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Revista GC - Ed.103 - Ago/Set 2023
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ESPECIAL HABITACIONAL

O direito de acesso à moradia digna

Mudança do perfil das famílias implica a necessidade de construção de 500 mil a 1 milhão de novas unidades todos os anos, para atender à demanda crescente no país
Por Redação

Os desafios com relação à habitação são persistentes no Brasil, principalmente porque – com dimensão continental e mais de 200 milhões de habitantes – o país apresenta uma profunda desigualdade social e de infraestrutura entre as regiões.

Atualmente, enfrenta impasses para superar um déficit de 6 milhões de moradias, segundo estimativa feita antes da conclusão do recém-divulgado Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre esses desafios está a necessidade de produzir mais moradias do que o número de novas famílias que surgem anualmente no país. Outra dificuldade está em produzir moradias para as famílias desprovidas de renda suficiente para contratação de um financiamento.

“Somente no próximo ano o IBGE divulgará os números com base no Censo, que possibilitarão estimar a dimensão atual do déficit habitacional no país&r


Os desafios com relação à habitação são persistentes no Brasil, principalmente porque – com dimensão continental e mais de 200 milhões de habitantes – o país apresenta uma profunda desigualdade social e de infraestrutura entre as regiões.

Atualmente, enfrenta impasses para superar um déficit de 6 milhões de moradias, segundo estimativa feita antes da conclusão do recém-divulgado Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre esses desafios está a necessidade de produzir mais moradias do que o número de novas famílias que surgem anualmente no país. Outra dificuldade está em produzir moradias para as famílias desprovidas de renda suficiente para contratação de um financiamento.

“Somente no próximo ano o IBGE divulgará os números com base no Censo, que possibilitarão estimar a dimensão atual do déficit habitacional no país”, posiciona Yorki Estefan, presidente do SindusCon-SP.

Sem acesso à moradia digna, milhões de famílias são obrigadas a habitar em construções rústicas e insalubres, o que aumenta a incidência de doenças e, consequentemente, os gastos com saúde pública.

Adicionalmente, fatores com ausência de renda e alto valor do aluguel geram a coabitação, caracterizada pela convivência de mais de uma família em uma mesma moradia.

Segundo o engenheiro Daniel Katz, sócio-diretor da Katz Construções e Participações, por mais que os números do último Censo demonstrem que a quantidade de filhos por casal diminuiu no país, o déficit ainda é muito significativo.

“Com uma população jovem, a maior parte entre 20 e 40 anos, as pessoas precisam de uma residência quando entram na vida adulta, tornando necessária a construção de novas moradias”, explica. “Isso implica de 500 mil a 1 milhão de unidades novas todos os anos, para atender à demanda crescente.”

DIREITO

Atualmente, estima-se uma necessidade habitacional adicional futura de 11 milhões de novos imóveis para os próximos dez anos. Dessa forma, políticas públicas voltadas à habitação popular são imprescindíveis.

“O acesso a moradia digna é um direito de todo brasileiro e uma condição essencial para garantir sua qualidade de vida”, comenta Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

“Além disso, o setor é uma grande alavanca para a economia, pois representa 10% da força de trabalho, 9% da arrecadação de tributos e 7% do PIB brasileiro.”

Para superar esse desafio, um dos principais entraves é a baixa renda das famílias, reconhece o executivo do Sinduscon-SP. “Sem nenhuma renda ou com renda insuficiente para contratar um financiamento, milhões de famílias não conseguem sair do déficit habitacional por si”, aponta


Em um cenário de déficit, políticas públicas voltadas à habitação popular se
tornam imprescindíveis, mas dependem do crescimento da economia

O engenheiro Katz corrobora essa visão, destacando que a maior parte do déficit se concentra em famílias que ganham até R$ 2 mil por mês.

Como é difícil comprovar renda, ele prossegue, torna-se difícil para essas pessoas assumir um compromisso de pagamento – hoje, na média de 30% do valor da parcela.

“Não sobra dinheiro para as outras demandas básicas de alimentação, transporte e escola”, observa.

Outro ponto importante, acrescenta Katz, refere-se aos terrenos, que se tornam mais caros à medida que estejam mais próximos aos centros. Dessa forma, os imóveis também acabam custando mais.

Atualmente, ele explica, alguns dos principais municípios do país – como São Paulo e Belo Horizonte – têm coeficientes de produção muito baixos, uma vez que precisam comprar da prefeitura.

“Eventualmente, esse coeficiente extra acaba elevando o preço da terra – que é o primeiro insumo básico para a construção de uma moradia”, sublinha.

Nesse quadro, os especialistas são unânimes em apontar a importância de programas habitacionais como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que possibilitam a produção de moradia acessível à população.

“Mas a solução da questão da renda depende de um crescimento sustentável da economia, de modo a gerar novos negócios, empregos e postos de trabalho”, delineia Estefan, do SindusCon-SP.

Disso decorre a importância de reformas como a administrativa, ele acentua, possibilitando ao Estado racionalizar os gastos e, assim, aportar mais recursos em habitação e infraestrutura.

“O mesmo vale para a reforma tributária, melhorando o ambiente de negócios e favorecendo a atração de investimentos internos e externos”, complementa.

ABORDAGEM

Para França, da Abrainc, a resolução do déficit é um desafio complexo e que, por isso, requer uma abordagem abrangente, envolvendo governo, setor privado e sociedade.

“É essencial implementar políticas públicas eficientes, como programas de habitação social, incentivos fiscais para a construção de moradias de baixo custo e regularização fundiária”, diz.

Além disso, o dirigente avalia como essencial o acesso da população a financiamentos para viabilizar a compra da moradia, garantindo funding ao setor imobiliário.

Nesse aspecto, a Abrainc avalia que o Banco Central deve adotar medidas regulatórias para aumentar a oferta de crédito imobiliário.

“Uma possível medida nesse sentido seria o aumento no percentual de recursos da poupança, direcionado obrigatoriamente ao crédito imobiliário, dos atuais 65% para 70%”, cogita.

“Também é possível avaliar alternativas de estímulo ao financiamento habitacional, como a dedução dos juros de crédito imobiliário no imposto de renda.”


Medidas regulatórias podem aumentar a oferta de crédito imobiliário

Para o presidente do Sinduscon-SP, as perspectivas atuais são favoráveis diante da percepção do governo e da maioria do Congresso de que o país necessita de reformas para sustentar o crescimento econômico e resolver problemas sociais como o déficit habitacional.

“Até o momento, tivemos a aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária na Câmara, que teve a sensibilidade de incluir a construção entre os setores que terão um tratamento tributário especial nessa reforma”, diz Estefan.

Segundo França, as mudanças no programa MCMV também representam um passo importante para enfrentar o déficit habitacional, melhorando a qualidade de vida dessas pessoas.

“A ampliação do valor máximo do imóvel do programa de R$ 264 mil para R$ 350 mil, por exemplo, assim como o subsídio para a aquisição de imóveis populares, que subiu para R$ 55 mil, podem dar novo ritmo à moradia popular”, diz o executivo da Abrainc.

Na nova fase do MCMV, comenta Estefan, o governo voltou a dispor de recursos próprios para o financiamento habitacional. “Somados aos recursos do FGTS, certamente darão impulso à produção de moradias para contenção do déficit”, avalia.

O governo também atendeu uma reivindicação do setor da construção, corrigindo as novas contratações de conjuntos habitacionais pelo Índice Nacional de Custos da Construção (INCC), atualizado recentemente.

Assim, os contratos com as construtoras serão reequilibrados financeiramente, de acordo com os custos efetivos, o que reduzirá substancialmente o volume de obras paradas por falta de atualização.

“Outra reivindicação atendida foram as atualizações dos valores de aquisição e subsídios, permitindo a retomada de projetos por parte das construtoras”, complementa Estefan.

Segundo o Sinduscon-SP, é indispensável que estados e municípios aportem recursos ao MCMV para atender a um número maior de famílias, seja mediante a cessão de terrenos ou a concessão de cartas de crédito, que aumentam a capacidade das famílias de ingressar no programa.

“Em São Paulo há o ‘Casa Paulista’, que proporciona cartas de crédito a fundo perdido”, diz Estefan. “Além disso, estados e municípios também têm programas próprios como o ‘Pode Entrar’, da prefeitura de São Paulo, que adquire as unidades habitacionais diretamente das construtoras para destiná-las às famílias de baixa renda.


Com perfil de investidor de compradores, as micorresidências não resolvem o problema habitacional

POSSIBILIDADES

A adaptação de edifícios abandonados em áreas centrais das grandes cidades para transformação em habitação de baixo custo é uma alternativa para reduzir o déficit habitacional.

No entanto, como explica Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção do Instituto Brasileiro de Economia, ligado à Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), tornar esses edifícios habitáveis não é uma solução simples nem barata, pois – dependendo do tempo de uso da construção – é necessário adequar as condições, restaurando eventualmente as partes elétrica e hidráulica e a própria estrutura dos prédios.

“Vários pontos devem ser pensados para reinserir esses imóveis no mercado, até mesmo se a estrutura está comprometida ou não”, alerta a especialista.

“É uma solução, se considerarmos que a maioria dos centros das grandes cidades está mais deteriorada, mas não é a única, pois reinserir um imóvel não é nada trivial e envolve desafios como o custo”, aponta.

Essa viabilidade, diz Estefan, depende de financiamento, legislações e regramentos urbanísticos que estimulem o retrofit, sendo que os custos dessas obras frequentemente ultrapassam os orçamentos iniciais, com mais itens que precisam passar por reforma do que foi inicialmente previsto.

“A legislação urbana precisa ser adaptada para a mudança de uso do edifício, pois nesse processo algumas posturas municipais não podem ser desobedecidas, como a ausência de espaço para escada de emergência na parte externa”, exemplifica Estefan.

“Na cidade de São Paulo, temos uma legislação específica recente a respeito disso.”

Outra tendência é o crescimento da oferta de habitações menores, como apartamentos de 30 m² ou até menos, que se reflete na busca por soluções mais acessíveis e compactas.

Em parte, essa tendência já é contemplada no antigo Plano Diretor da capital paulista, que tinha como diretriz aproximar emprego e moradia, estimulando a oferta na medida em que limitava o número de garagens ao número de apartamentos nos eixos urbanos de estruturação.

“Assim, quanto menores as unidades, mais apartamentos cabem no empreendimento e mais garagens podem ser oferecidas”, diz Estefan.


Segundo especialistas, é indispensável que estados e municípios aportem recursos ao MCMV

Contudo, o novo texto decorrente da Revisão Intermediária do Plano Diretor (Lei 17.975/2023), que entrou em vigor em julho, traz disposições diferentes.

Além disso, o novo MCMV determina que, para se enquadrarem no programa, as unidades devem ter ao menos 41,50 m² de área. Portanto, é possível que algumas regiões tenham diminuição na oferta de unidades de 30 m².

“Por outro lado, é provável que sejam ofertados em bairros onde os empreendedores detectem uma demanda por esses apartamentos”, conjectura o presidente do SindusCon-SP.

“Isso pode ocorrer para pessoas sozinhas, jovens casais, estudantes ou locação por tempo determinado.”

No entanto, França avalia que o mercado não pode ficar restrito a esse tipo de moradia. “Precisamos de um regramento urbano que permita ao incorporador construir de forma mais livre, para atender melhor os anseios da população”, ressalta.

“O mercado mostra que esse tipo de residência não resolve o problema habitacional, pois o perfil dos compradores é de investidor, que utiliza os aluguéis para complementação de renda.♦

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