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Os desafios da integração

Concessão inaugura novo modelo ao integrar serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de resíduos

Revista M&T

04/08/2022 13h40 | Atualizada em 10/11/2022 15h09


O conceito de saneamento básico é amplo e envolve abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais, sendo que três desses sistemas estão diretamente relacionados às unidades habitacionais: água, esgoto e lixo.

Historicamente, o usuário brasileiro nunca relacionou abastecimento de água e esgotamento sanitário com manejo de re

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O conceito de saneamento básico é amplo e envolve abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais, sendo que três desses sistemas estão diretamente relacionados às unidades habitacionais: água, esgoto e lixo.

Historicamente, o usuário brasileiro nunca relacionou abastecimento de água e esgotamento sanitário com manejo de resíduos sólidos. Porém, um leilão de concessão em São Simão (GO) – município com cerca de 20 mil habitantes – realizado em fevereiro, inaugurou esse modelo ao integrar os três serviços em seu projeto de gestão. Até então, os leilões de saneamento para o setor privado abrangiam somente água e esgoto.

Formado pela Orbis (80%) e pela Vital Engenharia Ambiental (20%), o Consórcio São Simão Saneamento foi vencedor do leilão. A concessionária deverá investir cerca de R$ 50 milhões ao longo de 35 anos de concessão. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) – que tem defendido modelos mais pulverizados, para evitar a predominância de oportunidades somente para grandes grupos – elogiou o leilão.

O contrato tem como metas a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em até cinco anos, além da construção de um novo aterro sanitário para resíduos sólidos urbanos em três anos. O projeto foi estruturado pela Caixa, em parceria com o Ministério da Economia e o Ministério do Desenvolvimento Regional. “É uma experiência válida como laboratório, uma vontade dos formuladores de políticas públicas em ter esse tipo de leilão integrado”, diz Percy Soares Neto, diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon). “Vai ser importante para saber se dá resultado, e como vai ser a regulação.”

De saída, o executivo ressalta o fato de ter havido concorrência. “Inicialmente, havia desconfiança sobre o grau de interesse”, comenta. “Mas, no momento que diferentes empresas fizeram suas propostas, mostrou-se a disposição do mercado para esse tipo de iniciativa.”


Município de São Simão tornou-se pioneiro na integração dos serviços

COMPLEXIDADE

Apesar de contar com legislação específica desde 2010, a disposição de rejeitos sólidos urbanos nunca avançou o suficiente no país. Até existem projetos de geração de energia a partir do lixo, mas de modo geral o manuseio de resíduos sólidos segue como uma questão mal resolvida no Brasil.

Especialista em projetos de concessão, o economista Daniel Keller, sócio da Una Partners e consultor do Banco Mundial, acredita que, a partir de agora, pode haver uma pressão maior para enfim se solucionar a disposição dos resíduos sólidos no país, especialmente com a necessidade de universalização de água e esgoto até 2033.

Todavia, as atividades de manusear lixo e água e esgoto são distintas. E esse é o grande desafio não só do município de São Simão, como da própria estruturação de projetos de concessões integradas de saneamento. “Em geral, o técnico que trabalha com tratamento de água e esgoto não mexe com resíduo”, diz Keller. “Pode-se ter ganho de escala no ponto de vista administrativo, mas do ponto de vista do negócio, o assunto é bem mais complexo.”

O fato é que, quase sempre, as empresas que trabalham com resíduos e água e esgoto são diferentes, com foco em uma ou outra área. “Essas grandes empresas de água e esgoto poderiam ter um business associado a resíduo”, diz o economista. “Há empresas de resíduos que agora estão olhando para água e esgoto, de modo que há chance de ganhos de escala. Mas ainda existe um trabalho para [o setor] evoluir nesse sentido.”

Com a concessão integrada pioneira de São Simão, é provável que empresas dos três segmentos já estejam estudando formas de sinergia, ele acredita. Por outro lado, o especialista vê o setor de resíduos com problemas históricos de governança. “O setor de água e esgoto tem grandes empresas com melhor grau de compliance”, aponta. “Nesse aspecto, juntar as atividades pode ser um aspecto positivo.”

Para ele, também é positivo que ocorram novas concessões integradas de água, esgoto e resíduos, especialmente em municípios de menor porte, como é o caso de São Simão. “É possível replicar o modelo”, analisa Keller. “No entanto, no curto e médio prazo a inserção do segmento de resíduos em processos de concessão em bloco, com vários municípios, é bem mais complexa.”

Nesse ponto, Soares, avalia que “a experiência de concessão integrada talvez devesse ser replicada em um município de porte maior”.


Soares: experiência válida como laboratório

TARIFAS

A gestão de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo (2001-2004) foi marcada pela criação de taxas de lixo e iluminação pública. À época, foram estridentes as críticas aos novos impostos. “Mas faz sentido o consumidor pagar pela coleta do resíduo, embora historicamente a prática não seja essa no Brasil”, diz Keller. “Existe uma barreira cultural muito clara nesse sentido.”

Amplamente conhecida, a tarifa de esgoto já é universalmente calculada no valor de 80% do valor consumido de água. Mas existe a necessidade de informar na conta a cobrança da taxa de manuseio de resíduo. No caso da concessão integrada de São Simão, a tarifa de resíduos sólidos será vinculada ao consumo de água.

Segundo estudos compartilhados por ocasião da concessão, o consumo de água possui uma alta correlação com a geração de lixo. Antes do leilão, inclusive, o tema foi amplamente debatido em audiências públicas, já que estava sendo inserida uma nova taxa na conta do consumidor. “Água e esgoto todo mundo paga, porque afinal sempre foi assim. Se não paga, a água é cortada. Mas, e quanto ao lixo?”, indaga o especialista.

No caso da iluminação pública, a taxa é cobrada na conta de luz sob a sigla Cosip (Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública). “Se o munícipe não paga a conta de luz, não vão cortar a iluminação pública”, compara Keller apontando para o potencial de atrito. “Por outro lado, quando tudo é modelado junto, com taxas de água, esgoto e resíduo em uma só conta, existe chance maior de o usuário pagar pelo serviço”, avalia.


Keller: estruturação de projetos integrados é complexa

DEBATE

Apesar do potencial alvoroço, uma PPP do Ceará desperta interesse do setor privado. O governo do estado prevê lançar em breve o edital para prestação de serviços em esgotamento sanitário e serviços acessórios na área urbana de 23 municípios, envolvendo parte da região metropolitana de Fortaleza e da região de Juazeiro do Norte. O projeto foi estruturado pelo BNDES e prevê o atingimento das metas do novo marco legal de saneamento em 11 anos, alcançando 1,6 milhão de pessoas. Os investimentos são estimados em R$ 7 bilhões ao longo dos 30 anos de concessão, sendo R$ 3,2 bilhões nos cinco primeiros anos. O leilão pode ocorrer no segundo semestre.

No entanto, há uma discussão se a PPP contraria o novo marco, especialmente no que se refere à participação da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) na parceria, que – de acordo com o decreto – deve ser limitada em até 25% do valor do contrato. “A discussão que envolve essa PPP aponta para uma das disfunções do novo marco”, admite Soares Neto.

A Cagece, uma das primeiras companhias estaduais de saneamento a comprovar capacidade técnica no âmbito do marco legal, tem boa saúde financeira e eficiência operacional comparável à maioria das estatais de saneamento. “Sabe-se que as PPPs podem ser uma saída para o poder concedente e as companhias estaduais resolverem os problemas de investimentos para alcançar a meta de universalização”, analisa Keller. “Afinal, são investimentos cavalares.”

O especialista se refere ao considerável volume de recursos necessários para a universalização de água e esgoto no país até 2033. “Para as companhias estaduais, dividir as responsabilidades com a iniciativa privada em uma PPP é uma boa opção”, avalia o economista.


Debate sobre PPP no Ceará revela disfunções do novo marco

A proposta da PPP é que as companhias estaduais com capacidade financeira comprovada possam lançar mão de projetos de parceria com a iniciativa privada a fim de alcançar a universalização. A proposta é defendida até mesmo pelos grandes grupos de água e esgoto. “O limite de parceria público-privada reduz o número de alternativas que os governos municipais e estaduais têm de levar saneamento às pessoas”, sublinha Soares. “Enquanto o país precisar de saneamento, a gente entende que todas as alternativas devem estar na mesa.”

MODELAGEM

Para o diretor-executivo da Abcon, a limitação de 25% tentou reverter uma exceção feita no texto da Lei no 14026, ato administrativo que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico em caráter de norma jurídica e, portanto, acima do decreto. “Mas é inócua”, crava Soares.

Na visão de Keller, o decreto evidencia que “o Ministério da Economia não quer que companhias estaduais ineficientes tenham alta participação nos contratos de PPPs”. Contudo, além do fato de a Cagece não estar inserida no quadro de ineficiência, há uma discussão jurídica sobre o limite de 25% em PPPs e, ainda, se a receita da empresa nessa PPP específica estoura esse limite. “O que é esse critério de 25%?”, pergunta Keller, ilustrando as pontas soltas na questão. “E qual é o valor do contrato? Lendo [o decreto], seria a receita da companhia daquilo que será repassado para a PPP, que não pode ser superior a 25%”, pondera.

No caso da Cagece, ele acentua, quando se faz a conta da receita da companhia e de quanto está projetado para ser repassado à concessionária da PPP, dá mais que 25%. Mas há um terceiro aspecto, como aponta o especialista. Os projetos de licitação de saneamento têm saído com ágio alto de outorga (leva quem pagar mais). “Na Cagece, o leilão será por desconto na tarifa”, ele explica. “Então, espera-se que o desconto seja alto também na tarifa (como o ágio de outorga foi alto em outros leilões). Se faço a conta do estudo de viabilidade, dá mais de 25%, mas a conta que tenho que fazer é do resultado do leilão. Então, tem que esperar o leilão”.


Para especialista, governo não quer que companhias estaduais ineficientes tenham alta participação nos contratos de PPPs

Para o economista, o BNDES tem trabalhado com ágio alto na estruturação de projetos. A perspectiva de desconto de 30% ou 35% da tarifa na PPP da Cagece é bastante provável, avalia Keller, até pela demonstração de interessados em participar do leilão. Por esse aspecto, a PPP no Ceará pode dar à Cagece uma participação menor que 25% do valor do contrato – portanto, abaixo do limite determinado pelo decreto do marco, encerrando a questão. Keller lembra ainda que o BNDES, a Cagece e os municípios participantes querem fazer a PPP. “O projeto também tem interesse de grandes companhias privadas”, diz ele.

De acordo com Soares, ao criar-se discussão em torno de um projeto que já está pronto, bem estruturado e que possui atratividade do mercado, tem-se um atraso para o setor de saneamento. “As pessoas que estão contestando e criticando esse edital, por causa de uma barreira extremamente burocrática, estão atrasando [a meta] de levar saneamento às pessoas”, finaliza.

Saiba mais:
Abcon: https://abconsindcon.com.br
Una Partners: https://una.partners

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