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Revista GC - Ed.6 - Julho 2010
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Urbanização de favelas

No céu do Alemão

Implantação de sistema de teleférico em favela carioca é campo experimental para o uso de novo sistema de transporte coletivo, abrindo caminho para intervenções sociais numa das áreas mais violentas do Rio de Janeiro

Por: Mariuza Rodrigues

A montagem do sistema de teleférico ligando cinco morros do Complexo de Favelas do Alemão, no subúrbio do Rio de Janeiro está praticamente concluída, com finalização do cabeamento. A instalação das cabines e o início da fase de testes deverão acontecer em setembro. São 3,4 km de extensão de linhas e seis estações, com integração com o sistema ferroviário na estação de Bonsucesso, ligando-a aos morros do Adeus, da Baiana, do Alemão, Itararé e Fazendinha. O percurso, que quando feito a pé é coberto em 1 hora e meia, de um extremo ao outro, passará a ser feito em apenas 20 minutos. O serviço será realizado por 152, atendendo a aproximadamente 30 mil pessoas/dia.

Executada com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a obra está a cargo do consórcio Rio Melhor, liderado pela construtora Norberto Odebrecht, e que inclui ainda as empresas OAS e Delta. O sistema deverá ser operado pela Supervia, concessionária dos trens metropolitanos do Rio de Janeiro, e que deverá manter uma tarifa social. As estações terão bilheteria, roletas e funcionário


Por: Mariuza Rodrigues

A montagem do sistema de teleférico ligando cinco morros do Complexo de Favelas do Alemão, no subúrbio do Rio de Janeiro está praticamente concluída, com finalização do cabeamento. A instalação das cabines e o início da fase de testes deverão acontecer em setembro. São 3,4 km de extensão de linhas e seis estações, com integração com o sistema ferroviário na estação de Bonsucesso, ligando-a aos morros do Adeus, da Baiana, do Alemão, Itararé e Fazendinha. O percurso, que quando feito a pé é coberto em 1 hora e meia, de um extremo ao outro, passará a ser feito em apenas 20 minutos. O serviço será realizado por 152, atendendo a aproximadamente 30 mil pessoas/dia.

Executada com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a obra está a cargo do consórcio Rio Melhor, liderado pela construtora Norberto Odebrecht, e que inclui ainda as empresas OAS e Delta. O sistema deverá ser operado pela Supervia, concessionária dos trens metropolitanos do Rio de Janeiro, e que deverá manter uma tarifa social. As estações terão bilheteria, roletas e funcionários para apoiar o embarque, já que as cabines não chegam a parar nos pontos. Quando chegam à estação, elas mantêm a velocidade reduzida e passam bem devagar.

Cada cabine têm capacidade para 10 pessoas: oito sentadas e duas em pé. As cabines circularão com velocidade de 5m/s numa altura média de 30 metros, equivalente a um prédio de 10 andares. Todo o sistema é sustentado por 49 torres de concreto, distribuídas ao longo do percurso com alturas entre 12 m e 40 m de altura. Apesar da altitude, o transporte é considerado seguro e só é paralisado em casos de condições climáticas desfavoráveis, como ventos fortes e tempestade.

O projeto do teleférico faz parte de modelo global de intervenção social apelidado de PAC Favelas. Como parte deste programa, já foram entregues 728 unidades habitacionais, um Complexo de Atendimento à Saúde (CAS), uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24 h, áreas de lazer e esportiva, o Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante (Cetep). Também foram concluídas as obras do Colégio Estadual Jornalista Tim Lopes, uma homenagem ao repórter investigativo assassinado por traficantes de drogas, na Vila Cruzeiro, uma das 16 favelas integrantes do Complexo do Alemão, em 2 de junho de 2002.

O projeto inclui ainda obras de drenagem e pavimentação e, por fim, a recuperação ambiental na Serra da Misericórdia, com o intuito de transformá-la em uma área de lazer e de preservação ambiental. Considerando todos os investimentos federais, estaduais e municipais, a soma de investimentos no Complexo do Alemão chega a R$ 601,7 milhões, algo inédito no País até aqui.

As obras estruturais são vistas como oportunidade para a transformação da realidade do Complexo. A redução dos problemas de acessibilidade, mobilidade e integração territorial aliam-se a ações de apoio à geração de trabalho e renda, ações de capacitação profissional, melhorias educacionais e incentivo ao empreendedorismo.

Para determinar essas demandas, o projeto calcou-se inicialmente na realização de um censo comunitário, que definiu os perfis-econômicos dos moradores locais, realizado pela Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop). O censo revelou que apenas 29,9% dos moradores têm acesso a sua casa por rua onde passam automóveis. O acesso através de rua onde passam apenas pedestres é a realidade de 25,7% dos moradores, outros 22,9% precisam subir escadarias e 16,9% passam por becos.

A preocupação em ouvir e entender a cultura dos habitantes revela-se no desenvolvimento dos projetos arquitetônicos: os conjuntos habitacionais procuraram reproduzir a cultura de moradia local, em termos de divisão dos espaços e até mesmo de elementos decorativos.

O trabalho dividiu-se em duas etapas principais. Primeiro a gestão de impactos das intervenções, que tinha como objetivo reduzir os impactos negativos junto à população, causados pelos transtornos das obras, a interrupção temporária de serviços e às realocações. Em segundo, a ampliação ao máximo os impactos positivos, como a educação ambiental, a geração de trabalho e renda, e os efeitos da melhoria infraestrutura  e nos serviços aos cidadãos. E por fim, o estímulo ao processo de desenvolvimento sustentável, com o propósito de criar condições de mobilização e organização, a partir da gestão compartilhada e de um plano de ações, entre outras iniciativas.

Ao entrar no segundo semestre do ano, a maior parte das obras está pronta, ou em fase final. No caso do teleférico, falta ainda a conclusão de alguns sistemas de cabeamento, e do próprio acabamento de algumas estações, para dar início à fase de testes operacionais até setembro. O objetivo é que até o final do ano, ele seja inaugurado e colocado finalmente à prova.

Todo o sistema dos teleféricos é fornecido pela empresa francesa Pomagalski (Poma). Mas o modelo de implantação, e principalmente, a experiência de implantar um sistema de transporte de massa deste tipo numa comunidade carente e violenta, a partir desse conjunto de intervenções, veio de Medellin, na Colômbia. A inovação brasileira, entretanto, está na dimensão do sistema, 3,4km implantados de uma só vez, com trajeto em curva e a integração a estação ferroviária de Bonsucesso. Além de reduzir em ¾ o tempo para o vencimento do trajeto,– o sistema permitirá maior integração dessas comunidades, que por si só já é um fator de  maior desenvolvimento social.

Obra de arte em meio a casebres
Como ainda não está em funcionamento, a primeira coisa que chama a atenção são as estações, em meio à paisagem típica das favelas.  Junto a elas estão circunscritas diversas outras construções, como conjuntos habitacionais, escolas, unidades de atendimento médico, biblioteca, áreas de lazer.

As estações servirão como base para a oferta de serviços públicos, como atendimento jurídico, biblioteca, atendimento de saúde, áreas de lazer, orientação profissional, qualificação, geração de renda. Por isso são estruturas de porte considerável e quando se olha em volta e vê-se a inexistência de acessos pavimentados que levassem até essas edificações – a não ser pela única e recente via que para isso foi construída – aí sim, é possível se dar conta do desafio das construtoras em montar o quebra-cabeça do sistema de teleférico do Complexo do Alemão, uma “cidade” de mais de 300 mil habitantes, distribuídos por 16 comunidades.

Eduardo Poley Peçanha, gerente de engenharia do Consórcio Rio Melhor, que reúne as construtoras Odebrecht, OAS e Delta Construção, diz que, ao contrário do que ocorre normalmente em uma obra, quando se tem as informações ou buscam-se as informações referentes ao solo, ali isso não foi possível de ser feito, mas somente à medida que casas eram desapropriadas e demolidas. “Nós tínhamos que esperar a abertura de brechas na comunidade. Isso ia acontecendo somente aos poucos, em pontos espaçados. Quando conseguíamos, aí sim, era colocado ali um ponto de sondagem para o estudo e mapeamento do solo. No entanto, não era na velocidade que precisávamos. Assim, esse trabalho ia sendo feito em etapas, sem muita conexão um com ou outro, até que pudéssemos juntar o conjunto de informações num corpo só”, diz Poley. Ele lembra ainda da necessidade de adaptar ao cenário local, buscando soluções até então inusitadas como contar com o calculista no próprio campo, que ia fazendo os trabalhos de cálculo in loco, na medida em que se “ganhava” literalmente terreno. “Foi uma engenharia feita muitas vezes no próprio campo, que precisou ser acompanhada de perto. Realmente, foi um desafio para todos nós”.

Isso era somente o início das dificuldades. O outro seria a própria logística de transporte de materiais, pois não dava para esperar até que fosse possível fazer a abertura na favela para a construção das vias até as cumeeiras dos morros.  Assim, foram buscadas as indicações da própria comunidade, que orientavam quando ao melhor trajeto a ser realizado. Até onde era possível, eram empregados caminhões de pequeno porte. Noutras circunstâncias, só era possível subir o material utilizando uma retroescavadeira. E em outras, o transporte teve de ser feito pelos próprios trabalhadores. Na estação da Fazendinha, por exemplo, dada a impossibilidade de subir o caminhão betoneira, optou-se por executar o concreto no próprio local.

Marcos Vidigal do Amaral , gerente de Contratos da Odebrecht, reconhece que um grande desafio do empreendimento tem sido a logística difícil da região e a atuação em locais praticamente inacessíveis. “É um caso único, não existe modelo a ser copiado. Isso faz com que as equipes exercitem ao máximo as questões relativas ao planejamento e aos suprimentos de mão de obra, materiais e equipamentos nas diversas frentes de serviços instaladas.” Ele lembra ainda que a quantidade e diversidade de interlocutores (governos Federal e Estadual, Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal, Órgãos de Controle externo, prefeitura secretarias de estado, concessionárias de Serviços Públicos, etc) faz com que os procedimentos ficarem lentos, ampliando em muito a necessidade de se antecipar aos fatos. “Podemos dizer que o sucesso deste empreendimento deve-se ao engajamento de todas as equipes envolvidas, sejam públicas ou privadas.”

Um sistema viário 0 km
Ao todo foram construídos 30 km de vias. No Morro do Adeus, houve a continuação da rua Pedro Avelino até alcançar a estação do teleférico. No Morro da Baiana, a rua Itajubara foi alargada dando abertura até a estação. Duas novas grandes avenidas deverão surgir no Morro do Alemão, a Avenida Central e a rua Floresta. A comunidade do Itararé ganhou uma nova rua e melhorias em outras quatro.  “Em termos de tecnologia, não há surpresas. A questão foi realmente abrir espaço dentro dessas comunidades para dar andamento a essas obras”, relembra Poley.

A construção do teleférico do Alemão, por sua vez, contou com a experiência da Odebrecht em Caracas, onde também foi construído um sistema de 1.700 m na comunidade de San Augustin. Mas as dimensões no Alemão são bem maiores. As estações distribuem-se em duas estruturas autônomas, a de sustentação do teleférico, com 25 pilares de concreto, além das responsáveis pela estação propriamente dita. Essas torres têm como principal diferencial pilares circulares, que contaram com a utilização de um conjunto especial de formas. Construídas parte em concreto e parte em estrutura metálica, medem entre 12 m e 40 m de altura. Para sua execução, foram desenvolvidas um tipo de fôrma para atender aos diâmetros de 2,5, e 2,8 m dos pilares. Essas estruturas apresentam dimensões variadas em torno de 60 m³ de concreto e 10 t de aço, com estacas de 5 a 20 m de profundidade. Para sua execução foram empregados estacas raiz para solicitações diversas de tração, compressão, torção e flexão. Já as torres variam de 8 a 37 m a parte metálica, que empregou aço patinável, com peso médio de 18 t por torre. A parte em concreto dessas torres chega a 5 m e em alguns casos em 13 m.

O engenheiro Poley conta que uma preocupação foi realizar a compatibilidade estrutural dessa estrutura com a estrutura própria do teleférico, a fim de se alcançar a cota correta. “Alguns momentos, e esforços transferidos para o solo, eram de ordem de grandeza nunca antes praticados pelos nossos parceiros projetistas. Isso assustou um pouco num primeiro momento. Por isso, fizemos algo que já é comum, como a contratação de uma consultoria externa para fazer a verificação dos cálculos. Mas em paralelo, como o fornecedor das cargas era a empresa que forneceu o teleférico, francesa, e nem teríamos como condições avaliar esses valores aqui no Brasil, contratamos uma consultoria francesa especialista em engenharia de cabos para fazer essa checagem e todos os dados de entrada. Ou seja, tivemos o maior cuidado possível na execução dessa estrutura e o resultado pode ser considerado excelente, de alta segurança.

Os cabeamentos já estão concluídos e paralelamente ao cabo-guia foram colocados fios ópticos, que vão repassar dados entre as estações e permitir que o sistema funcione sem falhas, além de representar uma conectividade inexistente para aquela região. As 152 cabines começaram a acopladas aos cabos.

Conjuntos habitacionais em 45 dias
Uma das questões fundamentais era oferecer a solução rápida para os moradores que estavam sendo retirados de suas habitações, numa matemática exata, para evitar ao máximo possível reclamações e a oposição da população local.

Um dos últimos conjuntos concluídos no Alemão, na 1ª etapa do PAC está na antiga fábrica da Poesi, em que se aperfeiçoou o projeto dos conjuntos, com maior ênfase em paisagismo e áreas livres. No local, toneladas de lixo foram retiradas, até chegar-se ao solo. Só que, num dia tirava-se todo o lixo, e no outro, a população já tinha depositado o lixo, novamente. Ao lado está construído uma escola e uma Unidade de Atendimento Emergencial de Saúde (UPA), instalações que dificilmente seriam associados à paisagem da favela. Mas é. Estão tão entranhadas na favela que nem dá para colocar ali moradores que não sejam de lá, conhecidos e conhecedores da realidade local.  Ainda com as melhorias viárias, e redes de coleta de esgoto e de serviço de água, somam-se assim um universo de quase 6 mil residências diretamente atingidas pelas obras. Assim, um dos maiores problemas da comunidade, que residia na coleta do lixo, poderá ser solucionado. Sem serviços municipais, a população acaba fazendo lixões em qualquer parte.

Métodos construtivos
Tendo em vista o curto tempo, o consórcio buscou sistemas construtivos que permitissem a execução das obras dos conjuntos com qualidade e velocidade. A decisão, no caso do Alemão, foi pelo emprego do sistema de montagem por paredes de concreto com formas de alumínio, que já havia sido desenvolvido e empregado pela empresa Bairro Novo, do grupo Odebrecht. O método de construção não exige trabalhadores especializados  e ainda oferece baixa geração de resíduos.

Entre o início da montagem e o término da obra, levava-se 45 dias, destaca Poley. “Uma vez montadas as estruturas, era só entrar com as instalações elétricas e dar o acabamento final. Além disso, as formas de alumínio podiam ser reaproveitadas em outros empreendimentos. E o resultado ficou excelente, um apartamento de um bom padrão de qualidade”, destaca o engenheiro.

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