Passados quatro anos da promulgação do Marco Legal do Saneamento Básico, instituído pela Lei nº 14.026/2020, já é possível observar algum avanço no número de domicílios com coleta e tratamento de esgoto, um dos maiores desafios do setor, mas ainda faltam pontos importantes para o país chegar à ambiciosa meta estipulada em lei.
Como lembra Renato Fernandes de Castro, membro do escritório Almeida Prado & Hoffmann Advogados, o marco legal de saneamento básico estabeleceu a universalização dos serviços de acesso à água potável e coleta de esgoto como meta nacional.
De acordo com o artigo 11-B da Lei nº 11.445/2007, os contratos de prestação de serviços de saneamento básico deverão garantir o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033.
“Esse mesmo dispositivo legal estabel
Passados quatro anos da promulgação do Marco Legal do Saneamento Básico, instituído pela Lei nº 14.026/2020, já é possível observar algum avanço no número de domicílios com coleta e tratamento de esgoto, um dos maiores desafios do setor, mas ainda faltam pontos importantes para o país chegar à ambiciosa meta estipulada em lei.
Como lembra Renato Fernandes de Castro, membro do escritório Almeida Prado & Hoffmann Advogados, o marco legal de saneamento básico estabeleceu a universalização dos serviços de acesso à água potável e coleta de esgoto como meta nacional.
De acordo com o artigo 11-B da Lei nº 11.445/2007, os contratos de prestação de serviços de saneamento básico deverão garantir o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033.
“Esse mesmo dispositivo legal estabelece a necessidade de se melhorar a intermitência do abastecimento, reduzir as perdas e aprimorar os processos de tratamento”, diz ele.
O último Censo Demográfico, realizado em 2022, revelou que apenas 62,5% da população do Brasil morava em domicílios conectados à rede de coleta de esgoto.
Esse número aumenta para 75,7% quando se considera os que vivem em domicílios com esgotamento por rede coletora ou fossa séptica.
“A comparação entre o Censo de 2010 e o de 2022 indica que todos os estados registraram aumento da proporção da população residindo em domicílios com coleta de esgoto e dos habitantes morando em domicílios com esgotamento por rede coletora ou fossa séptica”, observa o advogado, destacando que 64,5% da população vivia em domicílio com esgotamento sanitário por rede coletora ou fossa séptica em 2010, em um aumento de mais de 10% nos últimos 12 anos.
Apesar de positivo, é forçoso constatar que esse ritmo de crescimento não permite ao país alcançar a meta de 90% de cobertura até 2033, conforme estabelecida no marco legal. No que se refere ao acesso à água potável, o Censo 2022 informa que 83,88% dos domicílios são abastecidos por rede de água.
“Esse número não se mostra tão distante da universalidade que se pretende alcançar, revelando que a coleta e o tratamento adequado do esgoto são os maiores desafios do saneamento básico nacional”, complementa Castro.
Estados da região Norte apresentam os piores índices nacionais de coleta de esgoto
Nesse contexto, o principal obstáculo enfrentado pelo setor envolve o volume de investimentos, ainda muito aquém dos compromissos legais assumidos para universalizar o acesso aos serviços no prazo previsto em lei.
“Para que isso ocorra, é fundamental um ambiente regulatório e jurídico adequado, de forma a viabilizar a realização dos investimentos e promover o retorno financeiro dos investidores”, reforça o advogado.
DÉFICIT
De acordo com o “Painel Saneamento Brasil”, produzido pelo Instituto Trata Brasil (ITB) com base em informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS/2021, o Brasil atualmente conta com 15,8% da população sem acesso à água e 44,2% aos serviços de esgotamento.
O documento mostra que a região Sudeste é a que conta com os melhores índices de universalização nos serviços no país, sendo que apenas 8,5% do total não possui acesso à água, ao passo que 18,3% não desfrutam de coleta de esgoto.
A Região Metropolitana de São Paulo destaca-se nesse ranking com índices de 1,5% e 6%, respectivamente.
Para especialistas, país ainda conta com investimentos muito aquém do necessário
Ainda de acordo com dados apresentados pelo ITB, o Distrito Federal é o único ente da federação que já atingiu todas as metas do Marco Legal, com 99% da população abastecida por rede de abastecimento de água, 90,90% com coleta de esgoto e 90,03% com tratamento.
Por outro lado, os estados da região Norte apresentam os piores índices nacionais de coleta de esgoto, com 6,66% em Rondônia e 6,91% no Amapá. Destaca-se positivamente o estado de Roraima, com 63,26% em coleta de esgoto e 70,39% em tratamento.
Segundo Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, o país deu um grande passo com a aprovação do marco legal, trazendo um senso de urgência para seus mais de 5.550 municípios ao estabelecer planos de universalização, obras prioritárias e volume de investimentos, além de critérios de avaliação da capacidade econômico-financeira para expansão do saneamento.
“Em alguns casos, constatou-se que não haveria capacidade econômica e financeira e, assim, foram realizados editais e leilões para a realização de Parcerias Público-Privadas e concessões, buscando garantir a alavancagem de um maior volume de investimentos”, ela comenta.
“Em outras situações, buscou-se atrair financiamentos nacionais e internacionais para aumentar a celeridade nos investimentos e garantir a universalização no prazo estipulado.”
Desde 2019, a participação privada dobrou o número
de municípios atendidos, mas ritmo ainda é insuficiente
Segundo Luana Pretto, a questão central é que “o saneamento não vai ser resolvido apenas com o braço público e privado, mas sim com uma união de esforços para que o saneamento realmente aconteça”.
Até porque, ela lamenta, o país ainda conta com investimentos muito aquém do necessário. “O país tem investido em média R$ 111 por ano por habitante, ou R$ 20 bilhões, mas deveria investir R$ 231 reais por ano por habitante, ou um total de R$ 47 bilhões, de acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab)”, constata.
E esse déficit de investimentos tem um preço, especialmente para o avanço na coleta e tratamento de esgoto doméstico no país.
Ao lado de dificuldades de planejamento de médio a longo prazo, os principais obstáculos estão ligados justamente ao financiamento de projetos e execução de redes de coleta e de estações de tratamento de esgoto (ETEs).
Outro ponto crítico é a falta de conscientização da própria população. “Parte da população não vê importância no descarte correto de efluentes domésticos, deixando de pressionar o poder público no sentido de exigir a construção de redes de coleta e ETEs”, comenta Sibylle Muller, CEO da NeoAcqua, especializada em sistemas para tratamento de efluentes sanitários e industriais.
INVESTIMENTOS
Se o desafio é grande, as esperanças recaem sobre a efetividade da lei em acelerar os investimentos na área. Desde a aprovação do novo marco legal, a participação das empresas privadas no saneamento aumentou significativamente, dobrando o número de municípios atendidos nos serviços de água e esgoto, que passaram de 219 em 2019 para 515 em 2021.
“Esse cenário só foi possível com as alterações da lei, que dentre outras novidades passou a não permitir a outorga dos serviços de saneamento básico sem ser precedido de concorrência pública, ainda que se trate de empresa estatal”, retoma Castro, acrescentando que “essa exigência, aliada à necessidade de comprometimento contratual por parte da concessionária com o cumprimento das metas de universalização, promovem um ambiente mais propício para a realização da investimentos privados nos municípios brasileiros”.
De acordo com o SNIS, em 2022 foram investidos R$ 22,5 bilhões em sistemas de água e esgoto. No ano anterior, o investimento foi de R$ 17,3 bilhões, mostrando um aumento de aproximadamente 30% nos investimentos na área. O estado que recebeu a maior parte dos investimentos foi São Paulo, com 6,4 bilhões de reais.
O Sudeste, que apresenta os melhores indicadores, vem recebendo o maior volume de investimentos, chegando a R$ 11 bilhões em 2022. Como comparação, a região Norte, que apresenta índices mais preocupantes, recebeu apenas cerca de R$ 974,1 milhões no mesmo ano.
Dentre as maiores cidades do país, as localidades que apresentam os melhores índices investem em média R$ 84,55 por ano por habitante, enquanto as piores investem apenas R$ 29,31 na mesma relação.
Projetos de regionalização buscam acelerar a
universalização do esgotamento sanitário no país
Sendo assim, a conta não fecha. Mesmo com o avanço significativo obtido em algumas regiões, é possível afirmar que a manutenção do atual ritmo de investimentos não permitirá o cumprimento da meta até 2033.
“De acordo com o setor de economia do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estima-se que são necessários investimentos na ordem de R$ 31,5 bilhões por ano para o país alcançar a meta de universalização”, reitera o advogado do escritório Almeida Prado & Hoffmann, citando uma cifra menor que a projetada pelo Plansab, ainda assim preocupante.
PROJETOS
Como se vê, o avanço nos projetos é urgente para o setor. Desde 2020, já foram realizados leilões e licitações em alguns estados e municípios, com modelagens diversas.
De acordo com Luiz Henrique Mazetto Veronezi, sócio do escritório PLKC Advogados, o maior projeto recente do país foi a concessão da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro).
O projeto, diz ele, merece menção pelos valores de investimento e de outorga – ambos no montante de R$ 24,89 bilhões –, além do fato de que se baseia na regionalização dos serviços visando à universalização. O especialista cita ainda as PPPs da estatal Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Ceará), licitadas em 2022.
“Os blocos 1 e 2 têm previsão de investimentos de R$ 2,7 e R$ 3,5 bilhões, respectivamente, cobrindo 24 municípios no período entre 2023 e 2052”, detalha Veronezi.
Outro projeto de destaque é a concessão dos serviços de distribuição de água e esgoto conduzida em Alagoas, que cobre 73,09% do território do estado, dividida em três blocos e agrupando 74 municípios, incluindo a capital, Maceió. Conjuntamente, os três leilões realizados entre 2020 e 2021 resultaram na arrecadação de aproximadamente R$ 3,6 bilhões em outorgas.
“Os projetos prometem a realização de cerca de R$ 5,2 bilhões em investimentos nos próximos 35 anos, de acordo com informações públicas oficiais”, diz.
Na região Sul, a privatização da Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) teve a maior repercussão.
O processo foi concluído em julho de 2023, com a assinatura do contrato de venda da companhia, que foi arrematada em leilão pelo valor de R$ 4,15 bilhões, com investimentos estimados em mais de R$ 15 bilhões nos próximos anos.
Com isso, serão prestados serviços de saneamento em 317 municípios gaúchos até 2033 – data-limite para a universalização dos serviços, conforme prevê o novo marco.
Ainda no Sul, a Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná) vem estruturando projetos de PPPs desde junho de 2023, prometendo R$ 1,2 bilhão de investimentos em 16 municípios da Região Metropolitana de Curitiba e no litoral.
No dia 21 de maio deste ano serão leiloados contratos para a prestação dos serviços nas microrregiões centro-leste e oeste do estado. O certame deve ser dividido em três lotes.
No Sudeste, a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) – que tem enfrentado resistência no estado – prevê investimentos de cerca de R$ 260 bilhões até 2060.
Desse total, R$ 68 bilhões serão destinados aos esforços para alcance da meta de universalização, antecipada pelo governo de 2033 para 2029.
Com previsão de investimentos de cerca de R$ 260 bilhões
até 2060, privatização da Sabesp é polêmica
Maior empresa de saneamento básico da América Latina, a Sabesp é responsável pelo fornecimento de água e serviços de coleta e tratamento de esgotos para 375 municípios no estado, totalizando 10,2 milhões de ligações cadastradas de água e 8,6 milhões de ligações de esgotos.
“O período de contribuições da consulta pública se encerrou no dia 15 de março, e a desestatização vem se tornando cada vez mais palpável”, complementa Veronezi.
SOLUÇÕES AMBIENTAIS
Técnicas dependem do grau de tratamento almejado do esgoto
Segundo o advogado Renato Fernandes de Castro, do escritório Almeida Prado & Hoffmann, diversas técnicas permitem realizar o tratamento de esgoto, cabendo avaliação para se chegar à melhor solução ambiental e à entrega de um serviço adequado e com qualidade aos usuários.
“Não há como afirmar que uma solução é mais adequada que a outra, pois é necessário analisar tecnicamente cada caso para justificar a utilização de uma solução em detrimento de outra”, diz ele.
Para o tratamento de efluentes, especificamente, a técnica escolhida depende das características do esgoto a ser tratado e do grau de tratamento almejado.
A utilização de lagoas de decantação, por exemplo, é indicada para sistemas mais simples, nos quais não se busca alcançar padrões elevados de qualidade do efluente, pois a eficiência na remoção de coliformes é baixa.
“Pode-se dizer que as lagoas de estabilização resolvem problemas no curto e médio prazo, até pelas limitações operacionais que apresentam”, avalia Álvaro José Menezes da Costa, diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES).
Costa, da ABES: limitações operacionais no tratamento de esgoto
Segundo Castro, já há estudos sobre técnicas mais modernas para tratamento de água e esgotamento sanitário, mas a aplicabilidade dessas opções depende dos valores disponíveis para a adoção.
“Um exemplo é a tecnologia holandesa Nereda, composta por um processo 100% biológico que não utiliza produtos químicos, tem custo energético menor e exige espaços reduzidos para a implantação, o que a torna mais eficiente que as lagoas de decantação”, ele explica.
De acordo com a CEO da NeoAcqua, Sibylle Muller, à medida que a urbanização aumenta, muitas soluções tendem a se tornar impróprias, especialmente as que requerem grandes áreas e podem produzir mau cheiro por falta de oxigênio e reações anaeróbias.
“Portanto, são alternativas que não devem estar implantadas próximas às pessoas para não causar desconforto”, finaliza.♦
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