Entrevista com Paulo Miotta, Coordenador de Projetos e Articulação Institucional da Frente Nacional de Prefeitos (FNP)
“Nesse cenário de falta de recursos, o dirigente público faz sempre escolhas trágicas. O gestor tem que ter muita responsabilidade nessas escolhas.” A declaração de Paulo Miotta, Coordenador de Projetos e Articulação Institucional da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), sintetiza bem o drama vivido pelos prefeitos sérios em todo o Brasil. Pressionados de um lado por um grande volume de demandas da população – todas urgentes e necessárias – para melhorar a qualidade de vida nas suas cidades, e por outro, pela falta de recursos para investimentos em infraestrutura, eles convivem com a rotina de escolhas difíceis.
Segundo dados da própria FNP, entidade suprapartidária que reúne 26 capitais brasileiras e de mais de 100 cidades de médio e pequeno porte, entre os anos 2000 e 2013 os municípios aumentaram sua fatia na receita total disponível do País de 17,9% para 18,4%. Entretanto, as despesas passaram de 7,9% para 13,7% do total de d
Entrevista com Paulo Miotta, Coordenador de Projetos e Articulação Institucional da Frente Nacional de Prefeitos (FNP)
“Nesse cenário de falta de recursos, o dirigente público faz sempre escolhas trágicas. O gestor tem que ter muita responsabilidade nessas escolhas.” A declaração de Paulo Miotta, Coordenador de Projetos e Articulação Institucional da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), sintetiza bem o drama vivido pelos prefeitos sérios em todo o Brasil. Pressionados de um lado por um grande volume de demandas da população – todas urgentes e necessárias – para melhorar a qualidade de vida nas suas cidades, e por outro, pela falta de recursos para investimentos em infraestrutura, eles convivem com a rotina de escolhas difíceis.
Segundo dados da própria FNP, entidade suprapartidária que reúne 26 capitais brasileiras e de mais de 100 cidades de médio e pequeno porte, entre os anos 2000 e 2013 os municípios aumentaram sua fatia na receita total disponível do País de 17,9% para 18,4%. Entretanto, as despesas passaram de 7,9% para 13,7% do total de despesas dos entes federados. Ou seja: a conta não fecha.
Qual o impacto desse cenário na capacidade de investimento das prefeituras? Onde encontrar alternativa de financiamento da infraestrutura? De que forma a FNP oferece subsídios e amparo às prefeituras?
Esses e outros aspectos foram comentados por Miotta nessa entrevista, concedida ao final da sua participação no Construction Summit 2016, evento realizado pela Sobratema em junho, em São Paulo. No evento, o representante da FNP falou sobre parcerias público-privadas (PPPs) e o interesse das administrações municipais por essa modalidade de financiamento de obras públicas, principalmente em função das dificuldades financeiras atuais do setor público.
Revista Grandes Construções – Quais são as atribuições da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), como ela se compõe e de que forma suas ações são definidas, planejadas e executadas? As decisões da entidade têm peso de lei?
Paulo Miotta – A FNP foi constituída em 1989, como resultado de uma articulação de prefeitos de várias capitais, tendo a Luiza Erundina, então prefeita de São Paulo, como uma das fundadoras e primeira presidente. Desde a sua criação, a entidade assumiu o protagonismo de uma articulação federativa, focada em uma agenda municipalista. Acontecem duas reuniões gerais por ano – em novembro próximo será a 70ª reunião, quando os prefeitos das cidades associadas se reúnem para planejar suas ações. Nessas reuniões gerais, as temáticas mais importantes dessa agenda municipalista são discutidas.
GC – As discussões são deliberativas? De que forma as conclusões são encaminhadas?
Paulo Miotta – As prioridades discutidas nessas reuniões se transformam em um documento que é encaminhado à Presidência da República e ao Congresso Nacional, para, a partir de então ser travado um diálogo com perspectivas de que tais demandas sejam resolvidas. Ao longo de todos esses anos, sempre obtivemos grandes conquistas a partir dessa atuação.
GC – Nos últimos anos, observamos que grupos de cidades vizinhas – às vezes integrantes de uma região metropolitana -- têm buscado solucionar problemas comuns através de consórcios. A FNP trabalha nesse sentido, de busca de soluções consorciadas?
Paulo Miotta – Sim. Nesse sentido, em 2011 foi inaugurado o Observatório dos Consórcios Públicos, com sede em São Paulo, como resultado de uma parceria entre a FNP, a Caixa Econômica Federal e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse projeto busca disseminar a prática dos consórcios, seus andamentos e resultados. Divulga ainda os tipos de consórcios que podem ser formados, as melhores práticas, enfim, o resultado de todo um acompanhamento, sob a forma de colóquios, seminários, etc.
GC – Essa troca de informações deve ser muito útil, sobretudo para os municípios menores, que dispõem de menos recursos financeiros e de limitação de material humano mais qualificado para a solução dos seus problemas.
Paulo Miotta – Exatamente. Um bom exemplo disso é com relação ao tratamento e destinação dos resíduos sólidos. Essa é uma questão que as cidades menores, com população abaixo de 100 mil habitantes, não têm condição de resolver sozinhas, de criar aterros sanitários, de gerir essas estruturas. O mesmo ocorre com o atendimento secundário de Saúde. São questões extremamente relevantes do ponto de vista regional. Mas em grandes centros isso também acontece. Como nas questões de mobilidade urbana, por exemplo. Nas regiões metropolitanas, o consórcio é um instrumento muito importante para a geração da governança. É um arranjo federativo significativo.
GC – Sabemos que a FNP tem atuado com ênfase no fortalecimento institucional das prefeituras para implantação de Parcerias Público-Privadas, PPPs, importante instrumento de financiamento de infraestrutura, e na melhoria da qualidade dos serviços públicos. Que avaliação a FNP faz do papel das PPPs, no desenvolvimento dessa infraestrutura, nesse contexto de limitação drástica de recursos públicos?
Paulo Miotta – Esse é um modelo novo de associação. O Brasil está apenas começando nessa área com chances de crescimento. Por volta de 2005 o Brasil teve um crescimento econômico significativo, com avanço nas políticas públicas, com uma grande ampliação na rede pública de saúde, por exemplo. Porém, com a chegada da crise econômica e seu aprofundamento, a partir de 2013 e 2014, os recursos para investimentos ficaram muito escassos. E é nesse contexto que as PPPs aparecem como um atrativo para investimentos. A partir de 2015 nós passamos a receber muitas consultas de prefeituras sobre PPPs. Ao mesmo tempo, muitos consultores passaram a oferecer seus serviços às prefeituras, para a elaboração de PPPs, o que fez com que muitos prefeitos questionassem o que fazer e como fazer. Assim, nós elaboramos um projeto, que estará sendo divulgado ainda este ano, que tem como foco o fortalecimento institucional das prefeituras, orientando como elas podem montar uma estrutura organizacional capaz de dar conta de realizar uma PPP. Porque essa não é uma questão simples. Precisa de uma estrutura, foco projeto. Esse projeto que estamos formatando busca orientar os novos prefeitos, que assumirão as administrações municipais a partir de 2017, sobre como executar uma PPP, em que áreas, o que é importante saber etc.
Além disso, assim que o Michel Temer assumiu o governo interino, nós entregamos uma pauta de temas significativos para os municípios brasileiros. E umas das reivindicações contidas nessa pauta é que a legislação existente seja mais flexível em relação às PPPs.
GC – Que flexibilizações estão sendo pedidas?
Paulo Miotta – Pela legislação atual, se o projeto a ser implementado não ultrapassar o valor de R$ 20 milhões, ele não pode ser enquadrado como uma PPP. Pode ser classificado como terceirização ou qualquer outra figura jurídica. Mas não como uma PPP. Só que, na prática, um empreendimento de troca de iluminação pública numa cidade pequena não chega a esse valor. Vai depender do projeto, do seu porte, da forma de execução. A FNP quer que isso seja mudado.
GC – Em que segmentos as PPPs têm prosperado mais, juntos às administrações municipais?
Paulo Miotta – Nós estamos percebendo uma procura grande, por parte dos municípios, para PPPs no segmento de iluminação pública, principalmente no que diz respeito à troca da iluminação convencional para a que utiliza a tecnologia a led.
GC – Muitos analistas desse setor afirmam que um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento das PPPs é cultural: os gestores públicos preferem ter a iniciativa privada como contratada, fornecedora de produtos e serviços, mas não como parceira ou sócia. O senhor acha essa avaliação verdadeira? Essa cultura está mudando?
Paulo Miotta – O que ocorre é que essa legislação é muito nova, e se constitui num desafio para a administração pública conhecer todo o arcabouço jurídico, criar os órgãos de controle. Esse projeto que a Frente está estruturando busca justamente oferecer esses subsídios: onde estão as boas práticas, como os órgãos de controle avaliaram esses casos. Nós estamos ainda iniciando esse processo, é um caminho que precisamos percorrer. É tudo novo não só para o poder público, mas para a iniciativa privada também. Nós queremos fazer o lançamento desse projeto no 4o Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável (EMDS), que a Frente promove duas vezes por ano. O próximo será em abril do ano que vem. Nessa ocasião nós esperamos sensibilizar as prefeituras, promover o debate sobre as PPPs, organizar os seminários e verificar quais prefeituras têm interesse nesse projeto, para assim podermos organizar essa rede de cidades em torno das PPPs.
GC – A FNP é uma das articuladoras da recém-instalada Frente Parlamentar Mista em Apoio às Cidades Inteligentes e Humanas. Quais os objetivos desta entidade, quem a compõe e como se dá a interação entre ela e a Frente Nacional de Prefeitos?
Paulo Miotta – Essa Frente Parlamentar oferece, sobretudo, a possibilidade do ajuste da legislação para a agenda municipalista, como no caso da lei do limite financeiro das PPPs. Isso passa pela decisão do Congresso Nacional e a frente de parlamentares tem o protagonismo muito decisivo no aperfeiçoamento e atualização dessa legislação. Nessa frente, além dos parlamentares, nós temos a participação da iniciativa privada, dos representantes dos municípios, das universidades, todos contribuindo para esse debate.
GC – Ultimamente têm-se falado muito em Smart Cities e em como os investimentos em tecnologia podem melhorar a governança nas cidades. Esta é uma tendência mundial. Mas no Brasil sabemos que há, ainda, grandes desafios a serem enfrentados, como universalização dos serviços de saneamento básico, oferta de habitação digna, transporte de qualidade e outras demandas que compõem uma agenda obrigatória de desenvolvimento e qualidade de vida nos grandes centros urbanos. As cidades brasileiras precisam mais de sistemas inteligentes de controle de tráfego ou de saneamento básico e de calçadas amplas, acessíveis e seguras, que permitam a acessibilidade e mobilidade de todos os cidadãos?
Paulo Miotta – Realmente, essa discussão parece inoportuna se pensarmos na média das cidades do país. Mas o Brasil, enquanto um país continental, tem muitas desigualdades. Temos muitas cidades que possuem 100% de água tratada. Temos outras ainda muito deficitárias, mas quando começamos a olhar pontualmente, identificamos avanços significativos, onde se poderia realmente pensar na utilização de tecnologia em prol das cidades inteligentes. Existem várias cidades bem avançadas na instalação de redes de fibra óptica, por exemplo. Mas o fato é que a tecnologia vai avançando, trata-se de um processo natural do mercado que está dado, independentemente de qualquer outra questão, inclusive de como a gente lida com isso. O gestor público tem que ter muita consciência na hora de definir quais são as prioridades para cada cidade. Não dá para deixar de lado as questões de saneamento básico, por exemplo, priorizando qualquer outro investimento.
Eu sempre digo que, nesse cenário de falta de recursos, o dirigente público faz sempre escolhas trágicas. É sempre muito difícil. O gestor tem que ter muita responsabilidade nessas escolhas.
GC – Uma das maiores barreiras para a criação das smart cities no Brasil está na adoção de protocolos abertos e padronizados, dados abertos e interfaces abertas, princípios que evitariam que as soluções e tecnologias escolhidas se tornem obsoletas em pouco tempo e difíceis de serem atualizadas. Como isso está sendo discutido no âmbito da FNP?
Paulo Miotta – Nós temos discutido muito isso. Nós trabalhamos muito com a rede de gestores. Já tivemos algumas reuniões com os secretários de Ciências e Tecnologia, que formaram a Rede Brasileira de Cidades Inteligentes. São gestores e secretários das cidades filiadas à Frente. Então, conversando com esses secretários, e abrindo um diálogo com o governo federal, estamos discutindo o que é uma cidade inteligente para nós. Qual o nosso conceito de smart cities? E isso não pode ser uma agenda de mercado. Tem que ser uma agenda de governo, onde o mercado, a iniciativa privada, é fundamental, na medida em que é ela que produz as soluções. Mas ela não pode ditar as regras.
Por isso acho fundamental a proibição do financiamento privado das campanhas políticas. Isso sempre foi muito prejudicial. Essa será a primeira eleição municipal sem esse tipo de financiamento, o que redefine o relacionamento do poder público com a iniciativa privada. Porque, até então, conversar com a iniciativa privada já era algo suspeito. Agora vivemos um novo momento.
Recentemente estivemos em missão técnica em Portugal, em reunião com a União Europeia, onde discutimos os modelos existentes. As cidades portuguesas, por exemplo, criaram um índice de cidades inteligentes. A partir dele é possível identificar em que patamar seu município se situa. É possível medir os avanços a partir dos produtos que compõem esse índice. Na verdade, nós ainda estamos na fase de definir o que é uma cidade inteligente para nós. Precisamos construir esse conceito e, a partir daí, definir esses produtos.
GC – Um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento da infraestrutura nos municípios brasileiros é a descontinuidade administrativa. Esses investimentos estão sempre atrelados a uma agenda político-eleitoral, condicionada geralmente a um período de quatro anos. O que se pode fazer para blindar projetos necessários ao desenvolvimento dos municípios, de forma que eles não sejam interrompidos a cada ciclo de quatro anos?
Paulo Miotta – Nesse contexto, a FNP tem uma importância fundamental. Sempre que a Frente está envolvida em um projeto, e até por ela ser uma entidade suprapartidária, mesmo que mude a administração municipal o projeto tem continuidade. Mesmo quando o novo prefeito é de oposição ao anterior. A frente consegue convencer a nova gestão a continuar o projeto. Mas, acima de tudo, o que garante essa continuidade é o tripé formado pela presença do estado, participação da iniciativa privada e controle da sociedade. Nossa democracia ainda é nova. E é justamente a participação popular nos conselhos municipais e o entendimento das propostas do prefeito pela população, esse amadurecimento que garante o sucesso e a estabilidade dos projetos e de um novo modelo de governança.
Sobratema integra o Conselho Consultivo do IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável
A Sobratema – Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração foi convidada pela FNP – Frente Nacional dos Prefeitos para participar do Conselho Consultivo do IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável (IV EMDS), maior evento sobre sustentabilidade urbana do Brasil, que ocorrerá entre os dias 24 e 28 de abril de 2017, no estádio Nacional Mané Garrincha (Brasília/DF).
O diretor de Relações Institucionais da Sobratema, Carlos Alberto Laurito, será o representante da associação neste Conselho, contribuindo com o conteúdo e organização, e colaborando na mobilização para o evento que, em sua última edição, recebeu 9.458 participantes de 1.507 municípios brasileiros, entre prefeitos e prefeitas das maiores cidades do Brasil, governadores, ministros de Estado e delegações estrangeiras dos cinco continentes.
De acordo com Laurito, esse convite foi motivado pela forte e assertiva atuação da Sobratema para o desenvolvimento da engenharia, da infraestrutura, da construção e da mineração no país, por meio da difusão de conhecimento, do estímulo para a qualidade na capacitação e formação profissional e da disseminação de novas tecnologias em materiais, equipamentos, soluções de gestão e monitoramento e de sistemas construtivos. “Também destaco as relações institucionais assertivas que temos com as principais entidades setoriais, os associados (empresas e engenheiros), órgãos governamentais e profissionais do setor”, acrescenta.
O IV EMDS tem como tema central “Reinventar a governança e o financiamento das cidades“ e é uma oportunidade para a promoção do debate, a reflexão e o intercâmbio de experiências para melhorar a qualidade de vida da população. O evento contará com a realização de Fóruns TED-alike, Arenas de Diálogos, Salas Temáticas e Praça de Boas Práticas, e terá uma feira de soluções para os municípios, a “Expo Cidades” e um espaço dedicado a apresentações de praticas exitosas dos governos locais, o “Caminho das Cidades”.
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