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Revista GC - Ed.70 - Junho 2016
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Entrevista

Cidades em movimento: por um novo conceito de transporte coletivo

Entrevista com: Luis Antonio Lindau, PH.D em Transporte e diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis

O Brasil tem pressa. Com o reconhecimento do transporte público e da mobilidade como componentes-chave para alcançar o desenvolvimento urbano sustentável, cresce a urgência em se identificar quais os modelos mais adequados para cada perfil de cidade, aqueles que melhor atendem sua população, com rapidez, conforto, segurança e modicidade de tarifa. A essas exigências foram somados, nos últimos tempos, os conceitos de sustentabilidade e acessibilidade. O grande desafio das grandes e médias cidades brasileiras é a formulação de projetos capazes, sobretudo, de assegurar o desenvolvimento, promover a qualidade de vida, e ainda, convencer os usuários do transporte individual a abrir mão desse modelo de deslocamento, optando pelo transporte coletivo.

Para o professor Luis Antonio Lindau, Ph.D em transporte, diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis e um dos fundadores da Associação de Pesquisa e Ensino em Transporte (ANPET)


Entrevista com: Luis Antonio Lindau, PH.D em Transporte e diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis

O Brasil tem pressa. Com o reconhecimento do transporte público e da mobilidade como componentes-chave para alcançar o desenvolvimento urbano sustentável, cresce a urgência em se identificar quais os modelos mais adequados para cada perfil de cidade, aqueles que melhor atendem sua população, com rapidez, conforto, segurança e modicidade de tarifa. A essas exigências foram somados, nos últimos tempos, os conceitos de sustentabilidade e acessibilidade. O grande desafio das grandes e médias cidades brasileiras é a formulação de projetos capazes, sobretudo, de assegurar o desenvolvimento, promover a qualidade de vida, e ainda, convencer os usuários do transporte individual a abrir mão desse modelo de deslocamento, optando pelo transporte coletivo.

Para o professor Luis Antonio Lindau, Ph.D em transporte, diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis e um dos fundadores da Associação de Pesquisa e Ensino em Transporte (ANPET), a definição do melhor modelo de transporte público para cada município passa, necessariamente, pela participação dos amplos setores da sua sociedade, na definição da cidade que ser quer para o presente e para o futuro. Ele cita como exemplo de participação popular o caso do novo Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, sancionado em 31 de julho de 2015.

Nessa entrevista, Lindau fala de financiamento para sistemas de transporte, integração entre diferentes modais, alinhamento de planos de mobilidade a projetos de desenvolvimento urbano e participação provada nos investimentos em infraestrutura.

Revista Grandes Construções – De acordo com a ONU, oito cidades brasileiras estão entre as 100 maiores do planeta em população. São elas São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Salvador e Curitiba. Dessas, três (Rio de Janeiro,  Salvador e Recife) aparecem no ranking das 10 cidades do mundo com a pior mobilidade urbana. Como explicar o crescimento desse problema, que é um dos maiores dramas das metrópoles modernas? Quais os fatores que contribuem para o seu agravamento?

Luiz Antônio Lindau – Esse problema é resultado do fato de termos pensado nossos sistemas de transporte desconectados de projetos de desenvolvimento urbano. Embora tenhamos hoje muitas cidades onde foram implantadas, poucas foram aquelas que promoveram o desenvolvimento urbano de forma associada à definição de seus sistemas de transporte, uma prática que é corriqueira no mundo desenvolvido. Parte dos nossos problemas de mobilidade está relacionada com executar a construção das cidades sem associar isso à definição dos grandes eixos de circulação. Tanto que agora assistimos a várias tentativas de reverter esse processo, em várias cidades brasileiras. É o caso do novo Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, sancionado em 31 de julho de 2015, pelo prefeito Fernando Haddad, que traz uma série de diretrizes para orientar o desenvolvimento e o crescimento da cidade ao longo dos corredores que oferecem transporte de alta capacidade.

GC – E como se consegue reverter esse processo de crescimento dissociado da mobilidade? Um estudo concluído em março de 2015 pelo BNDES dá conta de que se os governantes decidissem resolver todos os problemas de mobilidade urbana nas 15 principais regiões metropolitanas do país, seria necessário investir R$ 234 bilhões em transporte público. Desse total, mais da metade - R$ 125,9 bilhões - seria destinada às duas maiores metrópoles brasileiras: São Paulo e Rio de Janeiro. Numa conjuntura de falta de recursos públicos, quais seriam as saídas para resolver os atuais problemas? Como levantar o dinheiro necessário?

Luiz Antônio Lindau – Dificilmente se tem cidades começando do zero, de forma a terem definidos esses parâmetros ainda no papel. As cidades vão crescendo naturalmente. Mas sempre há um momento de se atuar e corrigir. Temos que pensar num horizonte de décadas, onde poderemos ter o ambiente urbano reconstruído, redesenhado. Nós temos essa chance porque o ambiente urbano é dinâmico. O que nós precisamos é mudar as regras e consolidar essas mudanças, fazendo os investimentos necessários nas reformas das avenidas, na criação dos corredores, na criação de vias para as pessoas, em lugar de vias para carros. É preciso que se consolide a criação de uma rede integrada de transporte, e não de uma série de corredores isolados.

GC – O canal para se operar essas transformações seria através de políticas públicas, definidas através de planos diretores municipais, como esse de São Paulo, a que o senhor se referiu, com ampla participação popular?

Luiz Antônio Lindau – Essa é uma necessidade legal. Desde 2012, os municípios com mais de 20.000 habitantes estão obrigados a elaborar plano diretores, contendo planos de mobilidade urbana, com a participação ativa da sociedade civil. A partir de 2015, as cidades que não tiverem planos de mobilidade não poderão receber recursos federais destinados à mobilidade urbana. E esses planos de mobilidade têm que estar alinhados aos planos de desenvolvimento urbano.

GC – Muitos municípios brasileiros não contam com equipes técnicas capacitadas a formular esses planos de mobilidade. Como o senhor vê a interação entre as diversas instâncias de poder, nos municípios, estados e na União, no sentido de permitir o intercâmbio de conhecimento, necessário à formulação de políticas públicas para aumentar a mobilidade e a qualidade de vida nas nossas cidades grandes e médias? O que se pode fazer para que isso seja intensificado?

Luiz Antônio Lindau – Na verdade, uma das grandes discussões é como financiar esses planos. Como os municípios mais pobres, de menor porte, levantarão os recursos para isso?  Esses municípios, embora encontrem menor dificuldade na modelagem de seus sistemas de transporte e desenvolvimento urbano, já que são menores e enfrentam problemas menos complexos que os municípios de maior porte, eles geralmente têm uma carência muito grande de profissionais atuando nessa área.

Em minha opinião isso aponta para a necessidade de participação da iniciativa privada nesses empreendimentos. Há não apenas espaço para a participação privada como necessidade desse tipo de associação nos investimentos que as cidades precisam fazer. Acabo de voltar de uma discussão sobre esse assunto, e, Nova York, onde se falou muito sobre a importância de se contar com a iniciativa privada nos investimentos na infraestrutura. No que se enxerga, são modelos de investimentos que envolvem tanto a construção quanto a operação dessa infraestrutura. E são grandes as oportunidades envolvendo o transporte, no que diz respeito a reformar ou consolidar corredores e, ao mesmo tempo, equacionar essa mais-valia gerada por essa operação.

A criação desses sistemas, que permitem a valorização do espaço urbano, pode ser incorporada a esse grande negócio, que implicar em implantar, operar, manter e, futuramente, transferir o sistema de volta para o setor público.

GC – Sabemos que fora do Brasil, a responsabilidade no financiamento dos sistemas de transporte não se restringe ao usuário direto, nem ao poder público, ou ao empresário que implanta, opera e explora o sistema. Quando os imóveis de uma região são valorizados pela construção de uma nova linha de metrô, uma parcela dos impostos prediais e territoriais relativos àquela região é destinada à formação de uma espécie de funding para a ampliação da linha ou construção de outras. Além disso, o empresário, cujos empregados passam a usar aquele meio de transporte para seus deslocamentos até o local de trabalho, tem que contribuir com uma parcela dos seus impostos para a ampliação do sistema. Como O senhor vê a possibilidade de se trazer para o Brasil esses modelos alternativos de financiamento, já consolidados no exterior?

Luiz Antônio Lindau – A primeira questão a se analisar é como são arrecadados os impostos no Brasil e nos outros países. No Brasil a gente tem uma carga tributária um tanto elevada, nas relações trabalhistas, e na questão individual, com o Imposto de Renda. Tudo isso concentrado nas mãos do governo federal, ficando, as cidades, sem grandes fontes de arrecadação. A questão é que enquanto lá fora a prática é cobrar 1% sobre o valor do imóvel a título de IPTU, aqui no Brasil nós temos a cobrança na ordem de um quinto ou um sexto disso. Por isso acho injusto impor às cidades brasileiras um acréscimo nos impostos aplicados sobre sistemas de transporte, a exemplo do que ocorre em cidades onde há subsídios elevados. Mas, mesmo essas cidades ricas, do chamado mundo desenvolvido, estão buscando modelos alternativos de investimentos, que envolvem parcerias com a iniciativa privada. Isso eleva o valor da cidade como um todo, atrai mais interesse, gera mais impostos, enfim, cria um círculo virtuoso.

GC – É possível avaliar os custos diretos e indiretos causados pela falta de mobilidade nas nossas cidades?

Luiz Antônio Lindau – Sim, existe um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que avalia os custos dos congestionamentos e da perda de produtividade em consequência deles.

(Nota da Redação: Um estudo do Ipea, em parceria com a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), quantificou as perdas advindas do congestionamento. Segundo o estudo, as condições desfavoráveis no trânsito levam às seguintes deseconomias: o tempo de percurso dos usuários de automóvel e de transporte público coletivo nas vias principais e suas transversais; o consumo excessivo de combustível; aumento da emissão de CO2 pelos automóveis. Para a Fundação Getúlio Vargas, só na cidade de São Paulo perde-se em produção R$ 26,8 bilhões por ano, valor adicional de riqueza que poderia ser gerada, se o tempo perdido no trânsito fosse gasto no trabalho.)

GC – Com a aprovação, em abril de 2012, pelo Congresso Nacional, da Lei da Mobilidade Urbana, que tem como objetivos melhorar a acessibilidade e a mobilidade das pessoas e cargas nos municípios e integrar os diferentes modos de transporte, quais os avanços concretos alcançados? A legislação, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, dá prioridade aos meios de transporte não motorizados e ao serviço público de transporte coletivo, além da integração entre os modos de transporte. Essas prioridades têm sido contempladas?

Luiz Antônio Lindau – Há cidades que desenvolveram seus planos de mobilidade de acordo com a nova Lei e com uma forte participação social. Elas mantiveram, nessas discussões, os reais interesses da população, na prioridade para o transporte coletivo sobre o automóvel particular. As pessoas, que participam dessas discussões, têm legítimos interesses na sua mobilidade, tanto pelo transporte coletivo quanto no pessoal não motorizado. Os resultados foram satisfatórios nas cidades que realmente incorporaram essa participação popular.

GC – Nesse sentido, as questões envolvendo o transporte não motorizado e a valorização das calçadas, para o transporte a pé, ganharam terreno nessas cidades?

Luiz Antônio Lindau – Sim, e foi justamente isso que deu sentido a essa participação popular nas discussões. Antigamente se contratava a elaboração desses planos de mobilidade com consultores que nem moravam nas cidades, que desconheciam sua realidade. Agora, obviamente temos consultoras trabalhando, mas temos uma participação da população local decisiva. Nós, da WRI Brasil, damos uma contribuição, nesse sentido, disponibilizando na internet um documento, que tem o maior número de downloads, chamado Os Sete Passos Para Construir um Plano de Mobilidade.

GC – Nós temos assistido, nos últimos anos, a multiplicação de projetos de BRTs, (Bus Rapid Transit). Trata-se de sistemas de transporte coletivo de passageiros que utiliza ônibus de maior capacidade, articulados ou biarticulados, desenvolvidos a partir do sistema que nasceu em Curitiba (PR), que proporciona mobilidade urbana rápida, confortável, segura e eficiente por meio de faixa segregada e prioridade de ultrapassagem. A razão exclusiva para esse fenômeno de multiplicação é o custo? Análises feitas por especialistas dão conta de que o quilômetro construído do metrô não sai por menos de R$ 100 milhões, podendo chegar a R$ 500 milhões em metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro. Por sua vez, o quilômetro do BRT custaria entre um décimo e um terço em relação aos sistemas ferroviários.

Luiz Antônio Lindau – Eu diria que mais do que um ou outro corredor de BRT, o que as cidades brasileiras precisam, realmente, são redes de transporte coletivo de alto desempenho.  Diria ainda que a solução para as nossas cidades seriam os sistemas integrados multimodais. Essas redes multimodais teriam ainda que ser alimentadas por modos de transporte não-motorizado. Antigamente se pensava que para se construir uma rede bastava começar construindo alguns quilômetros de transporte sobre trilhos que, ao final, se teria uma rede montada. Infelizmente isso não se revelou possível.

O caso do Rio é emblemático, nesse sentido. Com o mesmo investimento que seria necessário para estender a linha de metrô em 16 quilômetros, a cidade está instalando uma rede de 160 quilômetros de BRTs.

É dentro dessa lógica que se insere o BRT: na possibilidade de se construir uma rede de alto desempenho em pouco tempo.

(Nota da Redação: A conta final do projeto para a construção dos cerca de 16 quilômetros da Linha 4 do metrô carioca, ligando a Zona Sul à Barra da Tijuca, ficou em R$ 8,5 bilhões. O valor supera o que a prefeitura está investindo na construção dos quatro linhas de BRTs – cerca de R$ 6 bilhões – totalizando cerca de 160 quilômetros).

Uma das vantagens do sistema sobre pneus está no fato dele ser flexível. Há situações em que se pode pensar em utilizar, no mesmo corredor, tanto ônibus de maior capacidade quanto ônibus convencionais. Ou ainda se pensar adotar linhas diretas ou a integração entre linhas com o uso do transbordo. O modo de transporte sobre pneus te permite criar de acordo com as suas necessidades.

GC – Mas, apesar dessas vantagens, muitos críticos do modelo do BRT argumentos que ele muito cedo dá sinais de saturação, sem condição de ampliação da sua capacidade instalada. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Luiz Antônio Lindau – Dentro desse conceito de rede de transporte de alto desempenho, já não se busca mais, como antigamente, concentrar um único corredor um sistema de altíssima capacidade. Na verdade, o que se busca é uma distribuição dessa demanda por toda a rede, com benefícios enormes para os usuários. Não estamos mais preocupados em reproduzir os velhos modelos de bater recordes de capacidade em determinados sistemas. Quando uma cidade precisa bater recorde de capacidade num corredor, é porque ela está muito doente. Ela foi planejada de forma equivocada.

 

 

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