Infraestrutura
Jornal do Commércio
30/11/2012 08h00 | Atualizada em 30/11/2012 13h08
Pacote portuário prevê obras para facilitar o acesso. Portos são um dos maiores gargalos que o País enfrenta e que encarecem o escoamento da produção.
Com o objetivo de incentivar o crescimento econômico e acabar com os grandes gargalos de infraestrutura do País, o governo federal lançou um pacote para reduzir preços de energia, prepara um novo modelo para aeroportos e portos, definiu mudanças nas regras para o setor de ferrovias e ainda estuda um novo marco regulatório para a mineração. No entanto, em todos esses projetos, vai precisar contar com um fator fundamental para seu sucesso, que não depende dos gabinetes de Brasília: o “espírito animal” de empresários brasileiros e estrangeiros, que precisam comprar a ideia de que o am
...Pacote portuário prevê obras para facilitar o acesso. Portos são um dos maiores gargalos que o País enfrenta e que encarecem o escoamento da produção.
Com o objetivo de incentivar o crescimento econômico e acabar com os grandes gargalos de infraestrutura do País, o governo federal lançou um pacote para reduzir preços de energia, prepara um novo modelo para aeroportos e portos, definiu mudanças nas regras para o setor de ferrovias e ainda estuda um novo marco regulatório para a mineração. No entanto, em todos esses projetos, vai precisar contar com um fator fundamental para seu sucesso, que não depende dos gabinetes de Brasília: o “espírito animal” de empresários brasileiros e estrangeiros, que precisam comprar a ideia de que o ambiente de negócios no País é seguro e rentável.
Com restrições orçamentárias, o governo depende do capital privado para os investimentos deslancharem. Porém, parte dos investidores tem visto no governo da presidente Dilma Rousseff ações cada vez mais intervencionistas que inibem os empreendimentos. “A postura do governo está mudando para uma ação ativista que não deu certo na década de 1970, quando estatais foram criadas”, diz Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), ao citar casos de empresas que tiveram de ser privatizadas ou reestruturadas posteriormente.
O trauma mais recente do mercado quanto a mudanças regulatórias se deu em setembro, com as novas regras para a renovação de concessões de energia elétrica que vencerão até 2017, impondo retornos menores aos controladores. O choque derrubou as ações do setor em até 30% no dia do anúncio das mudanças, e as empresas acumulam perda de mais de R$ 20 bilhões no valor em bolsa de valores. O governo argumenta que o pacote foi extensamente discutido com o mercado, mas ainda persistem dúvidas entre investidores e empresas.
A Cemig, por exemplo, optou por não renovar a concessão de três hidrelétricas e ameaça ir à Justiça reclamar do novo regulamento. “O risco regulatório tem sido percebido de maneira cada vez mais forte pelo empresariado, principalmente pela falta de transparência como alguns pacotes surgem, como esse do setor elétrico”, disse Alexandre Mattos, diretor da consultoria Macroplan.
Segundo Will Landers, brasileiro que trabalha em Nova Iorque é responsável por investimentos na América Latina da gestora BlackRock, uma das maiores do mundo, um governo que quer elevar a taxa de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), mas dificulta o ambiente de negócios e tenta impor limites ao retorno dos investidores privados, não vai chegar lá.
“Em termos de ambiente de investimentos, hoje o México é muito mais atraente que o Brasil. Há uma incerteza em não se saber até onde o governo Dilma vai para baixar o Custo-Brasil. Tem muito investidor global que simplesmente diz: não sei o que está acontecendo, não tenho tempo para tentar entender. Quando a poeira assentar, me chamem e eu vou ver se tem alguma coisa que sobrou que vale a pena.”
Segundo fontes que participam desse debate, o governo quer desenvolver o setor de infraestrutura, mas também quer reduzir distorções que ofereciam rentabilidades “astronômicas” a certos setores, em favor de um benefício maior para o País a longo prazo, com ganhos de competitividade e redução do Custo-Brasil. No setor de ferrovias, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) vem determinando menores tetos tarifários para as concessionárias antigas. Eram lucros excessivos, na visão do governo, que ficavam ocultos quando comparados a uma taxa básica de juros de dois dígitos que vigorava até alguns meses atrás.
Mesmo os investidores financeiros reconhecem a virtude de reduzir o Custo-Brasil e cortar juros, mas reclamam da forma como o governo tem conduzido o processo, que surpreende o mercado e assusta os empreendedores. “Nenhum governo pode mudar todos os marcos regulatórios do País ao mesmo tempo impunemente”, diz um empresário do setor, lembrando que a insegurança jurídica afasta investidores e que um marco regulatório demora para se estabelecer. “O pior é que não há sequer uma lógica: a regra do aeroporto não serve para o porto, que é diferente para a ferrovia e para a rodovia.”
O empresário, que prefere não se identificar, critica a pressa como que, no caso dos portos, as discussões estão conduzidas. “Uma obra para um porto demora no mínimo dois anos e tende a perdurar por cem anos.”
Pacote portuário prevê obras para facilitar o acesso
O pacote portuário em elaboração que o governo pretende apresentar na semana que vem vai atacar problemas em terra. Além de novas concessões e de uma atualização no marco regulatório, ele conterá um conjunto de novos investimentos em rodovias e ferrovias para facilitar a chegada dos produtos brasileiros aos portos, onde serão embarcados para a exportação. “Haverá uma parte a cargo do Ministério dos Transportes”, disse o ministro-chefe da Secretaria Especial de Portos (SEP), Leônidas Cristino.
De acordo com a área técnica, a maior parte desses projetos já está no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É o caso, por exemplo, da avenida perimetral na margem esquerda do porto de Santos, uma obra de R$ 71 milhões, e outras obras de adequação de trevos na entrada da cidade que chegam a R$ 376 milhões.
Mas haverá um acréscimo às obras previstas no PAC. Dados preliminares apontam para algo na casa dos R$ 200 milhões para os investimentos extras. Eles beneficiarão portos como o de Santos, Rio de Janeiro e Pecém (CE), entre outros, segundo Cristino. “Em Santos, o principal problema é a acessibilidade”, disse o presidente da Companhia Docas de Santos (Codesp), Renato Barco. “A chegada ao porto é congestionada, os caminhões ficam parados, e isso encarece a cadeia logística.” Ele acredita que dar mais agilidade à operação portuária é a forma mais eficiente de cortar custos, o que é um dos objetivos do governo.
O acesso terrestre ao porto é apontado como um gargalo também pelo presidente do porto de São Francisco do Sul (SC), Paulo Corsi. Ele explicou que a capacidade operacional aumentou, por isso o volume de carga também cresceu o que acabou causando um estrangulamento na chegada ao terminal. A intenção é duplicar a rodovia de acesso, mas a obra não iniciou.
O foco do governo ao elaborar o pacote, segundo informou o ministro, é atrair mais investimentos privados. As estimativas indicam que em 2030 os portos brasileiros movimentarão 2,2 bilhões de toneladas de cargas, o que exigirá uma forte expansão da infraestrutura. Em 2011, foram movimentados 886 milhões de toneladas, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). “Vamos dar condição de investimento para a iniciativa privada”, prometeu o ministro.
Ele disse estar seguro de que as medidas darão um impulso a novos projetos. Entre operadores, porém, há dúvidas quanto a isso. “Hoje, o setor privado está investindo forte”, afirmou um executivo. “A questão é se o governo deixará continuar assim.” Ele se referia a um dilema crucial que está em exame no governo: como ficará o funcionamento dos terminais de uso privativo. “Se eu contar isso, conto o principal”, disse o ministro, ao ser questionado sobre o tema.
Hoje, há basicamente dois tipos de portos em funcionamento no País: os chamados portos organizados, que somam 34 e pertencem à União, e os terminais de uso privativo, que são mais de 120 e movimentam cargas de uma única empresa. AAntaq mostra que por eles passaram 577 milhões de toneladas no ano passado, enquanto nos portos organizados passaram 309 milhões de toneladas. Há uma pressão para que, no pacote, os terminais de uso privativo sejam autorizados a movimentar carga de terceiros. Quem defende a ideia acredita que eles estabelecerão concorrência com os portos e isso ajudará a baixar preços.
Atraso em atualização de normas eleva riscos para investidores
Por meio de licitações e de concessões, o governo espera obter investimentos privados de R$ 2 trilhões para as áreas de infraestrutura até 2032, considerando os setores de energia, petróleo, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, telecomunicações, saneamento e mineração. Mas, diante de valores tão expressivos, terá de aprimorar as estratégias para atração de capital. O desafio do governo ao regular esses setores é harmonizar interesses das partes envolvidas: investidores, União e consumidores, além dos cidadãos em geral, o que se torna mais complexo num momento em que o País vive significativas mudanças estruturais, como o recuo dos juros básicos ao nível histórico de 7,25% ao ano. “É um fio de navalha”, resume Alexandre Mattos, diretor da consultoria Macroplan.
Exemplo das dificuldades do governo em criar facilidades para o investimento privado em infraestrutura é a debênture de longo prazo, criada por lei em 2011. Concebida com isenção de imposto de renda a investidores, só depois de um ano e de ajustes fiscais veio a ter sua primeira emissão, encerrada no início deste mês. Mauro Cunha, presidente da Amec, lembra que o governo federal chegou a dar sinais errados ao mercado em relação ao setor elétrico, dizendo inicialmente que empresas que não aderissem às propostas de renovação para baixar as tarifas em média em 20% ficariam de fora dos futuros leilões, para depois corrigir a informação.
O governo tem na mira a atualização de normas para diversos setores de infraestrutura, de mineração a internet, passando pelo setor de petróleo e gás, que, desde 2009, teve as discussões transferidas para o Congresso Nacional, pois as normas para o pré-sal ainda dependem de aprovação.
O marco regulatório do setor mineral está em discussão há mais de três anos. Com a perspectiva de investimentos de até R$ 350 bilhões, o governo freou a emissão de milhares de novas licenças para pesquisa e lavra no País à espera das novas regras que ainda estão longe de ser aprovadas. Além de alterar os royalties do setor, o governo vai intervir nas licenças já dadas para evitar o que julga serem especulações, mas não há clareza de como essas medidas serão implantadas e as consequências que terão.
Na área de portos, os atuais operadores de terminais públicos dizem há meses que a indefinição do setor está atrasando um volume de investimentos de R$ 44 bilhões. Há temores de que o anúncio do pacote provoque reação negativa no setor, prejudicando as ações das empresas, como ocorreu no setor elétrico. Muitos temem que as novas regras para os portos sejam mais complexas que as atuais, além de diferentes do que ocorre na maior parte do mundo. “Não há nenhum porto do mundo com seis operadores diferentes, como ocorre em Santos”, diz um empresário da área.
No setor aéreo, além da indefinição sobre novas concessões, não há ainda proposta regulatória para a criação do fundo que vai gerir pelo menos R$ 25 bilhões em investimentos para aeroportos regionais. Segundo Mattos, incertezas regulatórias crescentes entre os investidores fazem com que em suas contas sejam incorporados mais riscos. Com mais riscos para os investimentos, os empreendedores pedem lucros maiores, que seriam repassados aos consumidores ou à União. “É um algoritmo que torna os investidores mais seletivos na escolha dos projetos em que vão apostar”, afirma Mattos.
Intervenção do governo pode excluir o País de investimentos
O brasileiro Will Landers, que trabalha em Nova Iorque para uma das maiores administradoras de recursos do mundo, a BlackRock, alerta para o risco de a intervenção governamental excessiva tirar o Brasil do radar dos megainvestidores globais.
Como os investidores estrangeiros têm visto as recentes ações do governo na infraestrutura?
É importante dizer que todas as mudanças têm sido feitas dentro das regras estabelecidas. Alguns questionamentos podem existir, como o da Cemig, mas ao pé da letra está tudo sendo seguido. Porém, no setor elétrico, era esperado que concessões que estavam indo para a primeira renovação seriam renovadas automaticamente. A mudança criou incerteza e destruição de valor gigantesco na bolsa. Você está vendo também o uso pelo governo de certas estatais para precificar produtos no setor bancário, por exemplo, o que é um risco grande. Se pensarmos no futuro do Brasil, com custo elétrico mais baixo e mais acesso a crédito, isso é tudo muito bonito e é o que a gente quer, mas não acho que seja papel do governo fixar preços de produtos e forçar o mercado a baixar os preços.
Qual é o impacto disso nas contas dos investidores?
Se você aumenta o risco dos empreendimentos, as companhias passam a valer menos. Não dá para atrair o capital privado e querer controlar o retorno, não é por aí.
O cenário de juros menores e a perspectiva de maior crescimento não são um atrativo suficiente para o capital privado correr riscos?
Os juros mais baixos deveriam estar atraindo Deus e todo mundo para a bolsa. Se o juro cai, teoricamente, o valor da bolsa deveria subir, e não cair. Mas um dos fatores para isso não estar acontecendo é o aumento do risco regulatório. O risco de intervencionismo aumentou. Então, uma coisa anula a outra. Estamos em um momento em que temos que refletir bastante para não criar mais obstáculos que talvez coloquem o Brasil totalmente fora do radar dos megainvestidores globais.
16 de abril 2020
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