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Revista GC - Ed.102 - Mai/Jun 2023
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ESPECIAL SANEAMENTO

Mudanças geram polêmica

Com pontos considerados positivos, alterações na lei do saneamento também suscitam polêmica ao trazer decisões que podem ter impacto sobre as metas do Novo Marco Legal
Por Redação

A falta de saneamento básico é um problema crônico no país, que ademais marca as desigualdades sociais em território nacional. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações (SNIS), o abastecimento de água potável atinge 84,2% da população, enquanto o serviço de coleta de esgoto está disponível para apenas 55,8% dos brasileiros.

Esses índices mostram que mais de 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à rede abastecimento e que aproximadamente 100 milhões de pessoas não contam com coleta de esgoto. Ainda segundo o SNIS, apenas 51,2% dos dejetos são destinados a tratamento, ou seja, praticamente metade de todo o esgoto gerado no país é despejado na natureza sem tratamento.

É nesse gargalo que se revela a importância do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), aprovado em 2020. Segundo Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindcon), após três anos a aprovação da lei já se refletiu em R$ 89 bilhões de investimentos contratados pelos operadores privados.

“O Novo Marco é um avanço considerável para o setor e está em linha com as necessidades da sociedade em termos da universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto”, comenta.

Segundo estudo elaborado pela entidade, entre 2007 e 2019 foram investidos em média R$ 15,2 bilhões por ano no setor, montante que vem aumentando após a aprovação no Novo Marco. Porém, de acordo com o estudo, o país precisa alcançar R$ 308 bilhões de investimento nos próximos quatro anos para garantir o cumprimento da meta.

Para 2023, estão previstos 37 leilões municipais, no valor de R$ 740 milhões. “O estudo estima que seriam necessários aproximadamente R$ 80


A falta de saneamento básico é um problema crônico no país, que ademais marca as desigualdades sociais em território nacional. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações (SNIS), o abastecimento de água potável atinge 84,2% da população, enquanto o serviço de coleta de esgoto está disponível para apenas 55,8% dos brasileiros.

Esses índices mostram que mais de 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à rede abastecimento e que aproximadamente 100 milhões de pessoas não contam com coleta de esgoto. Ainda segundo o SNIS, apenas 51,2% dos dejetos são destinados a tratamento, ou seja, praticamente metade de todo o esgoto gerado no país é despejado na natureza sem tratamento.

É nesse gargalo que se revela a importância do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), aprovado em 2020. Segundo Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindcon), após três anos a aprovação da lei já se refletiu em R$ 89 bilhões de investimentos contratados pelos operadores privados.

“O Novo Marco é um avanço considerável para o setor e está em linha com as necessidades da sociedade em termos da universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto”, comenta.

Segundo estudo elaborado pela entidade, entre 2007 e 2019 foram investidos em média R$ 15,2 bilhões por ano no setor, montante que vem aumentando após a aprovação no Novo Marco. Porém, de acordo com o estudo, o país precisa alcançar R$ 308 bilhões de investimento nos próximos quatro anos para garantir o cumprimento da meta.

Para 2023, estão previstos 37 leilões municipais, no valor de R$ 740 milhões. “O estudo estima que seriam necessários aproximadamente R$ 80 bilhões ao ano para atender à meta de universalização até 2033 prevista em lei”, afirma o diretor. “E os próximos quatro anos serão fundamentais para transformarmos o cenário do setor.”

MUDANÇAS

No início da nova gestão, o governo federal realizou mudanças em alguns pontos da Lei, que geraram controvérsias entre especialistas do setor.

Por meio dos Decretos nº 11.466 e nº 11.467, de 5 de abril, foram regulamentadas alterações como a prorrogação do prazo para a formação de consórcios regionais, que foi estendido para o final de 2025, prestação direta de empresas estaduais – caso a entidade interfederativa dê aval, qualquer empresa estadual poderá prestar serviços em microrregiões, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas – e fim do limite de 25% para a terceirização das operações, permitindo que as concessionárias possam repassar fatias maiores das atividades para outras empresas.


Decretos federais priorizam projetos cujas licitações adotem modicidade tarifária e antecipação da universalização como critérios de seleção

Dessa forma, o governo diz priorizar (com recursos e financiamentos) projetos cujas licitações adotem a modicidade tarifária e a antecipação da universalização do serviço como critérios de seleção.

O governo também alterou critérios e prazos para comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas públicas e privadas do setor. De acordo com os decretos, o prazo para entrega de documentos passa a ser dezembro de 2023, e as agências reguladoras terão de emitir os pareceres até março de 2024.

Caso os indicadores dos últimos cinco anos não atendam aos requisitos, a empresa pode ainda apresentar um plano para atendimento em até cinco anos, de modo que contratos provisórios, irregulares ou de natureza precária poderão ser regularizados.

Outra mudança refere-se à transferência da Agência Nacional de Águas (ANA) do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) para o Meio Ambiente (MMA), que também assume a responsabilidade pelo Plano Nacional de Saneamento Básico.

Todavia, no início de maio a Câmara dos Deputados aprovou o PDL (projeto de decreto legislativo) que derruba parte das mudanças, incluindo a prestação direta e a flexibilização das exigências de comprovação de capacidade econômico-financeira.

Os demais artigos foram mantidos, inclusive o adiamento do prazo de regionalização dos serviços; mas os decretos ainda passariam pelo Senado para deixar de valer (o que não aconteceu até o fechamento desta edição). Com isso, a expectativa é de que sejam efetivadas via PL (projeto de lei).

Para além da disputa política, a querela envolve aspectos puramente técnicos. Segundo Patrícia Sampaio, professora e coordenadora do Comitê de Regulação de Saneamento da FGV Direito Rio, “a reforma do Marco Legal confiou na promoção de procedimentos licitatórios para a celebração de contratos de concessão como um pilar para a atração dos investimentos, principalmente privados, visando à expansão da infraestrutura necessária para a universalização dos serviços”.


Procedimentos licitatórios estabelecidos pelo Novo Marco Legal são vistos como pilar para atração de investimentos

Essa priorização, ela explica, teria considerado como insuficiente a capacidade financeira da maioria dos municípios para realizar os investimentos diretamente, bem como o fato de que a outorga do direito de prover esses serviços às Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs), por meio de contratos de programa firmados sem licitação, não foi capaz de promover a universalização na maior parte dos casos.

“A licitação é um procedimento objetivo de escolha do prestador mais apto ao fornecimento do serviço, consideradas as exigências jurídicas, técnicas e econômico-financeiras estabelecidas no edital de licitação”, comenta Sampaio.

Segundo ela, compete ainda à Administração Pública elaborar a minuta de contrato, integrante do edital de licitação e na qual podem ser estabelecidas exigências de indicadores de qualidade dos serviços, assim como a formulação de uma matriz adequada de divisão de riscos entre poder concedente e concessionária.

Segundo a professora da FGV, as empresas estatais, assim como as privadas, podem participar dos processos licitatórios desde que atendam aos requisitos do edital. Tendo em vista o histórico de investimentos insuficientes das CESBs para universalizar os serviços em grande parte do país, não há razão – segundo ela – para que as entidades interfederativas (municípios que integram regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas em conjunto com os respectivos estados) abdiquem da possibilidade de realizar licitações, perpetuando a permanência das estatais estaduais.

“Do ponto de vista jurídico, o decreto parece contrariar a lei na medida em que permite a prestação dos serviços em municípios da estrutura de prestação regionalizada por entidade que integre a administração do respectivo estado, mediante autorização da entidade de governança interfederativa”, afirma.

Para ela, o decreto equipara essa situação à prestação direta, ou seja, “à situação em que o prestador do serviço é integrante do mesmo ente federativo que o titular do serviço”.

Como o próprio nome sugere, a governança interfederativa é um arranjo de vários entes federativos – que pode incluir os munícipios e os estados em que estão localizados –, mas não se confunde com o Estado em si.

“Apesar de o decreto prever a necessidade de autorização da entidade de governança interfederativa para que seja permitida a prestação do serviço pela CESB, esse consentimento não parece suficiente para suplantar a vedação trazida pela lei 14.026/2020”, diz Patrícia Sampaio.

CONSIDERAÇÕES

O diretor-executivo da Abcon diz que, em uma primeira análise, as mudanças dos decretos são suscetíveis a considerações críticas. Segundo ele, por um lado a retirada do limite de PPPs pode ampliar a opção de mecanismos para o alcance da universalização, desde que respeitadas as regras da comprovação de capacidade econômico-financeira.

Já a expansão dos prazos para regionalização e, consequentemente, acesso a recursos públicos é uma demanda dos próprios entes federados. “A construção de políticas públicas também passa por processos de consenso e respeito dos tempos e necessidades políticas”, pondera o dirigente.


Especialistas criticam a possibilidade de regularização de contratos irregulares sem processo licitatório

Além disso, o executivo da Abcon considera positiva a flexibilização das condições para acesso a recursos – incluindo a necessidade de comprovação da natureza autárquica da entidade reguladora, estendida até dezembro de 2025 – e o prazo de incorporação das normas de referência pelas entidades reguladoras infranacionais, fato que vinha causando empecilhos junto aos agentes públicos financiadores.

“O prazo para regularização dos planos pelos municípios foi estendido até o final de 2024, visando garantir o fluxo de financiamentos, já que a existência do plano é condição de acesso a recursos, estabelecida pela lei”, explica Soares Neto.

Em contrapartida, o especialista avalia que alguns pontos dos novos decretos têm potencial de adiar o alcance da universalização, como a possibilidade de regularização para contratos irregulares sem processo licitatório, assim como a prestação direta de companhias estaduais em regiões.

Assim como a professora da FGV, ele acredita que a decisão fere os princípios da Lei no 11.445. “A concorrência por meio de processos licitatórios é um instrumento básico para que a população tenha acesso a serviços de qualidade e operadores com capacidade efetiva de investimento”, comenta.


Alterações eliminam restrições para a captação de investimentos, mas trazem pontos críticos em relação à segurança jurídica

Segundo o executivo, a contratação por concorrência oferece benefícios como “transparência, qualidade, competitividade e redução de riscos, além de garantir a igualdade de condições para as empresas interessadas em fornecer os serviços, sejam públicas ou privadas, incentivando a apresentação de propostas competitivas”.

REORGANIZAÇÃO

Se, por um lado, as alterações eliminam restrições para a captação de investimentos, por outro há pontos que merecem atenção especial para que seja mantida a segurança jurídica, fator esse que permitiu os avanços do setor nos últimos três anos. “Esse é caminho para o alcance da universalização”, completa Soares Neto.

Em sua visão, um desses pontos críticos é a flexibilização dos mecanismos da comprovação da capacidade econômico-financeira, em especial a forma de acompanhamento e a ausência de consequências concretas no assunto.

Segundo ele, as alterações amortecem o próprio papel da comprovação, abrindo espaço para que algumas regiões sejam atendidas por operadores com baixa capacidade de alcançar a universalização. “Mesmo mantidos, os mecanismos de acompanhamento dos investimentos também se apresentam de forma frágil, sem clareza sobre as consequências de não cumprimento das metas”, observa. “Dessa forma, pode haver comprometimento dos prazos.”


Prazos e mecanismos de acompanhamento dos investimentos demandavam revisão, diz analista

De acordo com Paula Pollini, analista sênior em políticas públicas do Instituto Água e Saneamento (IAS), os prazos estabelecidos pelos decretos promulgados na gestão anterior de fato demandavam revisão. “Sempre há receio em relação às metas de 2033, mas a reorganização do sistema precisava ocorrer”, avalia. “De nada adiantam regionalizações que não servem para nada, que é muito do que está se vendo no setor.”

Se a aposta inicial era regionalizar para ganhar escala, avançando-se nas metas e envolvendo mais municípios, é preciso mais tempo para estruturar e, principalmente, mais diálogo, diz ele.

Para a especialista, o desafio de cumprir as metas existe independentemente da reestruturação ou das mudanças para regionalizações.

“O desafio das metas de universalização não ficou mais difícil com as revisões atuais, pois se trata de uma construção”, aponta Pollini. “O debate mais amplo, envolvendo diferentes segmentos, é que vai trazer um conjunto de soluções públicas, privadas, comunitárias e individuais, que poderão ser usadas para o enfrentamento do déficit.


ATUALIZAÇÃO

No dia 10 de julho, o governo federal fechou acordo com líderes do Senado em torno de um novo decreto do saneamento.

Com isso, o governo evitou que entrasse na pauta do Senado a votação do PDL (Projeto de Decreto Legislativo) que, se aprovado, derrubaria mudanças elaboradas pelo Executivo em abril no Marco do Saneamento.

O acordo com o Senado prevê que o governo federal revogue os decretos e edite um novo sem os pontos que desagradaram ao Congresso.

Em especial, a proposta de novo decreto retira a brecha que dispensa licitação para empresas estatais de saneamento.

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