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Caminhos para o país entrar nos trilhos

Apesar dos avanços recentes, o Brasil precisa investir maispesado no modal ferroviário, tendo em vista que a malha aindanão alcança diversas regiões produtivas do país

Revista M&T

09/10/2024 08h47 | Atualizada em 31/10/2024 17h19


Indiscutivelmente, o desenvolvimento econômico do Brasil passa por um projeto nacional de expansão e modernização da malha ferroviária.

Atualmente, o país possui uma extensão de cerca de 30 mil km de ferrovias, resultando em uma densidade de apenas 3,6 km/1.000 km².

Essa proporção, explica Lucas Hellmann, advogado da Schie

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Indiscutivelmente, o desenvolvimento econômico do Brasil passa por um projeto nacional de expansão e modernização da malha ferroviária.

Atualmente, o país possui uma extensão de cerca de 30 mil km de ferrovias, resultando em uma densidade de apenas 3,6 km/1.000 km².

Essa proporção, explica Lucas Hellmann, advogado da Schiefler Advocacia, é consideravelmente baixa se comparada a países como Índia e EUA, onde a densidade ferroviária é de 33 km/1.000 km² e 30 km/1.000 km², respectivamente.

“Essa disparidade evidencia a limitação da infraestrutura ferroviária no Brasil, que tem um território similar ao dos EUA, mas não possui uma rede proporcionalmente desenvolvida”, comenta.

Em relação à distribuição geográfica, o especialista observa que quase metade da malha em uso se concentra na região Sudeste, enquanto as regiões Norte e Centro-Oeste respondem, juntas, por menos de 10% do total, o que mostra como as ferrovias não têm alcançado diversas regiões produtivas.

De acordo com Jean Mafra, chefe de gabinete da Superintendência de Transporte Ferroviário da Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT), estudos apontam que o país necessita de ao menos 3 mil km de ferrovias nas regiões Centro-Oeste e Norte, 1,8 mil km no Nordeste, 3 mil km na região Sudeste e 2 mil km no Sul.

“A execução desses projetos demanda investimentos estimados em R$ 98 bilhões”, calcula.

INVESTIMENTOS

Segundo Ramon Cunha, especialista em infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil vem passando por um intenso processo de renovações de contratos de concessão na área.

Isso ocorre porque o processo de desestatização do setor – iniciado no final da década de 1990 – estabelece prazo de 30 anos para as concessões, com possibilidade de prorrogação por igual período.

“Com a aprovação da Lei n° 13.448/2017, permitiu-se a renovação antecipada das concessões prestes a vencer”, explica.

Desde então, foram realizadas prorrogações das ferrovias Malha Paulista, Vitória-Minas, Carajás (todas em 2020) e Malha Regional Sudeste (2022).

“Ainda são debatidas outras renovações, como a Rumo Malha Sul e a Ferrovia Centro-Atlântica”, completa.

O secretário nacional de transporte ferroviário, Leonardo Ribeiro, ressalta que o país vem investindo cerca de 1,8% do PIB em infraestrutura, entre aportes públicos e privados, quando esse percentual deveria estar em torno de 4,5%.

“O Governo Federal pretende reverter esse quadro, ampliando os investimentos públicos para atrair o setor privado para os negócios”, frisa o servidor do Ministério dos Transportes.

“Estamos otimistas de que teremos o maior ciclo de investimentos em ferrovias dos últimos anos, e 2023 já demonstrou isso, pois desde 2005 nunca se transportou tanta carga por ferrovias.”

Impulsionando as parcerias, em 2023 foi lançada a nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), prevendo investimentos de R$ 94,4 bilhões em ferrovias, sendo R$ 55,3 bilhões até 2026 e R$ 39,1 bilhões após esse período, incluindo projetos já existentes como a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e a Transnordestina.


Hellmann e Mafra: limitação da infraestrutura ferroviária brasileira

Cerca de 95% dos recursos, comenta Cunha, envolvem investimentos privados provenientes de concessões existentes. Mas o programa também contempla projetos financiados com aportes públicos, como a construção do trecho Salgueiro-Suape, na Ferrovia Transnordestina, e do trecho Caetité-Barreiras, na FIOL.

Em um primeiro momento, admite Hellmann, é fundamental concentrar esforços nas linhas que formam os principais nós da malha, garantindo conexão de Norte a Sul e de Leste a Oeste.

As obras fundamentais, diz ele, incluem a conclusão da Norte-Sul e a expansão de outros entroncamentos importantes. Um ponto crítico é o escoamento da produção no Centro-Oeste, principal núcleo agrícola do país, tornando prioritários os corredores das ferrovias FICO e FIOL.

“A demanda imediata se concentra nesses eixos, que são vitais para aumentar a eficiência do transporte de cargas e integrar economicamente as regiões”, observa.

O Ministério dos Transportes, retoma Cunha, pretende dobrar a participação do modal na matriz de transporte até 2035. Contudo, a realização de obras demanda investimentos vultosos, com morosas etapas de licenciamento.

“No ano passado, foram investidos somente R$10 bilhões em ferrovias, sendo 2% com recursos públicos”, afirma. “Assim, é preciso dar continuidade ao processo de concessões, aperfeiçoar a elaboração de projetos e obtenção de licenças e, ainda, garantir a plena regulamentação da lei.”

Para ele, esse é o caminho para atrair novos investimentos e reduzir a burocracia no setor, uma vez que aumentar a utilização de ferrovias é fundamental para redução dos custos de transporte, mitigação de acidentes e diminuição de emissões.

“Embora apenas 8% das indústrias transportem produtos sobre trilhos, quase 30% optariam por esse modal se houvesse uma oferta adequada”, aponta.


Cunha e Ribeiro: parcerias público-privadas como saída para o modal

DIRETRIZES

Sancionada em 2022, a Lei de Ferrovias (Lei n° 14.273) busca facilitar investimentos privados, com aproveitamento de trechos ociosos.

O novo marco, comenta Mafra, da ANTT, inova ao criar um modelo de autorização para atrair o setor privado não apenas por meio de concessões, mas também por autorizações. “Com isso, os investimentos serão mais privados e menos públicos”, diz.

De acordo com Flávia Reis, especialista em direito ambiental e ESG do escritório Franco Leutewiler Henriques, o novo marco traz segurança jurídica aos investidores e desburocratiza o processo para viabilizar a exploração privada das vias férreas.

Com mais investidores, a tendência é que novas obras saiam do papel. “Os investidores não precisam mais aguardar o lançamento de editais, podendo ser propositivos e obter autorizações para construir e operar”, acentua.

Para Cunha, o novo marco representa um passo importante para modernizar o setor, sobretudo ao definir regras para o compartilhamento da infraestrutura e fomentar outorgas de autorização ao operador privado.

“Embora haja incertezas sobre a viabilidade econômica e ambiental, essa nova modalidade deve ampliar os investimentos”, analisa. “De qualquer modo, a Lei de Ferrovias ainda carece de regulamentação e, portanto, deve ser um ponto de atenção do poder público.”

Segundo a advogada Flavia, a questão de licenciamento ambiental precisa ser mais trabalhada, pois as obras de infraestrutura – especialmente obras lineares de longas distâncias – se deparam com áreas protegidas.

O papel do licenciamento, diz ela, deve ser o de avaliar se os impactos positivos extrapolam os negativos.

“O problema é que diversos empreendimentos frequentemente ficam sem resposta, aguardando anos pelo desfecho de demandas judiciais”, comenta.

De acordo com Ribeiro, o Plano Nacional de Ferrovias também abre caminhos para a expansão do modal. O plano prevê aportes via leilões para aumentar a taxa de rentabilidade dos projetos ofertados ao setor privado.

“Com isso, vamos realizar leilões anuais com aportes governamentais para a construção de ferrovias”, diz.

No entanto, o plano só deve ser lançado quando os acordos de repactuação estiverem ajustados.

“Temos uma carteira de mais de R$ 200 bilhões que, somada aos R$ 94 bilhões do PAC, totaliza cerca de R$ 300 bilhões para os próximos dez anos”, detalha.

“Qualquer plano sem fonte de financiamento significa ‘ferrovias de papel’, e não queremos repetir o passado recente.”

O Ministério espera levantar cerca de R$ 20 bilhões com a repactuação das concessões antecipadas, o que pode viabilizar uma nova rodada.

De acordo com Ricardo Medina, advogado do escritório Franco Leutewiler Henriques especializado em infraestrutura e construção, esse valor “é o que há de possível” no momento.


Reis e Medina: licenciamento e governança são pontos crítivos

“O cobertor é curto, pois quase a totalidade do orçamento já está comprometida com despesas obrigatórias”, complementa.

Para ele, o mais importante é aplicar bem os recursos, cuidando para que não se percam com atrasos e sobrecustos de obras.

“Essas perdas podem ser mitigadas com métodos de governança como os Dispute Boards (comitê de prevenção e solução de disputas), por exemplo, que são reconhecidos pela nova lei de licitações”, afirma.

Segundo Ribeiro, a pasta vem estudando o modelo de expansão ferroviária de países asiáticos, que também apresentam restrições fiscais, mas usam o instrumento de aportes para viabilizar os projetos.

“Contratamos estudos técnicos de viabilidade de mais de 20 mil km, para debater em audiências públicas e no Tribunal de Contas da União”, conta.


Lei de Ferrovias traz maior segurança
jurídica aos investidores e desburocratiza processos

PASSAGEIROS

Segundo o vice-presidente executivo da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Luiz Eduardo Argenton, o setor metroferroviário apresentou um aumento de 6% no número de pessoas transportadas no ano passado, alcançando 2,48 bilhões de passageiros.

“Esse crescimento acompanhou o aumento dos níveis de emprego, sinalizando maior utilização do transporte coletivo sobre trilhos nos percursos casa-trabalho”, destaca.

Em relação à malha, Argenton observa que a rede apresentou um discreto acréscimo de 4,1 km, pontualmente na expansão do metrô de Salvador (BA) e do trem de Natal (RN).

Com esse incremento, a malha operacional soma 1.133,4 km, com maior concentração na região Sudeste.

A expectativa é de que a rede continue se desenvolver nos próximos anos a partir da continuidade das obras já em andamento em estados como CE, PB, PI, RJ, RN e SP.

Atualmente, o país conta com 21 sistemas de transporte urbano de passageiros sobre trilhos, distribuídos por 11 estados e Distrito Federal.

“Apesar do volume de projetos parecer grande, é inferior à necessidade de desenvolvimento das regiões metropolitanas”, pondera.

O executivo ressalta que a ANTT apoia o BNDES no Estudo Nacional de Mobilidade Urbana, feito em parceria com o Ministério das Cidades para identificar projetos de média e alta capacidades em todas as regiões, além de abordar a integração das redes, alternativas para financiamento e gestão coordenada entre os entes federativos.

“A execução desses eixos é primordial para termos uma maior conexão”, diz.

Para o vice-presidente da ANPTrilhos, recentemente foi dado um grande passo com a retomada dos trens de passageiros de longa distância, a exemplo do leilão do Trem Intercidades, representando um incentivo para novos trechos.

“Além da ampliação do atendimento, a implantação de trens de passageiros proporciona desenvolvimento para os trechos onde são instalados”, diz.

Além do Trem SP-Campinas, já foram anunciados projetos regionais no âmbito do Novo PAC. A ideia do Ministério dos Transportes é executá-los por meio de PPPs, incluindo trechos que somam 740 km.

“O otimismo também é refletido pela expectativa de publicação da Política Nacional de Desenvolvimento de Transporte Ferroviário de Passageiros e pelo novo Marco Regulatório do Transporte Público”, finaliza Argenton.


Saiba mais:
ANPTrilhos:anptrilhos.org.br
ANTT: www.gov.br/antt/pt-br
CNI: www.portaldaindustria.com.br/cni
Franco Leutewiler Henriques Advogados: www.flha.com.br
Ministério dos Transportes: www.gov.br/transportes/pt-br
Schiefler Advocacia: schiefler.adv.br

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