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Revista GC - Ed.42 - Outubro 2013
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Logística

Brasil tenta romper as fronteiras da estagnação

Indefinições e questionamentos do Tribunal de Contas da União esfriam o interesse dos investidores privados nas novas concessões ferroviárias planejadas pelo Governo federal

Ainda não será neste ano que o País terá ampliada, de forma significativa, sua malha ferroviária. Depois dos estudos e desenvolvimento dos projetos por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), e da formulação de um modelo de licitação que não passou no crivo do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo promete regular o modelo de licitação na área por meio de uma medida provisória (MP), ou projeto de lei.

Apesar das intenções governamentais em abrir um leilão ainda neste ano, o mercado investidor mostra-se reticente sobre essa agenda, principalmente após os resultados da primeira rodada de licitações do Programa de Concessões Rodoviárias. Dos dois leilões de concessão de rodovias escolhidos para inaugurar o programa, um deles – o trecho da BR-262 (MG-ES) – não atraiu investidor. Deu “vazio”, no jargão dos investidores. Já o leilão da BR-050 foi bem-sucedido, recebendo oito propostas.

Se, por um lado, o governo federal mostra-se flexível para adaptar o seu programa de concessões às condições do mercado, por outro, essas mudanças de regras lançam dúvidas e


Ainda não será neste ano que o País terá ampliada, de forma significativa, sua malha ferroviária. Depois dos estudos e desenvolvimento dos projetos por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), e da formulação de um modelo de licitação que não passou no crivo do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo promete regular o modelo de licitação na área por meio de uma medida provisória (MP), ou projeto de lei.

Apesar das intenções governamentais em abrir um leilão ainda neste ano, o mercado investidor mostra-se reticente sobre essa agenda, principalmente após os resultados da primeira rodada de licitações do Programa de Concessões Rodoviárias. Dos dois leilões de concessão de rodovias escolhidos para inaugurar o programa, um deles – o trecho da BR-262 (MG-ES) – não atraiu investidor. Deu “vazio”, no jargão dos investidores. Já o leilão da BR-050 foi bem-sucedido, recebendo oito propostas.

Se, por um lado, o governo federal mostra-se flexível para adaptar o seu programa de concessões às condições do mercado, por outro, essas mudanças de regras lançam dúvidas e inquietam parte dos investidores, avessos aos riscos, segundo os especialistas.

Pelo calendário original anunciado há mais de um ano, os 10 mil km de ferrovias já deveriam ter sido leiloados e os investimentos previstos de R$ 99,6 bilhões, já poderiam estar em andamento. Mas a avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU) indicou a necessidade de formalizar regras mais claras de funcionamento da concessão, indo de encontro às objeções do mercado. Juntos, o TCU e o mercado deram um bom motivo para o governo refazer o caminho, buscando ajustar os pontos que possam se traduzir em obstáculos para o sucesso não somente do modelo de concessão da área ferroviária, mas indicando também reformulação nos modelos de concessão de outros setores, como portuário, aeroportuário e rodovias.

A nova regulamentação a ser proposta pelo governo na medida provisória que enviará ao Congresso Nacional deverá prever, entre outros pontos, que o concessionário será responsável pela construção e operação da linha férrea, o que significa uma mudança substancial em relação ao modelo anteriormente desenvolvido, que separava, para efeito de concessão, a construção e manutenção da via permanente da operação ferroviária propriamente dita. A estatal Valec deverá ser substituída pela Empresa Brasileira de Ferrovias (EBF), a ser criada, que se encarregará da compra e revenda do total da capacidade de carga da linha. Essa atribuição deverá constar na nova regulamentação. O modelo pretende estabelecer claramente como será feita a remuneração dos concessionários. Para isso, haverá um aporte de R$ 15 bilhões do Tesouro Nacional na estatal responsável pela gestão (Valec/EBF).

A previsão é de que tais ajustes devam satisfazer às dúvidas e indiferenças do mercado, que tem rejeitado o formato original da licitação sob a alegação de insegurança quanto à solidez da Valec no processo – é o chamado “risco Valec”. A questão que se coloca a partir de agora é como compatibilizar essas reformulações e o calendário apertado, pois o governo federal mantém o propósito de leiloar um trecho ferroviário, segundo o ministro dos Transportes, César Borges.

“Nossa expectativa é de que consigamos leiloar, pelo menos, um trecho ferroviário ainda este ano. Vamos fazer o máximo possível em 2013, mas precisamos de solidez no processo”, declarou o ministro. Para ele, não há de fato o chamado “risco Valec”, porque, a seu ver, a nova estatal terá a segurança e a garantia do Tesouro Nacional para honrar seus compromissos. “Já foram injetados R$ 15 bilhões na Valec e a EBF pagará aos concessionários recebíveis garantidos pelo Tesouro, que serão títulos que poderão ser aceitos pelos bancos. Vamos dar essa segurança ao mercado”, disse.

Mas em alguns segmentos, a percepção é de que a lei poderá impor alterações no modelo, com risco de revisão de estudos técnicos que já estão prontos assim como da própria formação do leilão. Se as estimativas do presidente do TCU, Augusto Nardes, estiverem certas, a proposta do governo para a nova legislação deve ser apresentada até o fim de novembro, às vésperas do recesso parlamentar. Diante do período eleitoral no próximo ano, a expectativa para muitos é de que a primeira licitação ferroviária, inicialmente marcada para outubro e postergada para novembro, ocorra efetivamente na próxima gestão governamental.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate, é necessária a “saída” da Valec para dar credibilidade à gestão governamental nas concessões. Ele reconhece que o mercado precisa ter uma garantia adicional de receita durante todo o contrato. “É uma reestruturação necessária para apagar um nome que não vinha bem no mercado.” Para ele, o atraso decorrente do processo não soa como tempo perdido, porque o modelo em construção para o trecho Açailândia-Barcarena servirá de modelo para os demais. “O que aconteceu de um ano para cá não é perda de tempo, é um tempo de aperfeiçoamento para que, quando sair o edital, não haja tantas dúvidas”, finalizou Abate, que se mantém otimista: “O Brasil em 2014 será um canteiro de obras”.

R$ 99,6 bilhões de investimentos

O Programa de Investimentos em Logística, lançado em agosto do ano passado, representa um dos maiores aportes de investimento já previsto no Brasil, na área logística. O programa inclui um conjunto de projetos e prevê parcerias em projetos logísticos que deverão integrar as redes rodoviária, ferroviária, portuária e aeroportuária. Segundo o programa, o setor ferroviário é uma das principais prioridades governamentais, com um volume de investimento da ordem de R$ 99,6 bilhões, seja em construção e/ou melhoramentos, ao longo de 11 mil km de linhas férreas. O plano prevê que a maior parte desse volume, cerca de R$ 58 bilhões, deva ser aplicada nos cinco primeiros anos e as concessões devem vigorar por 35 anos.

O programa contemplou, em seu formato original, um modelo de concessão, em que os concessionários seriam responsáveis pela infraestrutura, sinalização e controle da circulação de trens. A concessão, pelo prazo de 35 anos, prevê ferrovias de bitola larga (1.600 mm), com alta capacidade de carga e traçado geométrico otimizado que permita maiores velocidades (80 km/h).

O modelo de licitação que foi concebido – e não foi aprovado pelo TCU – deverá passar por mudanças por meio de um projeto de lei. Ele previa entre outros itens: que a concessionária deteria o direito de exploração da ferrovia; a Valec compraria a totalidade da capacidade da ferrovia, remunerando a concessionária por uma tarifa (Tarifa pela Disponibilidade da Capacidade Operacional); a Valec subcederia, a título oneroso, partes do direito de uso aos usuários; a concessionária prestaria serviços de operação diretamente aos usuários, que a remunera através de outra tarifa (Tarifa de Fruição), na medida da utilização da ferrovia.

Com vistas a reduzir o risco do investidor, a empresa estatal Valec também seria responsável pela compra anual de toda a capacidade operacional da ferrovia fazendo ofertas públicas da capacidade adquirida, garantindo-se o direito de passagem na circulação de trens ao longo de toda a malha. A capacidade seria então ofertada a embarcadores, operadores ferroviários independentes e concessionários ferroviários (desde que de outros trechos ferroviários). O modelo previu um grande aporte de investimentos para ser realizado durante os primeiros cinco anos de contrato, com os bancos públicos brasileiros respondendo pelo financiamento de até 70% do valor do investimento, com uma taxa de juros de 1,0% mais a TJLP.

Segundo as informações do governo, a Valec anteciparia receitas pela disponibilidade da capacidade operacional durante o período de obras, em valor equivalente a 15% do Capex total de referência – a serem abatidos linearmente durante os anos operacionais da remuneração ordinária, desde que o concessionário cumpra o cronograma de execução física.

Oportunidades nos trilhos

O programa governamental destacou inicialmente os seguintes trechos a serem licitados, contemplando os principais corredores logísticos do País.

Trechos ferroviários que serão construídos e modernizados:

 











Região Norte é concentradora de demanda

O primeiro trecho a ser licitado, que deve ocorrer ainda em outubro, é o de Açailândia (MA) e Barcarena (PA), onde fica o Porto de Vila do Conde. A licitação desse trecho servirá de parâmetro para as licitações seguintes, previstas para os trechos de Lucas do Rio Verde (MT) e Uruaçu (GO) e entre Estrela d’Oeste (SP) e Maracaju (MS).

Após a assinatura do contrato de concessão, a concessionária terá prazo de quatro anos para concluir sua implantação. A ferrovia, que terá extensão de 457 km, receberá investimentos de R$ 3,25 bilhões. O projeto foi idealizado com o propósito de ampliar e integrar o sistema ferroviário nacional e estabelecer  sua interligação com o Complexo Portuário de Vila do Conde, localizado em posição estratégica em relação aos portos da Europa e da costa leste da América do Norte. A implantação desse trecho proporcionará nova logística de transporte de minério de ferro e o desenvolvimento da exploração de outros minerais.

A obra viabilizará nova opção para o escoamento de carga geral, petróleo e derivados, além da produção de açúcar, milho, etanol, soja e seus subprodutos, como farelo e óleo. Futuramente, a ferrovia funcionará como extensão da ferrovia Norte-Sul, permitindo a interligação entre a Região Norte e os portos de Rio Grande (RS), Santos (SP) e Itaguaí (RJ), cortando o interior do Brasil. A ferrovia atravessará os municípios de Açailândia (MA), Itinga (MA), Dom Eliseu (PA), Ulianópolis (PA), Paragominas (PA), Ipixuna do Pará (PA), Tomé-Açu (PA), Acará (PA), Moju (PA) e Abaetetuba (PA), até chegar ao Porto de Vila do Conde, no município de Barcarena (PA). “A Norte-Sul será uma grande coluna vertebral brasileira para levar as cargas do Centro-Oeste, em especial os grãos da safra de soja, para que possam ser escoados por meio do Porto de Vila do Conde, já próximo do Equador, portanto, com a vantagem competitiva muito grande para chegar aos mercados da Europa, ao mercado asiático, porque estará próximo ao Canal do Panamá e também ao mercado americano», disse o ministro César Borges.

Logística: o maior vilão do país

A logística no Brasil é dependente do transporte rodoviário inclusive nas longas distâncias, onde não é competitivo, e que por sua vez já opera no limite de sua capacidade, com uma frota de idade média estimada de 18 anos. Os problemas tem se avolumado com a expansão agropecuária. É um longo tempo de espera nas operações de carregamento e descarregamento, ampliando o chamado custo Brasil.

A infraestrutura ferroviária moderna é restrita a poucos corredores dedicados ao transporte de minério de ferro, sendo que dois terços da malha ferroviária existente não estão sendo explorados. Esses trechos, construídos há mais de 100 anos, não passaram por nenhum processo de modernização, exceto aqueles ramais ocupados pelo transporte de minério de ferro, operando com defasagem tecnológica e equipamentos envelhecidos. O mercado, por sua vez, não oferece a segurança e garantias de atendimento ao crescimento previsto, com baixo padrão de produtividade, pressão de demanda e oferta limitada, além do ambiente monopolista, segundo os estudos governamentais.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que o custo logístico no Brasil chega a 6,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Para uma comparação, nos Estados Unidos, por exemplo, o valor fica em aproximadamente 4%. Em contrapartida, o investimento feito no sistema de transportes aqui no País é de aproximadamente 0,6% do PIB, enquanto nos EUA chega a 7,7%. “Para dar resposta à demanda, deveríamos multiplicar por cinco o que investimos hoje em rodovias, portos, aeroportos e ferrovias”, diz o coordenador de Infraestrutura do Ipea, Carlos Campos. O Brasil tem aplicado, em média, R$ 25 bilhões anuais nesta área.

Segundo o Relatório de Competitividade Global para 2013-2014, o Brasil perdeu oito posições no ranking de competitividade do Fórum Mundial, passando de 48o lugar para a 56a posição. Por trás desse recuo, está principalmente a má qualidade da infraestrutura. Neste quesito, o País ficou em 114o lugar e a deficiência foi apontada como principal problema para fazer negócios no Brasil. E, quando o assunto é transportes, a colocação piora ainda mais: em qualidade de rodovias o Brasil alcançou a 120a posição; de portos, a 131a; de aeroportos, 123a; e de ferrovias, a 103a colocação. O estudo avalia 148 economias com base em dados de 5,6 mil organizações internacionais.

 

 

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