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Revista GC - Ed.104 - Nov/Dez 2023
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ESPECIAL RODOVIAS

Ciclo de concessões completa 30 anos

A partir de um comparativo de rodovias, estudo da CNT evidencia como a participação da iniciativa privada tornou-se crucial para a infraestrutura de transporte no Brasil
Por Redação

Lançado este ano pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), o estudo “Parceria Rodovias: a provisão de infraestruturas de transporte pela iniciativa privada” mostra os benefícios sociais e econômicos que o programa de concessões rodoviárias – que acaba de completar 30 anos – trouxe para o setor de transporte e logística, evidenciando como a participação da iniciativa privada tornou-se prerrogativa para viabilizar a infraestrutura rodoviária no Brasil, que é responsável pela movimentação de 65% do volume de cargas e de 95% dos passageiros no país.

Segundo o Índice de Competitividade Global (ICG), produzido pelo Fórum Econômico Mundial, em 2019 o Brasil se encontrava na 69a posição entre 141 países analisados no que diz respeito à conectividade das rodovias. Além disso, estima-se que, em 2022, o país possuía 1,72 milhão de km de rodovias, sendo 213,5 mil km pav


Lançado este ano pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), o estudo “Parceria Rodovias: a provisão de infraestruturas de transporte pela iniciativa privada” mostra os benefícios sociais e econômicos que o programa de concessões rodoviárias – que acaba de completar 30 anos – trouxe para o setor de transporte e logística, evidenciando como a participação da iniciativa privada tornou-se prerrogativa para viabilizar a infraestrutura rodoviária no Brasil, que é responsável pela movimentação de 65% do volume de cargas e de 95% dos passageiros no país.

Segundo o Índice de Competitividade Global (ICG), produzido pelo Fórum Econômico Mundial, em 2019 o Brasil se encontrava na 69a posição entre 141 países analisados no que diz respeito à conectividade das rodovias. Além disso, estima-se que, em 2022, o país possuía 1,72 milhão de km de rodovias, sendo 213,5 mil km pavimentados (12,4% do total), 1,35 milhão de km não pavimentados (78,5%) e 157,3 mil km de rodovias planejadas (9,1%).

Já em termos de qualidade da infraestrutura, no comparativo global do ICG 2019 o Brasil se posicionou no 116o lugar entre 141 países. Segundo a Pesquisa CNT de Rodovias 2022, da extensão total avaliada (110.333 km) 66% apresentaram algum tipo de problema, seja em Pavimento, Sinalização ou Geometria da Via. Aproximadamente 25% desse total foi classificado como “Ruim” ou “Péssimo”.

Segundo os dados apresentados na Pesquisa, as condições da superfície das vias acarretam um aumento de 37,1% nos custos operacionais. Em contrapartida, as rodovias concedidas tiveram 48,1% da extensão pesquisada com algum tipo de problema no pavimento, resultando em um incremento de 17,8% nos custos operacionais.

Além dos problemas estruturais, o país também possui baixa densidade da malha pavimentada quando comparado com outros países de dimensões continentais – apenas 25 km para cada mil km quadrados. Para a confederação, a extensão de rodovias não pavimentadas e os problemas de infraestrutura das já pavimentadas revelam a necessidade de investimentos em expansão e manutenção da malha. “O debate sobre as concessões é central, uma vez que o orçamento público federal direcionado para investimentos em infraestrutura de transporte tem se tornado progressivamente mais restrito”, anota.

De acordo com a CNT, os recursos do orçamento federal para investimentos em rodovias caíram 74,3% entre 2012 e 2022. No ano passado, o percentual de investimento público em transporte foi de apenas 0,09% do PIB, sendo que a infraestrutura de transporte rodoviário recebeu apenas 0,06% do PIB. Nesse quadro, a entidade estima que são necessários R$ 50,66 bilhões para a recuperação da malha federal sob administração pública, montante muito superior aos R$ 15,23 bilhões autorizados no orçamento da União para rodovias em 2023, o que reforça a importância da complementariedade do capital privado.

“Há complementariedade entre a provisão de infraestruturas pela iniciativa privada e pelo setor público”, diz Vander Costa, presidente da CNT. “Se, de um lado, nem todas as rodovias nacionais são atrativas para a iniciativa privada, por outro o investimento público eficiente e bem-planejado traz ganhos de produtividade e atrai a iniciativa privada, em um ciclo virtuoso de desenvolvimento.”

BENEFÍCIOS

O documento compara as rodovias federais sob gestão pública e privada no que se refere a investimentos, qualidade, segurança, serviços, tecnologia, gestão, governança e sustentabilidade. “A qualidade da infraestrutura rodoviária está associada a uma série de benefícios econômicos e sociais, como a redução de custos operacionais, índices de acidentes, tempo de viagem e emissão de poluentes”, aponta a entidade.

No período de 2016 a 2022, as rodovias federais concedidas receberam em média 2,3 vezes mais investimentos por km que as administradas pelo poder público. Desde 2018, essa proporção vem aumentando, sendo que em 2021 os investimentos realizados pelas concessionárias foram 3,4 vezes superiores aos investimentos públicos e, em 2022, 3,8 vezes. No ano passado, as concessionárias investiram R$ 486,55 mil / km em rodovias federais, enquanto os investimentos públicos alcançaram R$ 127,42 mil/km.

Para a confederação, o modelo de concessões influencia positivamente na qualidade rodoviária, pois os contratos de longo prazo definem investimentos e padrões de desempenho a serem seguidos pelas concessionárias. Em 2022, 67,1% da extensão da malha federal concedida avaliada pela CNT foi classificada como “Ótimo” ou “Bom”. No caso das rodovias sob gestão pública, somente 32,4% atingiram este patamar. Após os primeiros cinco anos de concessão, a extensão das rodovias concedidas com estado geral avaliado como “Ótimo” ampliou-se em mais de 76%, passando de 16,7% no 1º ano da concessão para 29,4% no 5º ano.

Para a CNT, complementariedade de investimentos pela iniciativa privada e pelo setor público é fundamental para o modal

As rodovias concedidas também são mais seguras. O estudo revela que, entre 2018 e 2021, o número de fatalidades em rodovias federais sob gestão pública foi 40% maior do que nas rodovias sob concessão, de 4,69 contra 3,35 a cada 100 milhões de veículos x km viajados. “Entre 2010 e 2021, as concessões federais tiveram redução de 61% no Índice de Mortalidade, que passou de 1,41 morte a cada 100 milhões de veículos x km viajados em 2010 para 0,55 em 2021”, detalha a CNT.

De acordo com a confederação, o modelo de concessões cria ainda incentivos a melhorias na gestão e governança, graças especialmente à vinculação do desempenho da concessionária à receita. Do ponto de vista de inovação, o trabalho cita a adoção de instrumentos capazes de tornar a execução contratual mais “rigorosa” e, ao mesmo tempo, mais “responsiva” às mudanças que podem ocorrer durante a vigência.

Alguns exemplos incluem a adoção de regras de governança corporativa aderentes aos padrões internacionais, a utilização de mecanismos mais rígidos para alterações contratuais e a introdução do estoque de melhorias. “Nos contratos mais recentes, verifica-se uma crescente preocupação em garantir a justiça tarifária, feita via aplicação do desconto para usuário frequente (DUF) e diferenciação tarifária para trechos em pista simples e dupla”, frisa.

Comparativo das condições das rodovias mostra que os trechos concedidos são mais bem-avaliados, como mostra a Pesquisa CNT 2022

Além disso, parte do valor arrecadado com a cobrança de tarifas é direcionada à sociedade por meio de impostos. Em 2021, foram arrecadados R$ 362,47 milhões em Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Também a adoção de ações inseridas na agenda ESG é cada vez mais valorizada por clientes, acionistas, financiadores e sociedade. “E os contratos de concessão, sobretudo os mais recentes, possuem exigências que incentivam práticas mais sustentáveis”, destaca a CNT.

A confederação destaca que rodovias bem-conservadas reduzem o consumo de combustível e, consequentemente, a emissão de gases. “A exploração de trechos rodoviários por uma concessionária também oferece a oportunidade de maior utilização de tecnologia e processos inovadores”, ressalta o estudo. “O modelo cria incentivos para a inovação e o desenvolvimento tecnológico, uma vez que o concessionário pode obter benefícios com a redução dos custos operacionais ou melhoria da qualidade dos serviços.”

Investimentos de concessionárias vêm crescendo, mas ainda são insuficientes frente às necessidades

SOLUÇÕES

Apesar das evidências apontarem uma oferta de infraestrutura em melhores condições, na visão da CNT a participação privada no setor ainda é pouco expressiva. “Apenas 19,8% da malha pavimentada federal é administrada por meio desse modelo de gestão e os investimentos na malha pública estão bem aquém das necessidades do país”, observa.

Para a confederação, é evidente que somente com o aumento dos recursos públicos e privados, executados de maneira planejada e continuada, será possível reverter o atual déficit de infraestrutura. “Por razões políticas e econômicas, há pouco espaço para que o governo consiga aumentar substancialmente os recursos destinados ao setor no curto prazo”, acentua. “Esse fato reforça a importância de se fortalecer a agenda de concessões.”

Nesse sentido, o estudo da CNT propõe soluções para aprimorar as parcerias no setor. A primeira é a construção de uma política de Estado em que a iniciativa privada amplie e garanta a execução dos recursos orçamentários destinados à malha sob gestão pública.

“Para mitigar os efeitos negativos dos interesses políticos e a complexidade inerente à estruturação de projetos de concessões, é imperativa a construção de uma política que seja uníssona e pragmática quanto à participação da iniciativa privada como um dos pilares para o desenvolvimento da infraestrutura de transporte”, reforça a CNT.

Isso inclui priorizar e dar continuidade aos leilões dos projetos já qualificados no Programa de Parcerias de Investimento (PPI), em processo de estruturação ou em fase avançada de estudos (recorrendo às PPPs para projetos economicamente inviáveis na modalidade de concessão pura). Outro ponto destacado é a concretização de relicitação dos contratos aderentes ao mecanismo de devolução amigável ou por meio de solução alternativa, como a transferência assistida ou renegociação dos contratos.

Para tornar os leilões atrativos a um maior número de interessados, a CNT recomenda medidas como o estímulo à participação de empresas internacionais, estruturação de projetos adequados para empresas de menor porte e garantia de segurança jurídica. “Também é necessário dar celeridade à implementação do "free flow" e incentivar a exploração de receitas acessórias, bem como outras medidas que possam reduzir o valor da tarifa para os usuários”, enumera.

Segundo a confederação, o cenário atual mostra que o Estado não será capaz de investir em níveis compatíveis para prover as melhorias necessárias em infraestrutura de transporte na urgência demandada. “A participação da iniciativa privada é essencial para que, em complementaridade ao investimento público, seja possível eliminar gargalos e posicionar o país como uma economia mais competitiva, globalizada e sustentável”, delineia.

Um segundo desafio é como viabilizar a expansão da malha concedida. “Sob a perspectiva de curto prazo, deve-se priorizar e dar continuidade aos leilões dos projetos já qualificados no PPI e em processo de estruturação, assim como os em curso nas esferas estaduais e municipais”, sublinha a confederação, destacando que atualmente existem 12 projetos federais em estágio avançado, que, juntos, totalizam mais de 8,4 mil km e cerca de R$ 90 bilhões em investimentos. “Além deles, estão em estudo outros 13,3 mil km que devem ser priorizados para leilão até o final de 2024”, informa.

A CNT destaca a necessidade de um investimento mínimo de R$ 865 bilhões, aproximadamente 8,7% do PIB de 2022, para a melhoria da infraestrutura em todas as modalidades de transporte. Para o transporte rodoviário, o investimento mínimo estimado é de R$ 220 bilhões. Atualmente, há 75 projetos nas esferas federal, estadual e municipal, que superam os 26,5 mil km de rodovias sob gestão privada.

Incertezas jurídico-regulatórias também têm imposto desafios para a execução de projetos e para o avanço do programa de concessões. Para reverter esse quadro e tornar os acordos de longo prazo firmados entre público e privado mais estáveis e atrativos, há necessidade de definição e aplicação de procedimentos administrativos uniformes e isonômicos.

“Especificamente, joga-se luz sobre a implementação recente do Regulamento de Concessões Rodoviárias (RCR), que tem o objetivo de unificar, padronizar e simplificar o marco regulatório dos contratos de concessões rodoviárias federais. Além disso, recomenda-se a adoção de mecanismos legais e contratuais para a resolução de conflito de competências”, comenta a CNT, que critica a pluralidade de órgãos envolvidos no ciclo das concessões de rodovias, a captura das agências reguladoras por interesses políticos e privados e a falta de alinhamento institucional.

VIABILIDADE

A viabilidade financeira é outra questão central, inerente aos contratos de parceria. Até o momento, o mote orientador dos projetos leiloados priorizou trechos com maior volume de tráfego e que, naturalmente, tendem a ser autossustentáveis e atrativos para o investidor. “Dificilmente se conseguirá replicar o modelo para o restante das rodovias federais, predominantemente de baixo volume de tráfego”, diz o paper da CNT. “Assim, é fundamental que se discutam os padrões de Capex e Opex desejados para os trechos de menor fluxo de veículos, de modo que a tarifa seja capaz de remunerar o serviço de exploração rodoviária.”

Esses segmentos requerem menores investimentos em aumento de capacidade, o que atualmente possui um peso expressivo nas obrigações previstas nos contratos vigentes. “Desse modo, pode-se pensar em uma maior orientação para serviços de recuperação e manutenção, em detrimento de vultosas obras de ampliação de capacidade, executadas somente em casos específicos ou mediante o atingimento de gatilhos volumétricos”, complementa. “Além disso, a necessidade de se avançar com estudos e discussões sobre novos arranjos contratuais para transferência de rodovias é outro aspecto que se coloca de forma central para viabilizar futuros projetos.”

Atualmente, as PPPs de aporte têm ganhado destaque. Nesse modelo, o governo se compromete a realizar desembolsos em favor da concessionária na fase de obras e, dessa maneira, possibilita, ao mesmo tempo, alavancar a extensão de rodovias concedidas e mitigar o risco de inadimplência percebido pelos privados e o comprometimento fiscal de longo prazo.

“Voltado essencialmente para as rodovias de menor porte, uma alternativa que pode ser explorada são as PPPs de manutenção, com maior foco na conservação, prazos contratuais mais curtos e a remuneração ao concessionário oriunda de uma estrutura híbrida de cobrança via pedágio e pagamento por disponibilidade, a depender das expectativas de demanda do projeto”, aponta a entidade.


Programa de parcerias privadas de rodovias é o maior em extensão no país


Com 7,3 mil km, São Paulo é o estado que possui a maior malha concedida

O programa federal de parcerias privadas de rodovias é, atualmente, o maior em extensão (13 mil km). No âmbito estadual, São Paulo é o estado que possui a maior malha concedida.

O programa paulista foi iniciado em 1997 e possui 20 contratos vigentes, leiloados em quatro etapas e que perfazem 7,3 mil km. Os estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Bahia e Minas Gerais também contam com malhas concedidas relevantes, predominando trechos de menor extensão e menos intensivos em investimentos. Já Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Rio de Janeiro também possuem rodovias administradas pelo setor privado. A capital fluminense é a única com projetos na esfera municipal.

Com relação ao futuro das concessões no Brasil, espera-se uma expansão significativa da malha concedida. Até 2025, a expectativa é que mais de 21 mil km de rodovias federais estejam concedidas, com investimento mínimo de R$ 120,2 bilhões. Caso isso se concretize, 46,7% da malha federal pavimentada estará sob gestão privada.


Modelagem prevê duas modalidades de concessões


Além da concessão comum, a delegação dosserviços rodoviários no Brasil tem ocorrido mediante PPPs

No que se refere à infraestrutura rodoviária, a delegação dos serviços no Brasil tem ocorrido mediante duas modalidades de contratação, que pressupõem a transferência da exploração de ativo por prazo determinado e posterior devolução ao poder público.

De acordo com a CNT, a concessão comum consiste em um contrato de longo prazo firmado entre o governo e um parceiro privado, cujo escopo pode incluir operação, recuperação, conservação, melhoria e/ou ampliação da capacidade. Regida pela lei no 8.987/1995, a receita tem origem na cobrança de pedágio, que remunera os investimentos e os custos operacionais da concessionária.

Já a parceria público-privada (PPP) se diferencia pelo fato de existir uma contraprestação pecuniária pelo poder concedente. As PPPs são ainda pouco utilizadas em rodovias, restritas basicamente a iniciativas estaduais. A lei no 11.079/2004, que define as normas para contratação de PPP, permite contratos em duas modalidades. A primeira (concessão patrocinada), prevê a cobrança tarifária.

“No entanto, essa fonte não é suficiente para remunerar o concessionário ao longo da vigência contratual”, aponta a entidade. “De modo a garantir a atratividade do projeto, existe a complementação das receitas via aportes de recursos públicos, denominados de contraprestações.”

A segunda categoria é a concessão administrativa, na qual existe um contrato para a prestação de serviços dos quais a administração pública é usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. “Nesse modelo, a remuneração do concessionário ocorre total ou parcialmente por recursos públicos, em situações que não é possível ou conveniente a cobrança de tarifas dos usuários”, explica.♦

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