Alienação Fiduciária, o Patrimônio de Afetação, e algumas outras providências, ainda de uma maneira incipiente,  mas que propiciou um debate, um diálogo sobre a saúde do sistema. Depois algumas outras medidas pontuais, mas também importantes, surgiram. Por exemplo, no ano de 2000, com o ministro Armínio Fraga, veio o retorno dos recursos da Poupança que desde o Proer tinham sido destinados a outras aplicações. Esses recursos começaram a retornar para o mercado imobiliário. Foi uma das medidas pontuais que começaram a oxigenar o mercado imobiliário. A princípio, esses recursos retornariam em 100 parcelas mensais. Depois, na gestão do presidente Lula, o tempo do retorno foi reduzido para 50 meses, o que gerou ainda mais fôlego para o mercado.

GC – O mercado pode contar com recursos num momento de retomada da economia?

João Crestana – Com certeza. O presidente Lula deu continuidade a uma série de medidas fiscais e de crédito, que possibilitavam essa moeda forte no País, e incentivou muito o mercado habitacional e o mercado imobiliário, a ponto de que em 2004 surgisse uma nova lei, a 10.931, consolidando todo aquele debate que já vinha sendo feito a partir de 1997, que incluía a alienação fiduciária, o patrimônio de afetação, e um instituto novo, muito importante, o Incontroverso. A alienação fiduciária é um instituto jurídico muito importante que, em poucas palavras, melhora a garantia dos recebíveis de financiamentos imobiliários, de uma maneira sólida e definitiva.

GC – Essas medidas vieram resgatar a confiança do mercado, atingido por casos de falência em série?

João Crestana – O patrimônio de afetação permite que as empresas trabalhem contábil e operacionalmente em seus empreendimentos, de maneira independente e de forma tal que um não atrapalhe os outros. Isso permite uma segurança muito grande para os compradores. E teve ainda o dispositivo dos Incontroversos que permitia a interrupção de uma prática comum no Brasil, a de boicote ao pagamento dos créditos imobiliários. Quando havia um credito imobiliário e um determinado devedor entendia que não queria pagar mais, ele parava de pagar simplesmente para questionar um detalhe do financiamento, por exemplo, a taxa de juros. Com a lei do Incontroverso, não se retirou o direito de defesa do devedor, de forma nenhuma. Mas ele só poderia contestar e parar de pagar aquele item especifico contestado. Por exemplo, se fosse o juro, ele pararia de pagar aquela pequena parcela referente ao juro, continuando a pagar a parte principal do seu empréstimo, correções, etc.

GC – Foram medidas que atingiram problemas pontuais, mas que afetavam a saúde geral do sistema não é mesmo?

João Crestana – Todos esses mecanismos  juntos fizeram com que houvesse uma disciplina creditícia muito grande, o que foi excelente para consolidar a disponibilidade de mecanismos de crédito. Aliados a instituições financeiras mais fortalecidas e à concessão rígida e criteriosa de créditos, esse cenário possibilitou que o mercado de financiamentos imobiliário se desenvolvesse muito rapidamente, praticamente em 10 anos. Rapidamente, por  que nos Estados Unidos isso levou décadas para se firmar. No Brasil em 10 anos esse mercado meio que se disciplinou, e chegou a bons instrumentos. E coincidentemente, nos anos de 2003 e 2004, aconteceu outro grande movimento que deu força ao nosso mercado, que foi a entrada das classes de menor poder aquisitivo, até então, para a chamada classe média.

GC – Essa população chegou em um momento mais maduro do mercado, com maior crédito e menor risco, dando novo fôlego naquele momento?

João Crestana – Diz-se por ai que houve a ascensão de 30 a 40 milhões de pessoas para a classe média, que estavam nas classes de renda baixa. Imagine 30 milhões de pessoas consumidoras que se surpreenderam com uma salário um pouco melhor e, coincidentemente, com um mecanismo novo que surgia no país, o crédito imobiliário, que possibilitava  a compra de um imóvel em 30 anos, com taxas de juros razoáveis –  altas ainda em comparação com o resto do mundo, mas razoáveis frente a história do credito no país. São taxas de juros de 6% ou 7%, por enquanto aceitáveis, comparando com taxas na média de 20% ou 25%, mais correção, que até então eram praticadas.

GC – Finalmente um cenário macro positivo para o setor, depois de amargar anos de escassez de recursos e de crédito. O mercado estava preparado para isso?

João Crestana – Era um momento muito bom, sem dúvida. Bolso bem favorecido e crédito disponível. Nesse momento a demanda estava caracterizada da seguinte maneira: muita gente precisando de habitação, com dinheiro no bolso e crédito aprovado. Mas faltava a oferta. De 2004 a 2006, grande parte das empresas aperfeiçoou de forma significativa a maneira de tocar os seus negócios na área de gerência, recursos humanos, tecnologia, marketing, inclusive as pequenas e microempresas, que começaram a dar um certo valor para os seus balanços. Até porque a moeda agora significava alguma coisa. Nos anos 80 um balanço não valia nada porque a moeda era volúvel, totalmente inexpressiva. As empresas começaram a ter uma governança corporativa, da pequena microempresa, que se tornou grande empresa, e a grande que ficou muito grande. Umas 20, 25 destas empresas resolveram abrir seu capital na Bolsa de Valores. E isso sem duvida abriu caminho para um aporte de recursos que antes não vinha para o nosso setor, que era o universo dos investidores do mercado de capital.

GC – É a faixa nobre do mercado, que era algo impensável no país há alguns anos. O que mudou a partir daí?

João Crestana – Esse segmento  exige parâmetros, um patamar de governança corporativa bastante alto, de grande competência profissional. E mais. Algumas dessas 25 empresas entraram nesse mercado, que exige ainda mais governança, transparência, etc. Então,o nosso mercado imobiliário amadureceu num tempo recorde e nesse momento se transformou num mercado pujante, forte, e pronto para atuar no setor do ponto de vista das administrações, estruturas organizacionais e estruturas de capital dessas empresas. Juntou-se demanda, empresas bem estruturadas e boa capacidade de marketing, vendas, etc. E com isso os resultados começaram a aparecer, com o lançamento de produtos adequados muitas vendas. Assim foi em 2007. Em 2008 foi um pouco menos por causa da crise, mas logo depois houve a retomada, em 2009, e um 2010 muito forte. Nesse ano teve ainda um grande incentivo governamental, visando as camadas de renda mais baixas, que foi o Programa Minha Casa Minha Vida.

GC – O programa está impulsionando um volume de produção em todo o país, mas sofre algumas críticas.

João Crestana – Com o Programa Minha Casa Minha Vida surge um novo problema: havia muito demanda, empresas com vontade de trabalhar, mas os fatores de produção  não necessariamente acompanhavam esse movimento. Nós sabemos que os recursos para financiamento, que são um dos fatores de produção, por enquanto estão razoavelmente adequados. Tem recursos e há dinheiro para se trabalhar, desde que não sejamos excessivamente gananciosos. Se nós quisermos trabalhar pelos próximos 15 anos, provavelmente haverá recursos. Claro, com alguns ajustes que devem ser feitos, mas sem maiores problemas, no meu ponto de vista. O problema residia na indústria de materiais de construção, que não estava pronta para trabalhar nesse nível. A própria indústria da construção não estava pronta para esse momento.

GC – Em que setores o senhor vê maiores problemas?

João Crestana – Em termos de materiais, cimento e aço, não vejo problemas. O aço é muito forte, tem três ou quarto empresas com boa capacidade de produção, ou seja, possivelmente não vai haver nenhum gargalo nesses segmentos. Na área de cimento, houve pequenos gargalos em algumas regiões, mas eu entendo que a indústria de cimento já se reajustou, e tem inclusive a possibilidade de importar de países vizinhos, assim como acontece com o alumínio. Já no âmbito dos acabamentos –  cerâmicas, assoalhos, portas, madeiras -  tudo isso terá de ser ajustado a uma demanda muito grande. Um grande fator vai fazer muita falta. Trata-se dos terrenos. Nós estamos trabalhando muito no País, e não há terrenos. Quem mora em São Paulo sabe que não há terrenos.

GC - São Paulo está com estoque de terrenos escasso?

João Crestana – Não há disponibilidade de terrenos na cidade para se construir, na quantidade que a cidade demanda. Pelo menos 30 mil famílias se formam na cidade todo ano e não sei se haverá 30 mil novas moradias disponíveis para essa demanda. Terrenos vão faltar no País inteiro, em São Paulo assim como em outras cidades. No Rio de Janeiro, por exemplo, vai ter uma falta localizada de terreno. A lei de zoneamento de São Paulo, que disciplina a criação de terrenos, é muito rígida, confusa e complexa. Precisa ser atualizada. Alguns processos quantitativos dela estão totalmente desatualizados e precisam ser atualizados.

GC – Como mudar essa realidade?

João Crestana – Infelizmente a máquina de fazer leis em São Paulo, que é uma combinação entre processos da Câmara Municipal e do Executivo, não está funcionando por uma série de razões, cabe à sociedade, e também aos vereadores, verificar o porquê disso. É preciso entrar num acordo para fazermos essas leis a tempo. É importante que a Sociedade cobre isso deles.

GC – Quer dizer que o país está andando numa velocidade, e a máquina pública noutra?

João Crestana – Nessa área de produção, legislação, atualização, eu tenho certeza que a população não está satisfeita com a maneira como nós estamos sendo providos. É preciso prover a cidade de legislações modernas, atualizadas. Eu acho que tem muito a ser aperfeiçoado.  E o outro fator de produção que vai faltar, já sendo um ponto critico, é a mão de obra. Para traçar um parâmetro: nos anos de 2002/2003 se financiava no Brasil cerca de R$ 3 a 4 bilhões por ano para o mercado imobiliário. No ano passado, em 2010, foi financiado um volume de R$ 85 bilhões por ano, em crescimento de cerca de 20 vezes. Com certeza as empresas não multiplicaram por 20 suas equipes, as prefeituras não tem 20 vezes mais engenheiros e funcionários. Pelo contrário. Muitos saíram das prefeituras e foram trabalhar na área privada, que oferece melhor remuneração. As prefeituras estão com pouca mão de obra. Os departamentos das empresas de água, luz, meio ambiente, todos são subdimensionados em termos de técnicos. São menos pessoas para trabalhar e uma tecnologia que não foi aperfeiçoada para que houvesse aprovações mais rápidas.

GC – Isso cria um gargalo administrativo perigoso.

João Crestana – Deveria haver um acompanhamento dessa demanda, tanto por parte das empresas públicas, como das prefeituras e de todos os órgãos de aprovação desses departamentos e de suas assessorias. A começar pela Caixa Econômica Federal, que não multiplicou por 20 os seus efetivos. Acho que nesse período o banco que mais financiou no Brasil não multiplicou seu contingente nem por dois. Então é difícil para a Caixa, para o Banco do Brasil e para os outros bancos aproveitarem os financiamentos num prazo mais rápido. Eu comparo isso a um adolescente que esta crescendo e que sente dores no ombro, articulações, são as dores do crescimento.

GC – Essas dores são as limitações ao crescimento?

João Crestana – O mercado imobiliário está como um adolescente tendo as dores do crescimento e é preciso ajustar o mercado como um  todo. É preciso crescer para poder atender todos aqueles aspectos. A gente esta hoje com a mentalidade em transição. Muita coisa tem sido aperfeiçoada.  Mas já se vê no País alguns estados, algumas cidades que estão se tornando exemplo de administração, e que têm trazido resultados excelentes.

GC – Pode citar alguns desses exemplos?

João Crestana – Um deles é o Rio de Janeiro, que conseguiu um acordo entre os poderes legislativo, executivo, judiciário, também entre ministério público, governo federal, municipal e entidades locais, até mesmo no combate a organizações criminosas, para buscar um novo pacto social. Por isso, a cidade tem apresentado uma atuação brilhante que é um exemplo para as outras cidades do País. Não é só o Rio de Janeiro. A cidade ainda não é um exemplo acabado, sem dúvidas ela trilhou um caminho que pode ser seguido por outras cidades.

GC – Essa é uma tendência que deve ser seguida?

João Crestana – Muitas cidades também optaram por boas alternativas e devem ser louvadas. Está havendo uma mudança de mentalidade, mas ainda é devagar e ela não deve acontecer da noite para o dia. Ao mesmo tempo, essas dificuldades estão forçando uma mudança de mentalidade das empresas. Elas estão buscando maior diálogo, uma transparência maior com seus clientes. E os clientes também estão mais maduros para entender que esse problema existe, que é preciso dialogar num regime de transparência. É uma nova fase de amadurecimento, em que as empresas precisam enfrentar o problema de mão de obra para reduzir as consequências para as famílias. E se houver uma consequência financeira, as empresas devem estar ao lado das famílias para mitigar esse problema, que infelizmente existe, mas faz parte do processo de dores do crescimento.

GC – Há risco de explosão da bolha do mercado imobiliário?

João Crestana – Nos Estados Unidos havia uma indústria, com bancos de investimento fazendo crédito em cima de crédito de uma forma totalmente descontrolada, o que não acontece no Brasil. O sistema financeiro no Brasil é muito rígido, muito controlado, e muitas instituições americanas e europeias estão vindo ao nosso País para ver o que tem sido feito aqui. Muitos bancos brasileiros estão tendo mais atividade internacional porque estão controlados. Então, nos Estados Unidos houve uma irresponsabilidade, um caos causado pelos bancos de investimentos que tomavam crédito sem o mínimo critério.  Teve gente que não tinha condição de tomar o crédito, não pagava e ficava por isso mesmo. E aqueles créditos que não eram pagos eram vendidos para grupos de investimentos na Coreia, na Holanda, na Ucrânia. Esses créditos se disseminaram pelo mundo.

GC – Criou-se uma bola de neve global?

João Crestana – Um grande erro dos norte americanos, por exemplo, é que um imóvel de US$ 100 mil era financiado a R$ 120 mil – 20% a mais do valor, para que a pessoa fizesse a decoração, comprasse um automóvel, etc. No Brasil, o valor médio do crédito frente ao preço do imóvel é de 60%. É um parâmetro exemplar.  Então o crédito no Brasil é muito bem administrado. Não entendo que vá haver uma falha ou uma bolha de crédito.

GC – O Programa Minha Casa Minha Vida é suficiente  para  reduzir esse déficit habitacional do Brasil?

João Crestana – O déficit de 6 milhões de unidades, que existe hoje, certamente não pode ser resolvido em 1 ou 2 anos. A ideia é que construindo 400, 500 mil, ou 1 milhão de moradias em 1 ano, além daquilo que precisa ser construído para o crescimento vegetativo da população, nós possamos atender em 15 anos esse déficit e até eliminá-lo. A propósito do Programa Minha Casa Minha Vida, a primeira fase do programa previu 1 milhão de unidades e agora o Programa já acena com 2 milhões de unidades. Isso contribui para reduzir o déficit. Eu espero que até o fim do governo possamos ver o equivalente a 20% do déficit habitacional atendido.

GC – Há restrições com respeito aos limites do programa. Isso está sendo sanado?

João Crestana – Nos não tínhamos ferramenta em mãos.  O problema era atacado pontualmente. Agora temos um instrumento, uma política habitacional perene, que o país esta estabelecendo e ainda vai levar uns quatro ou cinco anos para se consolidar. Mas já tivemos o primeiro passo dessa política. O programa é um grande sucesso, teve grandes progressos, grandes avanços. Tem sim alguns defeitos, mas só se aprende fazendo. O País está tratando essa questão como prioridade.

GC – Há ainda alguns desafios a superar, como a demanda nas grandes metrópoles?

João Crestana – Sim. Há problemas. São Paulo, por exemplo, não conseguiu produzir dentro do programa. É uma lição para as nossas autoridades. Eles têm de ser sensíveis para o fato de que há na cidade de São Paulo um déficit superior  a 500 mil unidades habitacionais. E eu duvido que o Minha Casa Minha Vida tenha financiado 10 ou 15 mil unidades ao longo do ano de 2009 ou 2010. Este é um ponto critico sim e eu acredito que outras cidades no Brasil também sofrem o mesmo problema. Eu acho que as grandes metrópoles não são a prioridade. No meu modo de ver, a grande prioridade devem ser as 30 cidades médias que daqui a algum tempo serão grandes cidades. É o caso de Ribeirão Preto, Corumbá, Vitoria da Conquista, Garanhuns, Sorocaba, São José dos Campos, Campinas, Jundiaí, enfim, cidades onde o Brasil deverá concretizar o seu desenvolvimento.

GC – As metrópoles devem receber uma política mais adequada para suas realidades?

João Crestana – As metrópoles já não são mais aves solitárias. Elas gostam de andar aos pares, como as  metrópoles de Santos, Campinas, São José do Campos. Se juntarmos o polígono formado por Ribeirão Preto, Sorocaba, São José dos Campos, São Paulo, Santos e Campinas, teríamos um País na 20ª ou 25ª posição do mundo, de PIB. É um PIB igual ou maior ao da Argentina, maior do que o da Turquia.

GC – O crescimento  desordenado das cidades gera grandes problemas urbanos que quase nunca conseguem ser solucionados, não é mesmo?

João Crestana – Hoje em São Paulo as pessoas trabalham no cento da cidade e moram em Jundiaí, Santos, ou mesmo na região de Itaquera, demoram uma ou duas horas para voltar porque o transporte consome 20% da vida da pessoa. É um tempo jogado fora. Como resolver isso? Quem sabe com cidades mais compactas. Nesse sentido, há um projeto da prefeitura municipal de São Paulo que cria um novo trajeto urbano conectando os bairros do Brás e Mooca até a região da Lapa, que inclui um veículo leve sobre trilhos e áreas residenciais e de trabalho. Imagine poder morar e trabalhar no mesmo bairro. Nós precisamos nos dedicar a soluções de ocupação urbana levando em contas esses aspectos próprios das megametrópoles.

GC – Este é hoje o principal desafio do país?

João Crestana – Estamos muito atrasados. Uma cidade como são Paulo não pode depender de dois aeroportos. Guarulhos poderia ser ampliado com outra pista. Haveria como fazer isso, mesmo em  face das ocupações, se houvesse disposição política. E é impensável que não exista uma conexão férrea entre Guarulhos, São Paulo e as cidades circunvizinhas. Não precisa ser um trem de alta velocidade, mas um trem de qualidade, razoável. Foi um erro da sociedade que temos de reparar. Isso é inaceitável. E por fim, São Paulo precisa de um terceiro aeroporto. Eu defendo que seja em algum ponto do Rodoanel, mas ele precisa existir. E assim com acontece na China, na Índia, ser um aeroporto de grandes dimensões, amplo, com conexão também por trem ou metrô. Tem de ser assim.  Não estamos falando só de uma cidade de 11 milhões de habitantes, mas de uma megametrópole de mais de 30 milhões de pessoas. Precisamos de um aeroporto macro, que tenha as dimensões do aeroporto de Frankfurt, de Chicago, de Londres, Pequim, Xangai. Os aeroportos de São Paulo têm de ser comparados com os aeroportos dessas cidades, e não com um de qualquer cidade da América Latina.

GC – Essa discussão em torno dos aeroportos ainda está incipiente, não é?

João Crestana – O Brasil precisa adotar um modelo de planejamento integrado. Nesse sentido, é preciso louvar a iniciativa do governador Geraldo Alckmin, que está tentando implantar um planejamento macro metropolitano, que integre diversas regiões. Por exemplo, a região metropolitana de São Paulo não existia de fato. Ela está sendo criada agora. A única que existia era a da Baixada Santista, formada por nove cidades. A de Campinas também não existe. Então o governador está dando essa atenção agora em termos formais. O mercado imobiliário vai se beneficiar muito disso, mas quem vai se beneficiar mesmo é o cidadão que se desloca de três a quatro horas por dia da casa até o trabalho. Eu acho que o Brasil é um país jovem. Temos hoje uma janela demográfica que nos é favorável, com boa parte da população em idade produtiva, em relação à fatia de aposentados. E teremos essa realidade por mais uns 20 anos, então precisamos aproveitar esses fatores. Não podemos ceder à hipocrisia e deixar que organismos internacionais, com argumentos ambientais ou sociais, queiram apontar ingerência nas nossas ações. Eles não podem exigir o que eles próprios não fizeram. Não podemos deixar que segurem o nosso desenvolvimento. E, claro, precisamos investir em infraestrutura e educação. Só assim nos tornaremos realmente líderes e os únicos responsáveis pelo nosso futuro.

 

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