O arquiteto Paulo Mendes da Rocha é o autor do projeto do Cais das Artes, conjunto arquitetônico que começou a ser construído na Baía de Vitória, no Espírito Santo, composto por museu, teatro e área livre para eventos. Pela concepção dos edifícios – em escala monumental na enseada do Suá, o museu com vão-livre de mais de 150 m, o teatro que avança sobre o mar, e a harmonia à estética natural e construída do lugar –, o projeto já está sendo considerado uma das grandes obras que marcarão esta e as décadas futuras.
Nesta entrevista o arquiteto fala dos diversos estímulos que deram rumo à concepção do projeto, e a relação entre arquitetura e arte. Relembra também as sensações afetivas de sua infância, marcada pela visão daquela enseada como paraíso a ser preservado, os aromas, a natureza e a dinâmica do porto, numa harmonia que não poderia ser quebrada pelo seu projeto.
Grandes Construções – O governo do Espírito Santo acaba de dar a largada para a construção do projeto Cais das Artes. Qual a importância desse projeto para o estado?
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O arquiteto Paulo Mendes da Rocha é o autor do projeto do Cais das Artes, conjunto arquitetônico que começou a ser construído na Baía de Vitória, no Espírito Santo, composto por museu, teatro e área livre para eventos. Pela concepção dos edifícios – em escala monumental na enseada do Suá, o museu com vão-livre de mais de 150 m, o teatro que avança sobre o mar, e a harmonia à estética natural e construída do lugar –, o projeto já está sendo considerado uma das grandes obras que marcarão esta e as décadas futuras.
Nesta entrevista o arquiteto fala dos diversos estímulos que deram rumo à concepção do projeto, e a relação entre arquitetura e arte. Relembra também as sensações afetivas de sua infância, marcada pela visão daquela enseada como paraíso a ser preservado, os aromas, a natureza e a dinâmica do porto, numa harmonia que não poderia ser quebrada pelo seu projeto.
Grandes Construções – O governo do Espírito Santo acaba de dar a largada para a construção do projeto Cais das Artes. Qual a importância desse projeto para o estado?
Paulo Mendes da Rocha – Este momento, em que a obra é iniciada, é muito interessante porque se parte para a efetiva construção do projeto. É no momento em que se assina o contrato e uma concorrência é concluída que o projeto começa a acontecer do ponto de vista da construção. Este é o momento supremo de uma realização porque a ideia de fato irá se realizar. Por outro lado, a questão da cultura, seja um museu de arte moderna, ou contemporânea, que se distingue do modelo tradicional de museu que acumula tesouros, enfim, seja como for, um museu tem sempre um sentido educativo muito grande, principalmente associado ao teatro, que é um amplo espaço para o desenvolvimento de arte cênica, música e todo tipo de expressão que possa se desenvolver nesse recinto.
Para uma cidade, inaugurar um espaço assim, principalmente do ponto de vista da geografia – uma vez que a instalação está associada fortemente à entrada da barra do porto, local onde se exibe toda a atividade da cidade –, tem um forte sentido educativo para a população. Revela a consciência sobre o valor daquilo que já está ali e que, se pode dizer, é a própria razão da cidade. Esta é a hora em que se reúnem claramente os objetivos da arte, da ciência e da técnica.
GC – Um projeto desse porte, e com este perfil cultural, depende de uma forte vontade política...
Paulo Mendes da Rocha – A essência de um projeto como este, sem dúvida, é uma essência política. Destinar uma área de 70 m por 300 m de frente para o mar, por outro lado, lindeira a uma avenida central, é muito interessante. Reservar essa área, valiosíssima, para esse destino, um equipamento voltado para a cultura, é uma decisão com muita força para a educação. Ninguém pode fazer isso assim, sem mais. Não há como surgir um empreendimento desse porte sem que haja o governo. Sim, é preciso considerar a força do governo Paulo Hartung, e do estado do Espírito Santo, pequeno mas muito rico, que destinou essa área para essa finalidade, através de sua Secretaria de Cultura, dirigida por Dayse Lemos. As políticas de governo são no fundo a âncora e a força que desencadeiam tais ações, mesmo em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, mais ricas ou independentes. Por exemplo, o Parque do Ibirapuera , o pavilhão onde se instala a Bienal de São Paulo. O que seria da cidade sem aquilo? Mesmo a Pinacoteca do Estado, construída no final do século XIX, e agora restaurada. São empreendimentos que exigem uma clara e nítida consciência sobre o que seja uma política de educação, cultura e construção da própria cidade.
GC – Nesse sentido, lembro de um projeto de grande porte, a Cidade da Música, no Rio de Janeiro, que teve a obra paralisada.
Paulo Mendes da Rocha – Eu não sei a opinião dos meus colegas, mas esse tipo de concentração eu não acho interessante para a vida da cidade. Isso de centro cultural, centro para tudo, como se costumou fazer. O melhor seria ter orquestra sinfônica, teatros, cinemas, museus, bibliotecas conforme o porte da cidade, não concentrados. O ideal é haver contrapontos, vários grupos de dança. A opção de concentrar, a mim, parece uma ideia fascista, de querer controlar a vida das pessoas, de determinar o movimento da população, de monitorar, cria equipamentos artificiais, sem a essência da vida e da dinâmica real. Por que uma praça de alimentação? Porque isso não pode se distribuir como ocorre naturalmente nas cidades?
GC – No caso do Cais das Artes, qual foi seu ponto de inspiração, além dessa visão de vida urbana?
Paulo Mendes da Rocha – A localização foi, sem dúvida, fundamental nesse caso. A frente do mar, com esse espetáculo diário da entrada dos navios, das manobras do porto, agrega ao recinto uma beleza e dinâmica muito interessante. É trabalho e vida. Veja o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, por exemplo, do arquiteto Affonso Reidy. Trata-se de um equipamento que se descortina no Aterro do Flamengo, na boca da Avenida Rio Branco, em harmonia com a visão da orla e os morros ao fundo.
O projeto do Cais das Artes, nome muito feliz por sinal, trata-se de um conjunto instalado junto ao mar. A própria implantação, praticamente, obriga o edifício a se levantar do chão. O museu estará suspenso, e a praça toda, inclusive a grande área coberta pelo próprio museu, se tornarão recintos museológicos para eventos e exposições, ou espetáculos que possam se realizar ao ar livre.
Trata-se de uma visão de adequação à implantação, de relação intrigante de arquitetura entre a face interna e a externa, o que ocorre dentro ou fora dele. A área externa, a praça e a visão da atividade portuária serão integrantes do conjunto, elementos da arquitetura.
O teatro está ao lado. Não imaginamos nunca fazê-los juntos no mesmo edifício, pelo próprio arranjo do recinto da praça. O edifício do teatro, que, por razão de acústica e outras exigências, tem um porte diferente, uma forma mais quadrada. Enquanto o museu longilíneo tem cerca de 30 m por 150 m, o teatro tem cerca de 60 m por 60 m. Entre os dois, constitui-se uma pequena praça de acesso e serviços.
GC – O senhor é natural do Espírito Santo. Que memórias influenciaram seu trabalho nesse projeto?
Paulo Mendes da Rocha – Para mim, que fui tirado de lá com três anos, mas voltava para passar férias, aquilo era o verdadeiro paraíso. As praias, as mangueiras, as jaqueiras, a sombra do lugar. É diferente para quem vem morar em São Paulo. Essa visão de lugar encantador com certeza determinou certa reverência à natureza local, ao que já estava ali construído e consolidado, que nada mais é do que a própria beleza e essência de sua existência. É o que poderia se chamar de estímulo. O que acontece é que surge na imaginação uma questão a ser enfrentada: o contraponto entre natureza e construção. O objetivo intrínseco do homem é sempre destruir a natureza. Mas para o arquiteto, posta a mão do homem, é quando a natureza se torna habitável e preservada.
Isso nos remete aos desastres da cidade, dessa contradição entre áreas supostamente bem tratadas e as favelas. É justamente a falta da arquitetura, de intervenção que propicia isso, o espaço sem aproveitamento adequado. As favelas não estão ali por acaso, pois a especulação conta com ela. É a lógica da Casa Grande e Senzala (tratado sociológico de Gilberto Freyre sobre a constituição da sociedade brasileira). E é essa questão que terá de ser enfrentada um dia, a de tornar a natureza habitável, para todos.
Ao mesmo tempo, o que se vê são os centros das grandes cidades abandonados. Áreas riquíssimas, de valor histórico, de equipamentos, de instalações, que deviam estar ocupadas pela população. Por que as pessoas têm de ir cada vez mais para longe? Há um interesse nessa divisão da sociedade. É interessante para a especulação.
GC – Em São Paulo essas questões urbanas são bem visíveis.
Paulo Mendes da Rocha – Fala-se tanto de revitalizar o centro de São Paulo. Ora, ele nunca deixou de se autorrevitalizar. O que não resolve é impor modelos centralizadores que não funcionam, como o que pretendem fazer no bairro da Luz. É tirar aquele pessoal de lá (dependentes químicos) e eles vão para outro lugar. Hoje em dia se pensa em centralização como a solução para tudo: centro disso, daquilo, praça de alimentação... Não existe nada mais vivo, dinâmico, revitalizador do que deixar a cidade ter o seu ciclo de vida natural. A arquitetura pode contribuir à medida que atua para aperfeiçoar esses arranjos. Mas a natureza real do que existe sempre se impõe. A mão do homem, a arquitetura é que torna essa realidade viável sob o ponto de vista da harmonia.
GC – No caso da cultura, o senhor acha que essa natureza real também se impõe? No Cais das Artes, haverá espaço para a cultura popular?
Paulo Mendes da Rocha – Uma das mais ricas conversas do homem é este diálogo entre popular e erudito na cultura. O erudito não existe sem a instigação do popular. Em minha opinião, o que existe é mais uma intriga entre o erudito e o popular. Um dia eu fui visitar um projeto social numa favela e conheci uma moradora que pediu para instalarem uma porta de geladeira como porta de sua casa. Para entrar, a gente tem que se abaixar, como naqueles submarinos. É pura arte. É o que Duchamp fez ao colocar uma privada como elemento de museu. Então, o que é erudito e o que é popular?
GC – Eu gostaria que o senhor fizesse um paralelo entre o projeto do Cais das Artes e a Pinacoteca de São Paulo.
Paulo Mendes da Rocha – No caso da Pinacoteca, lá existia um edifício de 160 anos, um Paládio, construído pelo arquiteto Ramos de Azevedo. Aquilo já estava pronto. No caso do projeto do Cais, é a mesma coisa. É como se existisse lá também um Paládio: uma frente retificada, uma muralha construída, um aterramento para serviço dos navios, rebocadores. E do outro lado o convento da Penha, tudo compondo uma paisagem. Aí vem a arquitetura e a transforma. Por mais que eu carregue a minha memória, era preciso depositar ali o outro, usar a fantasia de ser o outro. Isso não significa não ter vaidade. A vaidade não precisa ser algo negativo. Ela se manifesta na consciência do papel exercido pela arquitetura, de representar o outro.
GC – O senhor acha que projeto poderá influenciar outros semelhantes, de remodelação de portos, que estão parados?
Paulo Mendes da Rocha – Eu acho que não existe realmente projeto, ou planejamento, ou uma diretriz que seja para essas áreas. Estas são regiões privilegiadas. São áreas de passagem com áreas frontais lineares, ociosas. Se nada é feito é porque não há projetos. O que tem lá, alguns armazéns? O que é preciso fazer, demolir? Não há dificuldade nisso. O problema é que não há uma visão clara dos governos sobre o que fazer com essas áreas, que projetos implantar, que utilizações ou funcionalidade poderiam ter.
GC – Seria preciso verificar as demandas da cidade para definir uma ocupação?
Paulo Mendes da Rocha – A arquitetura sempre deve imaginar o amparo ao futuro. Não podemos apenas funcionar com a lógica do presente, da ordem do dia. Imagina o prédio da Pinacoteca, quando construído, era para uma utilização. Mais de 100 anos depois, a função mudou, mas o edifício continua atual. Não dá para pensar somente no presente. No dia a dia, no cotidiano. É preciso pensar a construção de espaços amplos que possam sobreviver ao tempo, que sejam eternos, para sempre, que sejam um presente de uma geração para as demais, uma herança a ser deixada para o futuro. Esse é o papel da arquitetura.
Espírito Santo: inserção no universo cultural do País
O governo estadual do Espírito Santo está investindo R$ 115,5 milhões, por meio do Instituto de Obras Públicas do Espírito Santo (Iopes), na construção do Cais das Artes, seu novo centro cultural. Os recursos estão assegurados no orçamento do Estado, com previsão de construção em 18 meses e entrega marcada para outubro de 2011. O conjunto caracteriza-se por dois edifícios que abrigarão biblioteca, museu e um auditório de 1,5 mil espectadores, localizados em 20 mil m da Enseada de Suá, na entrada da baía da cidade. No local já estava implantada uma escultura em aço do artista plástico mineiro Amilcar de Castro, falecido em 2002, conhecido como Portal das Artes.
O projeto reflete, nas palavras da secretária de Cultura Dayse Lemos, o atual momento de desenvolvimento do Espírito Santo. “A instalação do museu de ópera e de um museu de elevado padrão artístico tem como objetivo inserir o estado do Espírito Santo no circuito nacional e internacional das grandes exposições e espetáculos. É um espaço que fará com que o Estado abra caminhos para o intercâmbio de ideias, influências e criações com o Brasil e o mundo.”
O teatro terá capacidade para receber de concertos de música acústica ou amplificada a óperas, danças ou peças teatrais. Comportará 1.300 pessoas e contará com um palco de aproximadamente 600 m2 e com um vão-livre com mais de 25 m de altura até o teto. As instalações poderão utilizar desde pequenos recintos, para obras que requerem ambientes controlados, a salões com altura livre de até 12 m, para exposições de grande porte. Essas áreas são atendidas por áreas de serviços, que vão permitir o desenvolvimento de pesquisas, palestras e ações educativas. Completam o projeto do museu um auditório com capacidade de 225 lugares, uma biblioteca e um café.
Marco para a Santa Bárbara
“A primeira coisa que fiz, ao saber que vencemos a licitação, foi telefonar para o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, para falar sobre nossa grande satisfação ao sermos escolhidos para executar este projeto. Será um grande marco na nossa expertise em engenharia, mas, principalmente, um orgulho em nos associar ao trabalho deste grande arquiteto.” Assim o diretor da Santa Bárbara Antonio Diniz expressou a visão da construtora ao ser escolhida para executar as obras do museu e do teatro do Cais das Artes.
Para gerenciar a obra, a construtora trouxe dois profissionais que atuaram na obra da Cidade Administrativa de Belo Horizonte, do arquiteto Oscar Niemeyer. São eles os engenheiros Elcio da Silva, gerente de Contrato, e Eduardo Vilela, gerente de Obra. A fase atual concentra-se na execução das fundações em solo, nas quais estão sendo empregadas o estaqueamento metálico ou estacas escavadas, atingindo profundidades entre 25 m a 35 m. A construtora se prepara para a execução das fundações diretas no mar, seguidas pela execução dos blocos e cintas de fundação, em que contará com o apoio de barcaças, passando à execução das armações e concretagem de pilares, vigas e lajes.
Diniz destaca que a concepção do projeto já indica seu grau de complexidade – são 30 m de largura por 150 m de comprimento, com dois vãos-livres de 54 m e dois balanços de 18 m. “Vamos utilizar toda nossa expertise de 40 anos”, destaca Diniz. Para executar as estruturas e fachadas do teatro, que avança sobre o mar, será utilizado o apoio de barcaças.
A empresa participou recentemente da construção da Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, atuando na execução de um dos maiores vãos-livres já feitos no País, assim como executou uma das pontes sobre a via Marginal, em São Paulo, empregando o maior guindaste em operação na América Latina. Essas obras mostram o avanço da Santa Bárbara, que planeja, segundo Diniz, incluir-se entre as 10 maiores do setor de infraestrutura até 2015, elevando o faturamento para a casa do R$ 1 bilhão, incursionando nas áreas de petróleo, gás e mineração.
Memória arquitetônica
Não é à toa que o arquiteto Paulo Mendes da Rocha menciona o projeto do Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro (MAM), construído dentro do programa de urbanização do Aterro do Flamengo. Foi uma das maiores intervenções urbanísticas no Rio de Janeiro, realizado entre as décadas de 1920 e 1940. Modificou o desenho da orla carioca e criou novas circulações dentro da cidade, a partir do desmonte de morros e remoção de populações.
O projeto público do Flamengo foi desenvolvido pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy com paisagismo de Roberto Burle Marx. O edifício do MAM, concluído em 1948, fez parte deste programa destacando-se como um dos principais projetos de Reidy pelo emprego de estruturas vazadas, amplos vãos livres e valorização da paisagem permitida por amplas áreas envidraçadas.
Além da inovação arquitetônica, o MAM consolidou-se como um dos mais importantes palcos da vanguarda artística do País. Criado pela iniciativa de um grupo de empresários, foi contemporâneo ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) e ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), seguindo os moldes do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, adepto ao modelo de museu vivo, de vocação didática. Depois de um incêndio que destruiu 90% de seu acervo, o museu foi restaurado e hoje possui uma coleção de 11 mil objetos, grande parte proveniente da Coleção Gilberto Chateaubriand, depositada em regime de comodato no museu em 1993.
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