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O futuro da energia nuclear no Brasil

Com um setor bem estruturado em matéria-prima, tecnologia e experiência operativa, o país tem tudo para expandir a participação da energia nuclear na matriz energética

Revista M&T

28/10/2024 11h55 | Atualizada em 29/11/2024 14h22


Em um acordo histórico realizado durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-28, realizada no final de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos), a energia nuclear pela primeira vez foi incluída no programa global de transição energética, devendo triplicar a capacidade até 2050.

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Em um acordo histórico realizado durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-28, realizada no final de 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos), a energia nuclear pela primeira vez foi incluída no programa global de transição energética, devendo triplicar a capacidade até 2050.

De acordo com Raul Lycurgo, presidente da Eletronuclear, a fonte nuclear permite a geração confiável de energia elétrica limpa, já que não emite gases, justificando sua inclusão nos esforços globais.

“Dessa forma, a energia nuclear é fundamental para o mundo atingir a meta de zerar a emissão de gás carbono até 2050”, ele explica, destacando que a fonte utiliza um combustível abundante em território nacional (urânio).

Para Aquilino Senra, professor do Programa de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ, a energia nuclear não só tem um potencial relevante como fonte de baixo carbono como é capaz de fornecer eletricidade de maneira constante e confiável.

“O sistema elétrico brasileiro, cuja geração em sua maioria é composta pela hidroeletricidade, passa por uma transição, necessitando cada vez mais de energia hidrotérmica como a nuclear, para garantir a regulação e segurança de fornecimento”, comenta.

No entanto, aspectos críticos como alto custo para construção das usinas, gestão de rejeitos radioativos, riscos associados à segurança e impactos relacionados à mineração de urânio exigem um gerenciamento cuidadoso e rigoroso.

“Assim como a evolução tecnológica, as regulamentações ambientais e de segurança serão fundamentais para o futuro da energia nuclear no país”, diz Senra.


Senra: regulamentações ambientais e de segurança serão
fundamentais para o futuro da energia nuclear no país

Segundo dados do Sistema de Informação de Potência de Reatores (PRIS, na sigla em inglês), divulgados em 2023, atualmente há 437 reatores nucleares em operação no mundo, com capacidade de gerar 391.398 MWh. Desse total, 93 estão nos Estados Unidos, 56 na França, 55 na China, 37 na Rússia, 25 na Coreia do Sul e 19 na Índia e Canadá, delineia a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), responsável pelo levantamento.

Juntas, as usinas em operação fornecem um quarto da energia no mundo, mas esse número pode aumentar, já que 58 novas usinas estão em construção ao redor do planeta.

De acordo com o Guia de Comunicação Eletronuclear, na América Latina somente três países produzem energia por fonte nuclear, incluindo Brasil, México e Argentina.

O Brasil, especificamente, conta com a maior capacidade de geração na região (1.990 MW), fornecida por duas usinas operacionais, que serão complementas por uma terceira, atualmente em construção.

A Argentina – que tem o maior número de reatores em operação, mas é o segundo país em capacidade instalada na região, com 1.641 MW – está construindo sua quarta usina nuclear, enquanto o México possui duas usinas nucleares, que somam 1.640 MW de capacidade instalada.

PROTAGONISMO

Responsável pela operação das usinas nucleares no país, a Eletronuclear ressalta que as unidades entregam 100% da capacidade em regime 24 x 7.

Por esse motivo, são consideradas fontes de base e geram maior estabilidade à matriz elétrica nacional.

“E o mundo já reconhece a energia nuclear como uma fonte de geração limpa”, acentua o presidente.

Atrelado a disso, a meta de triplicar a geração até 2050 deve aumentar a demanda de urânio, abrindo oportunidades para o Brasil se tornar protagonista nas exportações para o setor.

“Temos uma das maiores reservas de urânio do mundo, sendo que apenas 30% do nosso território foi prospectado, o que pode nos colocar em uma posição ainda melhor”, avalia Lycurgo.

“Ou seja, temos urânio, competência, experiência e mão de obra qualificada para nos tornarmos um grande exportador desse material.”


Com 1.990 MW, o Brasil conta com a maior capacidade de geração na América Latina

Para Senra, o país já desempenha um papel importante na produção de energia nuclear, embora a participação na matriz energética nacional ainda seja relativamente baixa em comparação a outras fontes, como hidrelétricas e termelétricas.

“O Brasil adota uma posição de cautela e pragmatismo em relação à energia nuclear, reconhecendo seu potencial como fonte de energia contínua, confiável e de baixo carbono, mas também levando em consideração os desafios relacionados a segurança, custos e gestão de rejeitos radioativos”, reforça o professor.

Entre as vantagens, ele explica, está o fato de que a energia nuclear não emite gases de efeito estufa durante a operação, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas, especialmente quando comparada a fontes de energia fóssil.

Além disso, apresenta alta eficiência energética, ou seja, um pequeno volume de urânio pode gerar quantidades elevadas de eletricidade.

Como já citado, as usinas nucleares também produzem energia de forma contínua e confiável, ocupando menos espaço físico se comparadas a outras formas de geração, como parques eólicos ou solares, que necessitam de grandes áreas para gerar quantidades equivalentes de eletricidade.

Entre as desvantagens, todavia, destaca-se o risco de acidentes que, embora raros, podem ter consequências severas.

Outra preocupação é a necessidade de gestão longa duração. “Os rejeitos permanecem radioativos por milhares de anos e requerem armazenamento seguro e vigilância no longo prazo, o que representa um desafio técnico e logístico”, comenta Senra.

Outro ponto que torna as usinas nucleares ainda pouco exploradas no Brasil é o desconhecimento da população.

Ciente desse desafio, a estratégia do setor para tornar a energia nuclear mais próxima das pessoas é a transparência.

Para isso, Lycurgo avalia que é preciso veicular uma “comunicação clara”, mostrando todas as externalidades positivas que essa indústria tem a oferecer.

“Inclusive, o desconhecimento pode ser uma das justificativas para a energia nuclear ainda não ser explorada dentro de sua capacidade no Brasil”, aponta o presidente da Eletronuclear.

BRASIL

As duas usinas nucleares brasileiras em operação estão instaladas na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), localizada no município de Angra dos Reis, na Costa Verde do estado do Rio de Janeiro.

A unidade Angra 1, que entrou em operação comercial em 1985, opera com capacidade de 640 MW a partir de um reator de água pressurizada (PWR), o mais utilizado no mundo. Já Angra 2, em operação desde 2001, opera com capacidade de 1.350 MW.

Juntas, as plantas geram em torno de 15 milhões de MW/h anuais, estando localizadas próximas aos principais centros de consumo de energia do país.

“Esse total é capaz de atender a cerca de 6 milhões de habitantes ou toda a iluminação pública do Brasil durante um ano inteiro”, elucida Lycurgo.

Com a conclusão de Angra 3, atualmente em construção e com previsão de operar em 2030, a Central Nuclear passará a gerar o equivalente a 70% de todo o consumo do estado do Rio de Janeiro.

Segundo Lycurgo, a retomada e conclusão da unidade é o principal projeto de expansão da energia nuclear em território brasileiro.

Assim que for finalizada, a terceira usina nuclear brasileira terá potência de 1.405 MW, sendo capaz de produzir cerca de 12 milhões de MWh anuais, o suficiente para atender a 4,5 milhões de habitantes.

“No momento, o empreendimento apresenta um progresso físico global de 66%”, revela.

De acordo com Lycurgo, uma grande quantidade de equipamentos, materiais e componentes já foi adquirida, destacando-se os principais componentes da ilha nuclear (reator nuclear, geradores de vapor e pressurizador, além do conjunto turbina-gerador elétrico), totalizando um valor de cerca de R$ 7,5 bilhões.


Lycurgo: país pode se tornar protagonista nas exportações de urânio

A maior parte do material está estocada em galpões da CNAAA em Angra dos Reis, enquanto alguns itens foram armazenados na sede da Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), em Itaguaí (RJ).

Atualmente, afirma o executivo, a Eletronuclear aguarda a finalização de estudos independentes, em desenvolvimento pelo BNDES, para avaliar a possiblidade técnica, econômica e jurídica do projeto de retomada.

“Após essa etapa, espero que as obras civis deslanchem e a usina possa ser entregue em 2030”, comenta Lycurgo.

Os estudos serão analisados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que ficarão responsáveis por definir a outorga e aprovar a tarifa de comercialização da energia gerada em Angra 3.

Também será realizada uma licitação para contratar a empresa ou o consórcio que vai finalizar as obras civis e a montagem eletromecânica da usina. Isso será feito via contrato de EPC – sigla em inglês para engenharia, gestão de compras e construção.

“Nesse caminho, a construção de Angra 3 tem um papel de destaque na consolidação do setor no país”, diz o executivo, citando um estudo da FGV, divulgado em fevereiro, apontando que, para cada bilhão de reais investidos em energia nuclear, há um acréscimo de R$ 2 bilhões ao PIB nacional, com geração de mais de 22 mil empregos diretos e indiretos.

SEGURANÇA

No que tange à segurança, a AIEA possui uma escala internacional de acidentes nucleares dividida em sete níveis, criada para classificar os eventos e facilitar a comunicação com o público.

“Em quase 40 anos de funcionamento de Angra 1 e pouco mais de 20 anos de Angra 2, jamais ultrapassamos o número zero”, observa Lycurgo.

De acordo com ele, todos os equipamentos usados para manter as usinas em funcionamento têm redundâncias de segurança, ou seja, outros iguais, prontos para serem acionados em emergências.

“E não estamos falando de uma só, mas sim duas, três e até quatro redundâncias para garantir a proteção das atividades”, assegura.

Além disso, uma característica que diferencia o setor das demais indústrias é o intercâmbio de informações entre as centrais ao redor do mundo. Isso permite a análise e posterior implementação de medidas que diminuem os riscos de novos incidentes da mesma origem.

Um exemplo é o Plano Pós-Fukushima, integrado ao escopo do projeto das duas unidades da CNAAA.

“Após o acidente no Japão, em 2011, foi criado um comitê gerencial com a atribuição de elaborar o Plano de Resposta, que passou por análise e aprovação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e da World Association of Nuclear Operators (WANO)”, detalha o presidente.


Prevista para 2030, Angra 3 vai adicionar 12 milhões de MWh anuais à matriz energética nacional

Pela própria localização, a CNAAA tem uma defesa natural que impediria um acidente com a mesma origem de Fukushima.

“Apesar disso, justamente pela redundância, criamos esse plano capaz de garantir a segurança”, sublinha Lycurgo, destacando ainda o Plano de Emergência Local (PEL), coordenado pela Eletronuclear, e o Plano de Emergência Externo do Estado de Rio de Janeiro (PEE/RJ), sob coordenação da Defesa Civil do estado.

Ambos os planos preveem ações de proteção aos empregados da companhia e à população, em um raio de até 15 km da central.

“Não existe melhor exemplo da segurança das usinas nucleares do que os nossos próprios funcionários, que moram em três vilas residenciais próximas às usinas, a primeira a cerca de 1 km”, finaliza.♦

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