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Revista GC - Ed.110 - Novembro/Dezembro de 2025
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ESPECIAL RODOVIAS

Metade das rodovias brasileiras apresenta problemas no pavimento

Por Marcelo de Valécio

Foto:FREEPIK


Para variar, o Brasil vive um dilema em sua infraestrutura. O aumento da frota de veículos e o advento de modelos maiores e com maior peso têm intensificado a utilização – e o consequente desgaste – da infraestrutura rodoviária nacional. Além disso, grande parte dos atuais pavimentos foi dimensionada e executada há várias décadas, de modo a atender as demandas de tráfego e peso vigentes à época de sua construção. “Essa mudança na configuração, combinada à falta de recursos adequados para a manutenção e conservação, tem acelerado a deterioração dos ativos”, corrobora Fernanda Rezende, diretora executiva da CNT.

O impacto no pavimento não decorre somente de veículos pesados, mas de todos os veículos que circulam na via, incluindo de passeio. “Nesse sentido, entre 2013 e 2023 houve crescimento


Foto:FREEPIK


Para variar, o Brasil vive um dilema em sua infraestrutura. O aumento da frota de veículos e o advento de modelos maiores e com maior peso têm intensificado a utilização – e o consequente desgaste – da infraestrutura rodoviária nacional. Além disso, grande parte dos atuais pavimentos foi dimensionada e executada há várias décadas, de modo a atender as demandas de tráfego e peso vigentes à época de sua construção. “Essa mudança na configuração, combinada à falta de recursos adequados para a manutenção e conservação, tem acelerado a deterioração dos ativos”, corrobora Fernanda Rezende, diretora executiva da CNT.

O impacto no pavimento não decorre somente de veículos pesados, mas de todos os veículos que circulam na via, incluindo de passeio. “Nesse sentido, entre 2013 e 2023 houve crescimento de 46,1% no número de veículos, ao passo que, no mesmo período, a extensão das rodovias federais pavimentadas cresceu apenas 2,2%”, posiciona.

Pavimentos são estruturas projetadas e construídas para atender aos usuários por um tempo e volume de tráfego definidos, pontua o professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Washington Peres Núñez. “Não são sistemas perenes e sua durabilidade também depende da manutenção”, diz. “Além disso, a manutenção preventiva é fundamental para a durabilidade.”

Quando se adotam estratégias adequadas, acentua o professor, as atividades de manutenção tendem a ser menos onerosas aos primeiros sinais de defeitos, com execução rápida e menor transtorno aos usuários. “Já se não se intervém precocemente, os defeitos aumentam em severidade e frequência e a reabilitação se torna cara e demorada, com transtornos aos usuários”, observa Núñez.

DETERIORAÇÃO

Os erros de projeto e execução também desempenham papel significativo na degradação. Seleção inadequada de materiais, espessura insuficiente das camadas, falta de controle tecnológico durante a compactação e ausência de sistemas eficientes de drenagem estão entre as causas mais recorrentes. Em muitos casos, a pavimentação é tratada como etapa isolada da obra, sem a devida integração com estudos geotécnicos e de tráfego. O resultado é um pavimento que já nasce com vida útil reduzida e exige intervenções frequentes.

A ausência de manutenção preventiva, aliada à escassez de recursos e à execução de serviços paliativos, perpetua o problema – os trechos mais críticos recebem apenas remendos superficiais, sem tratamento das causas estruturais, o que leva ao reaparecimento das patologias. “Projetos que priorizam o menor custo inicial resulta em um pavimento que exigirá maiores gastos com manutenção e imporão custos elevados aos usuários”, frisa o professor Rodrigo Pires Leandro, coordenador do Laboratório de Pavimentação da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “Por outro lado, projetos que busquem minimizar apenas os custos de manutenção e os encargos para os usuários podem se tornar financeiramente inviáveis.”

Para ele, a melhor solução técnica deve estabelecer o menor custo total como diretriz, contabilizando os valores de construção, manutenção e encargos para os usuários. “Esse entendimento é crucial para a eficiência da estrutura, principalmente ao se considerar que a maior parcela desses montantes (entre 70% e 95%) é atribuída aos usuários”, destaca.

Como é de se esperar, as falhas no pavimento impactam diretamente os custos dos serviços de transporte rodoviário, pois reduzem a eficiência da atividade. A deterioração das rodovias resulta em diminuição da velocidade de operação, prolongamento do tempo de viagem e maior desgaste dos veículos, uma vez que aumenta a frequência de reposição de pneus, peças e sistemas de freio, elevando os custos. “O impacto em relação ao consumo de diesel – que representa mais de 35% do custo operacional do transportador – é relevante”, afirma Fernanda Rezende. “Apenas em 2024, houve um gasto desnecessário de 1,18 bilhão de litros do combustível.”

DISCREPÂNCIA

Outro ponto central é o financiamento. Sem recursos financeiros, não há projeto, construção ou manutenção que dê jeito. “A realidade da infraestrutura rodoviária evidencia isso – temos uma densidade quase 20 vezes menor que a dos EUA e apenas 12% de nossas rodovias são pavimentadas, sendo que metade dessa malha necessita de intervenção”, sublinha Leandro, da UFU. “Como o país depende basicamente do transporte rodoviário, o impacto é enorme – menor mobilidade, aumento no custo de bens e serviços e maior dificuldade de acesso à saúde e educação.”

De fato, a discrepância entre os investimentos efetivos e as necessidades do modal é um problema crônico que remonta à década de 1970, quando os recursos públicos destinados às infraestruturas de transporte começaram a declinar, passando de quase 2% do PIB para 0,14% em 2024. Tal descompasso pode ser verificado quando se compara a densidade da malha pavimentada brasileira com a de outros países.

Crescimento no número de veículos nas rodovias brasileiras causa impactos deletérios no pavimento, cuja extensão não cresce na mesma proporção. Imagem:CNT


O Brasil conta com aproximadamente 25,1 km/mil m2 de rodovias pavimentadas, enquanto Uruguai, Argentina e Equador apresentam densidades de 43,9, 42,3 e 31,4 km/mil m2, respectivamente. Países com dimensões similares às do Brasil, como China, EUA e Austrália, possuem 477, 437,8 e 94 km/mil m2, respectivamente. “Essas diferenças significativas têm impacto na disponibilidade de trajetos, nos custos operacionais dos transportadores e na própria competitividade da economia”, pontua Rezende.

Em nota, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) esclarece que “as manifestações patológicas observadas nas rodovias sobre sua competência são objeto de atenção”, sendo priorizadas de acordo com o risco que representam e a natureza da intervenção necessária. A preocupação divide-se em duas frentes: segurança do usuário (risco iminente) e integridade estrutural e custo de manutenção (risco progressivo de longo prazo).

Para assegurar a trafegabilidade, o DNIT realiza avaliações funcionais e estruturais integradas, utilizando tecnologias como o Traffic Speed Deflectometer (TSD), que possibilita análises rápidas e abrangentes da superfície e da subsuperfície, sem interromper o tráfego. “Durante a execução das obras, os projetos são reavaliados e ajustados quando necessário, de modo a manter a aderência às condições encontradas em campo”, assegura.

Investimento insuficiente no modal impacta a mobilidade, o custo de bens e serviços e o acesso à saúde e educação. Foto:MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES


Nas restaurações, o órgão afirma ter incrementado a utilização da solução de Whitetopping (pavimento rígido), que permite um menor esforço de manutenção ao longo dos anos. Em termos de recursos, o DNIT informa que, neste ano, a Lei Orçamentária destinou aproximadamente R$ 7,9 bilhões à manutenção rodoviária. Para 2026, o Projeto de Lei Orçamentária prevê cerca de R$ 8,3 bilhões.

PATOLOGIAS

Algumas razões explicam a ocorrência de patologias nas estradas, segundo Fernanda Rezende, da CNT, incluindo a destinação insuficiente de recursos para obras de manutenção e reconstrução, deficiências na fiscalização e execução das obras de implementação e recuperação, desafios na implementação da política de gerenciamento de pavimentos e planejamento de manutenção, desperdícios de recursos com correções decorrentes da má execução de obras, além de eventuais falhas técnicas na execução e no controle de qualidade de matérias-primas.

Sem contar a ausência de políticas públicas consistentes de longo prazo. “Some-se a isso veículos circulando com sobrecarga, que prejudicam a qualidade do pavimento”, diz ela, destacando que a CNT demonstra, por meio de estudos e pesquisas, que o transporte com sobrepeso não traz benefícios. “Pelo contrário, acarreta aumento nos custos operacionais, multas e danos ao veículo e ao meio ambiente, sem contar o perigo à vida das pessoas”, salienta.

As patologias em pavimentos flexíveis – compostos por camadas de materiais granulares e ligantes asfálticos – refletem a interação de múltiplas causas. As falhas mais recorrentes são trincas por fadiga, afundamentos plásticos e de consolidação, buracos, escorregamentos, desgaste superficial e ondulações. Cada uma dessas anomalias traduz um tipo específico de degradação estrutural ou funcional. As fissuras e trincas, por exemplo, são sintomas de perda de resistência à tração da mistura asfáltica, causada pelo envelhecimento do ligante, excesso de tensões repetidas do tráfego ou deficiências na espessura das camadas. Quando a água penetra nessas aberturas, o processo de degradação se acelera, favorecendo o surgimento de buracos e desagregação superficial.

Ondulações e remendos mal executados completam o quadro de degradação funcional. “As fissuras (fendas com até 3 mm de abertura), que podem evoluir para trincas, geralmente decorrem da repetição de cargas”, destaca o professor Núñez. Fissuras e trincas, sejam decorrentes de fadiga ou outras causas, se propagam mais rapidamente em climas frios, devido ao excessivo enrijecimento das misturas asfálticas a baixas temperaturas. “A falta de correção (selagem) pode degenerar em buracos ou panelas, agravando-se pela escolha inadequada do ligante asfáltico”, completa.

LIGANTE

Em regiões de clima frio, ele lembra, o indicado é o uso de ligantes de menor consistência (mais ‘moles’), pois misturas asfálticas com ligantes ‘duros’ (como o convencional CAP 50-70) sob temperaturas muito baixas se tornam excessivamente rígidas e frágeis, ou seja, trincam facilmente.

Por sua vez, os afundamentos plásticos e de consolidação indicam falhas mais profundas. No primeiro caso, o problema ocorre na camada asfáltica, quando o material perde estabilidade sob cargas pesadas, resultando em deformações permanentes, típicas em regiões de aclive, desaceleração ou frenagem. Já o afundamento de consolidação tem origem nas camadas inferiores, quando o subleito ou as bases granulares cedem devido à compactação insuficiente ou à presença de umidade excessiva.

Em ambos os casos, o pavimento perde a regularidade e passa a acumular água, agravando o desgaste e comprometendo a segurança. Os afundamentos nas trilhas de roda (ATR) são predominantes em pavimentos que recebem cargas mais pesadas, especialmente em climas quentes. Nesses casos, é fundamental que o ligante seja mais consistente, de forma que a mistura seja capaz de resistir às tensões cisalhantes, que geram afundamentos e irregularidade.

O escorregamento surge quando há falha de aderência entre camadas, um reflexo de erro de execução, limpeza inadequada ou presença de contaminantes durante a aplicação do revestimento. Já a exsudação – expulsão do ligante para a superfície, que se torna lisa e brilhosa – decorre da aplicação inadequada de ligante. “Geralmente, é resultado de escolha errada do ligante e, principalmente, erro na dosagem”, explica Núñez. “Esse defeito é mais grave sob chuva ou em regiões de clima quente, nas quais o ligante pode se comportar como um líquido viscoso, sendo facilmente expulso para a superfície.”

Patologias em pavimentos flexíveis refletem a interação de múltiplas causas. Foto:CNT


Erros na dosagem das misturas asfálticas – como volume de ar inadequado no interior da mistura compactada – podem agravar os defeitos, assim como gerar desagregação na mistura. “Para se obter pavimentos duráveis, a dosagem das misturas deve ser realizada com o maior cuidado”, sustenta o professor da UFRGS. “Parece óbvio, mas muitos defeitos surgem precocemente devido a erros de dosagem.”

É preciso destacar ainda as características mineralógicas dos agregados. Um exemplo clássico é a perda de adesividade entre ligante e agregados. Agregados de granito ou gnaisse (ricos em sílica) sofrem perda de adesividade (se soltam), principalmente em regiões onde o lençol freático está próximo do pavimento (banhados). “A ação combinada da água e das cargas ‘descasca’ os agregados, e a mistura asfáltica perde completamente a coesão, tornando-se uma brita”, esclarece Núñez. “Por isso, o emprego de agregados dessas rochas deve incluir melhoradores de adesividade, especialmente cal hidratada.”

O professor destaca ainda a importância da drenagem. “Se água penetrar no pavimento, suas camadas se tornarão pouco resistentes e muito deformáveis, causando fissuração e trincamento do revestimento”, detalha. “Chuvas intensas agravam defeitos como fissuras, trincas, buracos, panelas e desagregação.”

Segundo ele, as regiões de clima frio não sofrem com trincamento térmico como as semiáridas, nas quais a temperatura do ar cai acentuadamente após o pôr do sol. “A irradiação solar é importante para a oxidação do ligante, que torna as misturas mais rígidas e frágeis, causando trincamento precoce”, destaca Núñez.

SOLUÇÕES

Para reverter o quadro, especialistas defendem uma mudança estrutural na política de conservação. As principais intervenções de restauração realizadas atualmente no país incluem recapeamento com reforço estrutural, fresagem e recomposição do revestimento, assim como reperfilamento e reconstrução de trechos com falhas profundas.

Imagem:REPRODUÇÃO


A utilização de técnicas como reciclagem a frio, estabilização de solos e aplicação de misturas asfálticas modificadas com polímeros vem crescendo. No entanto, o desafio é garantir que essas soluções sejam aplicadas de forma sistemática e não apenas emergencial. A adoção de programas de manutenção preventiva, com monitoramento contínuo das condições da pista e intervenções programadas antes da falha estrutural, é apontada como o caminho mais eficiente e econômico.

O avanço tecnológico também abre novas perspectivas. Sistemas de gestão de pavimentos baseados em inteligência artificial, sensores embarcados e monitoramento via satélite permitem identificar precocemente as deformações e programar intervenções com maior precisão. O uso de materiais sustentáveis – como ligantes com adição de borracha reciclada e misturas mornas – também desponta como tendência, reduzindo custos energéticos e impactos ambientais. “Nas últimas décadas, houve um esforço para projetar misturas asfálticas mais duráveis”, explica Núñez. “Nos anos 1990, foram introduzidos os asfaltos modificados por polímeros elastoméricos e, na década seguinte, o asfalto-borracha teve seu uso difundido no país.”

Em geral, misturas com ligantes polimerizados ou com asfalto-borracha apresentam maior resistência à tração, sem endurecimento da mistura, o que é determinante para evitar fadiga. Além disso, os ligantes especiais promovem aumento da coesão e da adesividade aos agregados, combatendo a desagregação das misturas. “Pesquisas mostram que a incorporação de cal hidratada na composição de misturas a quente traz efeitos benéficos em adesividade, resistência à tração, comportamento à deformação permanente e à fadiga e retardamento do envelhecimento”, revela o professor da UFRGS, lembrando que o emprego de nanomateriais (especialmente grafeno) ainda é novidade em âmbito nacional, mas já vem sendo estudado em países como a Colômbia.

Já a reciclagem profunda, consolidada no país, é considerada uma prática tecnicamente adequada, economicamente vantajosa e ambientalmente correta. “A reciclagem com cimento foi pioneira, seguida da reciclagem com espuma de asfalto”, descreve Núñez. “Em anos recentes, começou a ser aplicada a reciclagem com emulsão asfáltica, que também se mostra promissora.”

Sistemas de gestão de pavimentos baseados em inteligência artificial, sensores embarcados e monitoramento via satélite permitem identificar precocemente as deformações e programar intervenções. Foto:CNT


RÍGIDO

O pavimento rígido (concreto) também pode ser uma alternativa para reduzir a frequência de patologias em trechos de tráfego intenso e alto volume de veículos. “Essa opção é vantajosa quando o tráfego é muito pesado e as características dos solos de subleito permitem”, elucida o professor, destacando que a durabilidade é maior, caso o concreto seja bem-dosado, o pavimento bem dimensionado e a execução das placas feita com qualidade.

O pavimento rígido, ele prossegue, é indicado especialmente para pavimentação de túneis, viadutos, pontes, áreas portuárias e terminais de carga. “Tecnicamente, não é indicado para regiões com ocorrência de solos moles ou expansivos, pois as placas de concreto precisam de um suporte constante e homogêneo”, observa o professor da UFRGS.

Independentemente da tecnologia, o importante é usar a solução adequada para cada realidade, aponta Thiago Nykiel, diretor executivo da Infraway. “Basicamente, deve-se atender a quatro pilares fundamentais: demanda, dimensionamento, construção e operação (manutenção)”, ressalta.

Para isso, ele acentua, é fundamental contar com um sistema de gestão de pavimentos, uma vez que o inventário permite encontrar a melhor solução, com custo vs. benefício adequado. “Assim, é possível entender como está o pavimento, qual é o orçamento disponível e quais intervenções são necessárias”, diz ele. “O básico bem-feito não tem mistério.”

Independentemente da tecnologia, o importante é usar a solução adequada para cada realidade. Foto:MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES


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