Mineração
30/04/2010 14h14 | Atualizada em 30/04/2010 17h16
Sentados ao redor de uma mesa de madeira na porta do Bar do Araújo, quatro garimpeiros disputam uma partida de dominó numa tarde de calor sufocante em Serra Pelada. Ao final de mais uma rodada, o cléc-cléc das peças brancas dá lugar à discussão preferida dos habitantes do povoado nas últimas semanas: a possível visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos próximos dias. Mais do que ver Lula de perto, os garimpeiros esperam com ansiedade a entrega da licença que dará sinal verde para a reabertura de Serra Pelada. Quase 20 anos depois de ter o garimpo encerrado, a mina voltará a produzir o ouro que atraiu mais de 100 mil homens de todo o Brasil que sonhavam "bamburrar" – ou enriquecer, na gíria local. Com uma diferença: a partir de a
...Sentados ao redor de uma mesa de madeira na porta do Bar do Araújo, quatro garimpeiros disputam uma partida de dominó numa tarde de calor sufocante em Serra Pelada. Ao final de mais uma rodada, o cléc-cléc das peças brancas dá lugar à discussão preferida dos habitantes do povoado nas últimas semanas: a possível visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos próximos dias. Mais do que ver Lula de perto, os garimpeiros esperam com ansiedade a entrega da licença que dará sinal verde para a reabertura de Serra Pelada. Quase 20 anos depois de ter o garimpo encerrado, a mina voltará a produzir o ouro que atraiu mais de 100 mil homens de todo o Brasil que sonhavam "bamburrar" – ou enriquecer, na gíria local. Com uma diferença: a partir de agora, a extração será mecanizada. Para quem nunca deixou o povoado, a retomada representa uma esperança de melhorar de vida. “A nova mina vai ajudar a resgatar o passivo social de Serra Pelada”, disse ao iG Heleno Costa, diretor da mineradora canadense Colossus Minerals e responsável pelo projeto.
Serra Pelada produziu 42 toneladas de ouro durante a década de 1980. Apesar disso, deixou para trás um rastro de miséria. Os garimpeiros mais antigos costumam repetir que, dos 100 mil homens que passaram pela região, apenas 1% encontraram ouro em grande quantidade. Destes, só 10 ficaram efetivamente ricos. Uma rápida caminhada pelas ruas de chão batido do povoado, a 55 quilômetros do município de Curionópolis, no sudeste do Pará, é o suficiente para comprovar a teoria. A maior parte dos seis mil habitantes vive em casas de madeira com telhado de palha, sem rede de saneamento básico ou água encanada. A luz elétrica vem de ligações clandestinas. Emprego é um privilégio de poucos e, para pagar as contas, muitos cobram R$ 25 ao dia para fazer bicos nas fazendas das redondezas. Piauiense de São Pedro, Luís Paulo do Nascimento chegou a Serra Pelada em 1981. Nunca bamburrou. “O máximo que consegui foi tirar três gramas por dia”, afirma. Hoje, mora num barraco de madeira em frente à cava, como é chamado o buraco cavado pelos garimpeiros no auge da corrida do ouro e que encheu de água.
Delivery em Serra Pelada
A pobreza do povoado contrasta com a riqueza escondida a até 320 metros abaixo do solo. Estudos feitos pela Colossus revelam que Serra Pelada ainda possui uma reserva de pelo menos 33 toneladas de ouro, sete toneladas de platina e 10 toneladas de paládio. Só a jazida de ouro está avaliada em cerca de R$ 2,3 bilhões. Os trabalhos realizados pela empresa ainda não tiraram um grama do metal precioso do solo, mas já começaram a movimentar a economia da região. No maior mercado do povoado, o Comercial Matias, o faturamento dobrou desde o início dos trabalhos de escavação. “Fizemos uma parceria com as empresas que estão trabalhando na mina e a nossa receita dobrou”, afirma Ivaneth Maria de Araújo. “Neste mês devo fechar com vendas em torno de R$ 180 mil”. A comerciante está tão confiante com o futuro que já investiu para melhorar o atendimento a seus clientes. Além de acrescentar produtos diferenciados nas prateleiras, como cremes hidratantes e leite em pó para recém-nascidos, a empresária comprou duas motos para fazer entregas a domicílio. Com isso, espera aumentar em 50% o faturamento do negócio nos próximos meses.
A explicação para o crescimento de lojas como o Comercial Matias está na contratação de mão de obra local durante a fase de estudos de Serra Pelada. Segundo a Colossus, de 2007 para cá foram criados 520 empregos diretos e mais 1,5 mil indiretos. É quase um terço da população do povoado. Os trabalhos são variados, como operadores de sondas ou a cozinheira responsável pelo restaurante onde se alimentam os funcionários. Quando a mina estiver em operação, em um ano e meio, o número de empregos deve diminuir. Ao todo, 1,5 mil pessoas trabalharão na exploração de Serra Pelada. Destas, apenas 350 serão funcionárias da Colossus. A nova mina em nada lembra aquela que ficou marcada como um símbolo da degradação do homem. A horda de milhares de formigas, como eram chamados os carregadores de sacos que transportavam até 40 quilos de lama e cascalho nas costas, darão lugar a máquinas modernas na extração do minério.
A entrega da concessão de lavra para Serra Pelada é a última etapa de um processo que teve início há três anos. Em 2007, a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), recebeu uma licença de três anos para estudar a viabilidade econômica do antigo garimpo. Para isso, passou a procurar um parceiro que tivesse caixa suficiente para investir no projeto. Depois de uma tentativa frustrada com a americana Phoenix Gem, fechou contrato com a Colossus. O acordo criou a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM), uma joint-venture entre a mineradora canadense e a Coomigasp. Ele funciona da seguinte maneira: a Colossus é responsável pelo investimento de R$ 120 milhões para fazer as sondagens e a implantação da mina. Por causa disso, a empresa ficará com 75% dos lucros do empreendimento. O restante será distribuído entre os 45 mil associados da Coomigasp. "Essa era a única forma de tirar o ouro que ficou embaixo da terra", disse ao iG Gessé Simão de Melo, presidente da Coomigasp. Da extração do ouro já comprovado nos estudos, cada garimpeiro vai receber o equivalente a R$ 1 mil por ano.
"Bamburro" coletivo
É uma renda modesta, principalmente quando comparada aos tempos áureos de Serra Pelada, quando um garimpeiro tirava mais de uma tonelada de ouro da mina. Mas a renda é apenas uma parte dos benefícios que a nova fase de Serra Pelada deve trazer para a região. Como parte do pacote de compensação ambiental, a Colossus será obrigada a resolver o problema da água tratada e construir um aterro sanitário que atenda todos os habitantes, coisas que nunca existiram no povoado. Para melhorar a educação das pessoas, a empresa reformou os dois colégios ao preço de R$ 200 mil. Além disso, a operação vai aumentar a arrecadação de impostos de Curionópolis, do qual Serra Pelada é um distrito. Só na fase de implantação do projeto, serão 3% de Imposto Sobre Serviço (ISS). Quando começar a produção, a empresa terá de pagar 3% de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cefem) – sendo que, destes, 65% vão parar nos cofres do município e o restante é dividido entre Estado e governo federal.
Existem muitas lendas em torno da descoberta do ouro em Serra Pelada. A mais aceita reza que um homem chamado Genésio Ferreira da Silva, antigo dono das terras da região, teria encontrado ouro ao cavar um buraco para fazer uma cerca no final da década de 70. A notícia se espalhou com a velocidade de um raio e em pouco tempo milhares de homens chegariam a Serra Pelada em busca de ouro. O buraco que se formou tem o formato de um feijão, 180 metros de profundidade e está cheio de água desde que o garimpo foi fechado. Para tentar organizar o caos, o governo federal enviou para a região um coronel que havia combatido a guerrilha do Araguaia. Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como coronel Curió, chegou na serra há exatos 30 anos e encontrou mais de 40 mil homens garimpando. “Para controlar a situação proibi a entrada de mulheres, bebidas alcoólicas e o uso ostensivo de armas”, diz Curió. Viu muita gente enriquecer, mas também 42 mortes depois de desmoronamentos de terra. “Não dava mais para tirar ouro com a mão de Serra Pelada”, afirma o coronel.
Nem todos os habitantes de Serra Pelada estão satisfeitos com o acordo fechado com a Colossus. O garimpeiro Ricardo da Silva, 47, é um deles. Em Serra Pelada desde 1981, ele se diz a favor da mecanização, mas com um outro modelo. “O ouro produzido em Serra Pelada tem de ficar no Brasil”, diz Silva. “A mineradora canadense vai mandar tudo o que ganhar aqui para fora”. Desconfiado, gostaria de acompanhar mais de perto os estudos que a Colossus está fazendo na região “para saber melhor o que eles estão fazendo”. Com dois gramas de ouro no bolso, usa até hoje picareta, pá, tela e mercúrio para garimpar ouro na região – trabalhado que lhe garante uma renda mensal de R$ 1 mil. Apesar de levantar todo dia pensando em encontrar ouro, já não tem mais o sonho de enriquecer. Pelo menos nesse ponto, o responsável pela Colossus concorda com os opositores. “A partir de agora, o 'bamburro' é coletivo”, diz Costa. “Se um garimpeiro ganhar uma bicicleta, todos ganham uma bicicleta. Se ele ganhar um carro, todos ganham um carro”.
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