Em junho, o Ministério dos Transportes apresentou um novo modelo de concessões rodoviárias visando tornar os contratos mais seguros e sustentáveis do ponto de vista econômico e financeiro. De acordo com a pasta, a necessidade da mudança surgiu da urgência de simplificar o modelo de concessões de rodovias para atrair mais investidores.
Entre os desafios identificados pela gestão estavam a baixa performance dos contratos de concessão, a demora no processo de relicitação (devolução amigável) e novos estudos e, ainda, a insatisfação dos usuários com a baixa execução de obras em contrapartida ao valor tarifário.
Para Rosane Menezes Lohbauer, sócia do escritório Souza Okawa, o governo sinaliza entender que a retomada dos investimentos em infraestrutura é essencial para o desenvolvimento do país nos próximos anos. “Para as concessões rodoviárias, especificamente, isso significa proporciona
Em junho, o Ministério dos Transportes apresentou um novo modelo de concessões rodoviárias visando tornar os contratos mais seguros e sustentáveis do ponto de vista econômico e financeiro. De acordo com a pasta, a necessidade da mudança surgiu da urgência de simplificar o modelo de concessões de rodovias para atrair mais investidores.
Entre os desafios identificados pela gestão estavam a baixa performance dos contratos de concessão, a demora no processo de relicitação (devolução amigável) e novos estudos e, ainda, a insatisfação dos usuários com a baixa execução de obras em contrapartida ao valor tarifário.
Para Rosane Menezes Lohbauer, sócia do escritório Souza Okawa, o governo sinaliza entender que a retomada dos investimentos em infraestrutura é essencial para o desenvolvimento do país nos próximos anos. “Para as concessões rodoviárias, especificamente, isso significa proporcionar um ambiente de segurança jurídica no qual projetos viáveis e com contratos bem-elaborados, além do ambiente institucional, são essenciais para atrair capital privado”, complementa a advogada.
O principal objetivo da nova política de concessões, ela reforça, é tornar os contratos mais sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro, incluindo tarifas mais justas para os usuários. Além disso, a política tem como foco a execução de investimentos para a melhoria da infraestrutura viária.
“Com isso, busca-se endereçar algumas das principais demandas recorrentes de quem trafega pelas rodovias pelo país, como baixa qualidade dos serviços prestados em alguns ativos concedidos, ausência de conclusão de obras e falta de segurança em determinados trechos”, aponta.
Segundo Lucas Hellmann, advogado do escritório Schiefler Advocacia, a nova abordagem do Governo Federal surge em resposta a um cenário crítico para o setor da infraestrutura, em que uma significativa parcela dos 25 contratos de concessão rodoviária geridos atualmente pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) apresenta problemas de desequilíbrio financeiro.
Nova política de concessões visa tornar os contratos mais sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro
“Nesse contexto, a pasta identificou que aproximadamente 5 mil km de rodovias concedidas não estão alcançando o nível de desempenho desejado, devido especialmente a dificuldades enfrentadas pelas concessionárias em cumprir compromissos de investimento”, comenta. “Isso resultou em R$ 20 bilhões em investimentos estagnados e altos índices de insatisfação dos usuários, que esperam obras e serviços condizentes com as tarifas praticadas.”
TECNOLOGIAS
Em termos de operação, Hellmann comenta que o novo modelo apresenta características inovadoras em relação aos contratos anteriores promovidos pelo Governo Federal. A maior novidade, ele explica, é a obrigatoriedade de adoção do “free flow”, sistema de pagamento automático sem praças de pedágio, já utilizado na Rio-Santos (BR-101) e que entrará em testes na Ponte Rio-Niterói até o 5º ano de contrato.
“Além disso, inclui o fomento à adoção de novas tecnologias para segurança e comodidade dos usuários, com recursos tecnológicos que contribuam para vigilância, atendimento e fluxo de veículos”, complementa.
De acordo com Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, os novos projetos também devem contar com evoluções tecnológicas como drones, telemedicina, câmeras com tecnologia OCR de alta precisão, rede 5G e pesagem automática em movimento. “Essas tecnologias contribuem para reduzir o custo para o operador, além de gerarem descontos na tarifa para usuários frequentes”, diz.
Uma das novidades do modelo é a obrigatoriedade de adoção do sistema free flow
Em termos contratuais, o advogado da Porto Lauand Advogados, Carlos Magno de Abreu Neiva, destaca que a adoção de recursos vinculados em todos os casos (com previsão de aumento de acordo com o desconto dado sobre a tarifa na licitação) é uma medida que, ao menos em tese, pode servir para dar maior sustentabilidade econômica aos contratos. “A novidade mais relevante – ao se tornar padrão – é mesmo a utilização dos recursos vinculados, pois isso tem a ver com um aspecto crítico das concessões, que é a sustentabilidade econômica”, diz Neiva.
A nova política, retoma Lohbauer, tem por objetivo recalibrar os incentivos contratuais para que as concessionárias realizem os investimentos obrigatórios no sistema rodoviário no prazo estimado, prestando serviços de maior qualidade aos usuários durante toda a concessão.
Em alguns casos, explica a especialista, o orçamento público eventualmente poderá participar dos projetos em alguma medida, seja mediante aportes para investimentos de grande volume e alto grau de complexidade, ou mesmo visando eventuais reduções tarifárias. “Nesse cenário, as PPPs podem surgir como alternativa para o modelo de concessão que até então tem sido utilizado na esfera federal”, opina.
Quanto aos leilões, a advogada comenta que foi previsto um mecanismo de estímulo ao deságio tarifário pelos licitantes, sem prejuízo à viabilidade econômico-financeira do projeto. Para as licitações por menor tarifa, o governo passará a prever em edital a obrigação de que os licitantes aportem recursos adicionais no projeto, caso o deságio tarifário em suas propostas ultrapasse determinados percentuais.
“A ideia é que, para cada ponto percentual de desconto sobre a tarifa básica de pedágio apresentada na proposta, o licitante se comprometa a depositar recursos vinculados em uma conta de aporte”, explica. “Ou seja, os editais passarão a estabelecer valores por faixa de desconto.”
INSTRUMENTOS
Como condição para a assinatura do contrato, a contratante deverá comprovar a subscrição e integralização do capital social da Sociedade de Propósito Específico (SPE) – que corresponde a uma sociedade com as mesmas características do consórcio contratual, porém com personalidade jurídica própria –, bem como o depósito dos recursos vinculados em uma conta de aporte.
Caso haja captação de recursos no mercado, o valor do aporte poderá ser reduzido até o limite de 50%, devendo o licitante comprovar a estrutura de funding do projeto. “O objetivo de tal medida é proteger a saúde financeira do projeto por meio de um colchão de liquidez”, aponta a especialista. “Desse modo, garante-se justiça tarifária em favor do usuário, que arcará com valores módicos pelo uso dos serviços e a realização dos investimentos contratualizados durante a vigência da concessão.”
Já na execução contratual, os instrumentos passarão a prever a possibilidade de extensão do prazo de vigência por 30 anos adicionais para fins de reequilíbrio, além da possibilidade de prorrogação por boa performance e melhoria das condições de segurança do sistema rodoviário. Já os reequilíbrios passarão a ser automáticos, ainda que de maneira parcial.
As concessionárias terão até cinco anos para pleitear reequilíbrios, havendo ainda um prazo para que a ANTT os promova. O reajuste e a revisão anual também ocorrerão de maneira automática. “Eventualmente, também poderão ser previstos aportes públicos para a realização de novos investimentos no curso de contratos em execução”, complementa Lohbauer.
Com isso, o novo plano apresenta incentivos para atrair novos players e aumentar a competição nos leilões de concessões rodoviárias, observa Hellmann. “As novas regras para análise de pedidos de reequilíbrio contratual, redução do fardo regulatório e previsão de aportes públicos (quando houver deságio significativo no valor da tarifa ofertada ou obras específicas) são exemplos desses incentivos”, diz.
Instrumentos preveem extensão do prazo de vigência dos contratos para fins de reequilíbrio
Segundo o advogado, todavia, é preciso ter em mente que, do ponto de vista do setor privado, contratos de concessão são sobretudo projetos de investimento e, sendo assim, “o governo precisa demonstrar que respeitará as regras, promovendo estabilidade regulatória e segurança jurídica para atrair mais investidores”.
Nesse aspecto, Quintella avalia que as alterações podem tornar os contratos de concessão (ao menos teoricamente) mais seguros e sustentáveis em temos econômicos e ambientais. Consequentemente, há possibilidade real de tornar as tarifas mais baixas em função das normas dos contratos, com atração mais forte do capital privado. “O objetivo é padronizar os modelos de contratos”, resume.
REMODELAGEM
Em meados de junho, ao divulgar a nova política de concessões rodoviárias, o Governo Federal previu a realização de cinco leilões até o final de 2023, estimando investimentos e despesas operacionais na ordem de R$ 66 bilhões para os próximos 30 anos. Em 25 de agosto, as sete estradas que compõem o Lote 1 do sistema de rodovias integradas do Paraná (BRs 277/373/376/476/PR e PRs 418/423/427) foram concedidas à iniciativa privada, garantindo investimentos de R$ 13,1 bilhões, segundo o Ministério dos Transportes.
Nesse primeiro leilão do Novo PAC, já sob o novo modelo, o lote foi arrematado pelo Grupo Pátria, com oferta de desconto de pedágio de 18,25% – o que representa um desconto real de cerca de 50% em relação ao valor praticado anteriormente. O leilão, conforme explica Hellmann, havia sido suspenso provisoriamente pela Justiça Federal do Paraná por conta de uma suposta falta de participação das comunidades quilombolas no planejamento do empreendimento,
Em setembro, o processo foi retomado com a realização do leilão pela ANTT. “Apesar desse contratempo, que ilustra o ambiente de insegurança jurídica no setor de infraestrutura brasileira, há expectativa de que os próximos leilões sejam modelados já a partir das novas regras, com as adaptações necessárias em cada caso”, complementa Hellmann.
No final de setembro foi realizado o leilão do Lote 2, por sua vez arrematado pelo Consórcio Infraestrutura PR, uma associação entre as empresas EPR 2 Participações e Perfin Voyager, especializadas em investimentos em concessões de rodovias.
O trecho de 605 km deve receber R$ 10,8 bilhões em investimentos e vai abranger três rodovias federais (BR-153, BR-277, BR-369) e nove trechos de rodovias estaduais (PR-092, PR-151, PR-239, PR-407, PR-408, PR-411, PR-508, PR-804 e PR-855), interligando pontos estratégicos da região, como o Porto de Paranaguá e a Região Metropolitana de Curitiba, além de sete praças de pedágio. No rol de melhorias, estão previstas obras de duplicação de 350 km de estradas, 138 km de faixas adicionais, 73 km de vias marginais e 72 km de ciclovias.
Recalibrar os incentivos contratuais é essencial para que as concessionárias realizem investimentos na malha
Para novembro, está prevista a licitação da BR-381/MG, entre Belo Horizonte e Governador Valadares. Ainda para 2023, está previsto o lançamento dos editais da BR-040/MG/GO, no trecho conhecido como “Rota dos Cristais”, que teve o plano de outorga aprovado em 24 de agosto, com potencial de assegurar R$ 5,5 bilhões em investimentos, além da BR-060/153/040/GO/DF, a chamada “Rota do Pequi”, entre Cristalina (GO) e o Distrito Federal, cujos estudos de concessão já estão em andamento, comenta Quintella.♦
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