Revista M&T
10/05/2023 09h42 | Atualizada em 13/07/2023 14h39
Nos últimos 20 anos, o setor de fundações tem passado por mudanças técnicas com o propósito de aumentar a produtividade no canteiro. Afinal, quanto menos tempo e dinheiro forem gastos na etapa de fundação, melhor será para a obra.
Essa evolução é constatada pelo ocaso de técnicas mais antigas, como o martelo de queda livre, um método considerado improdutivo e hoje substituído por martelos hidráulicos ou vibratórios, que potencializam a produtividade.
As estacas-hélice também apresentaram um avanço considerável, espec
...Nos últimos 20 anos, o setor de fundações tem passado por mudanças técnicas com o propósito de aumentar a produtividade no canteiro. Afinal, quanto menos tempo e dinheiro forem gastos na etapa de fundação, melhor será para a obra.
Essa evolução é constatada pelo ocaso de técnicas mais antigas, como o martelo de queda livre, um método considerado improdutivo e hoje substituído por martelos hidráulicos ou vibratórios, que potencializam a produtividade.
As estacas-hélice também apresentaram um avanço considerável, especialmente em situações em que eram utilizadas estacas franki e strauss. O que impulsiona esse avanço tecnológico é a demanda por parte das construtoras, com prazos cada vez menores e cuidados para não gerar impactos na vizinhança.
“Os equipamentos estão muito mais eficientes. Antes era possível trabalhar somente de três a quatro estacas por dia com martelo de queda livre, levando em consideração as características do solo, profundidade e diâmetro, entre outros fatores”, explica o engenheiro Vinicius Lorenzi, sócio-diretor da Fungeo Fundações. “Hoje, consegue-se cravar dez por dia, com o uso de martelo hidráulico.”
Segundo ele, a hélice contínua permite executar até 23 estacas em apenas um dia, provando que a evolução da técnica trouxe eficiência. “Quem regula isso é o mercado, que absorve e aceita quando a técnica é vantajosa”, prossegue. “Por isso, a hélice contínua teve grande aceitação no país, sendo adotada por várias empresas.”
Grosso modo, as fundações são classificadas em diretas/rasas e indiretas/profundas. Nas primeiras, a carga é transmitida ao solo por meio de elementos superficiais, sem a necessidade de equipamentos de grande porte para cravação ou escavação.
Trata-se de um elemento de fundação cuja base está assentada em profundidade inferior a duas vezes a menor dimensão da fundação, recebendo aí as tensões distribuídas que equilibram a carga aplicada.
Avanço é impulsionado por prazos cada vez menorese cuidados para não gerar impactos na vizinhança
Trata-se de um elemento de fundação cuja base está assentada em profundidade inferior a duas vezes a menor dimensão da fundação, recebendo aí as tensões distribuídas que equilibram a carga aplicada.
Por sua vez, as fundações profundas transmitem a carga ao terreno pela base (resistência de ponta), superfície lateral (resistência de fuste) ou por uma combinação das duas, sendo que a base é apoiada em uma profundidade superior a oito vezes à menor dimensão em planta, considerando um mínimo de 3 m. É nesse tipo de fundação que se incluem as estacas e os tubulões.
TÉCNICAS
Em termos de fundações profundas, a estaca hélice contínua é predominante no Brasil, assegura Lorenzi. Para ele, aproximadamente 30% são de estaca hélice e o restante se divide entre pré-moldada, estaca strauss, estaca franki, estacão e outras soluções. “Embora não haja números exatos, arriscamos afirmar que talvez 50% do mercado execute estaca escavada convencional, com broca acoplada no caminhão, munck, trator ou perfuratriz”, estima.
A estaca hélice começou a evoluir no mercado há cerca de 20 anos, quando passou a entrar com mais força no país, embora algumas empresas a utilizem há quase 30 anos. Realizando perfurações com diâmetros de 30 cm a 1,20 m, o sistema atravessa o lençol freático e executa estacas abaixo do nível d’água, a profundidades de até 25 m, sendo que algumas máquinas podem atingir mais de 30 m.
Desde então, o equipamento evoluiu muito. “Antes, só existiam as grandes hélices, como escavadeiras 320, por exemplo”, lembra Lorenzi. “Atualmente, o mercado oferece a famosa mini hélice – composta por máquinas menores, com maior facilidade de deslocamento e boa logística –, que começou a conquistar mercado, inclusive em obras menores onde a strauss era mais utilizada.”
Em relação a outros procedimentos, destaca-se a kelly bar, uma ferramenta utilizada para execução de estacão com fluído estabilizante ou lama bentonítica, normalmente acoplada sobre escavadeira e aplicada em obras residenciais e prédios de 30 ou 40 pavimentos. Utilizado em profundidades abaixo do nível do lençol freático (chegando a alcançar profundidades superiores a 50 m), o sistema normalmente é usado para diâmetros acima de 80 cm.
Outra técnica de destaque é o martelo de fundo, utilizado na execução da estaca raiz e que também teve boa evolução no país. Antes, existia uma solução chamada micro estaca, para pequenos diâmetros, mas a estaca raiz entrou com força em diâmetros maiores.
Enquanto a micro estaca executa diâmetros de 150 mm a 200 mm, a estaca raiz chega a diâmetros de 450 mm a 500 mm. Não são estacas grandes, diz Lorenzi, mas entram em rocha. “A grande sacada da solução é perfurar 3, 4 ou 6 m dentro da rocha, deixando a fundação mais resistente”, diz ele.
Com o martelo de fundo, a estaca raiz surpreende quando se analisa a relação carga x diâmetro. “É a estaca que mais aguenta carga frente ao diâmetro, ou seja, enquanto uma estaca hélice de 40 suporta 60 t, a estaca raiz de 40 aguenta 110 t, praticamente o dobro”, observa. “Enfim, é uma técnica muito interessante e, inclusive, grandes torres têm sido executadas com esse método.”
IMPACTOS
Essa evolução é importante, considerando os riscos da atividade. A depender a profundidade, as escavações podem gerar impactos nas construções adjacentes, podendo ir além de fissuras ou trincas em paredes, tetos e pisos.
De fato, os danos podem interferir em funcionalidades, incluindo emperramento de portas e janelas, desnível no piso, obstruções para passagem ou retirada de cabos em dutos subterrâneos e infiltrações. Em situações mais críticas, podem causar até mesmo a ruína das estruturas.
Com um terço do mercado, técnica de estaca hélice contínua é predominante no Brasil
Para equalizar o problema, é preciso antes entender a atividade. “As escavações profundas são executadas a céu aberto, em taludes ou com paredes de contenção, com profundidades suficientes para mobilizar o maciço de solo e produzir efeitos importantes nas construções vizinhas”, explica o engenheiro Jarbas Milititsky, autor do livro ‘Grandes fundações em perímetro urbano’ (Ed. Oficina de Textos).
De acordo com o especialista, que é vice-presidente da International Society of Soil Mechanics and Geotechnical Engineering (ISSMGE) para a América do Sul, as fundações podem englobar edificações prediais, obras de arte, sistemas viários e instalações aéreas ou subterrâneas de utilidades públicas, entre outras.
“Sempre existe algum tipo de interferência, pois a execução de qualquer grande escavação provoca livres tensões nos terrenos vizinhos”, esclarece. “Por isso, deve-se sempre levar em consideração não só o dimensionamento e a estabilidade da estrutura de contenção, mas principalmente os efeitos causados pela escavação.”
A qualidade da execução é que define se haverá efeitos mínimos ou ruína das estruturas e serviços adjacentes. Quando ocorre um problema, utiliza-se a boa técnica de engenharia para fazer a instrumentação e o acompanhamento das estruturas vizinhas, o que serve como indicador de que algo não está bem.
Se aparecem indícios – especialmente deslocamentos maiores – é hora de realizar intervenções. Nesse sentido, o acompanhamento é previsto em projeto e realizado antes do início da escavação, garantindo-se a estabilidade e evitando-se providências no decorrer da obra, como escoramentos ou reforços de fundação.
PREVENÇÃO
Com exceção de situações extremas, é possível fazer correções preventivas ou corretivas para minimizar os impactos causados por escavações profundas. Nos anos 1980, quando avançavam as escavações da Linha 3 do Metrô de São Paulo, foi necessário reforçar a estrutura dos consoles de apoio de uma linha de pilares de um edifício de dez andares, que sustentava as vigas de um anexo de dois pavimentos situado nos fundos da estrutura. A torre sofreu um giro em direção à vala, como era previsto, mas as deformações no console mostraram-se excessivas, tornando necessária a intervenção.
O maior cuidado a ser tomado é conhecer as características do terreno em que a escavação será feita, assim como as condições dos prédios e fundações vizinhas. Nesse aspecto, Milititsky cita a necessidade de levantamento preliminar e – após cálculo dos riscos – avaliação dos efeitos da escavação nas estruturas. “Hoje, já existem métodos que permitem fazer uma avaliação relativamente precisa, além de outras técnicas específicas”, informa.
De acordo com o especialista, qualquer projeto envolve necessariamente o conhecimento de estruturas vizinhas, condições do solo, nível da água e efeitos da escavação. “Para se conhecer o perfil geológico é preciso realizar uma avaliação detalhada do maciço de solo por meio de sondagens, além de ensaios para determinação de parâmetros geotécnicos”, acrescenta Milititsky.
Há outros cuidados imprescindíveis para minimizar os riscos de interferências, como avaliar cuidadosamente o rebaixamento do lençol freático em função da influência exercida nos recalques e posicionar o primeiro nível de contenção o mais próximo à superfície, de maneira a limitar significativamente as deformações do maciço, além de estimar as deformações que a escavação provocará, analisando os efeitos sobre as construções.
Execução de grandes escavações provoca livres tensões em estruturas adjacentes
As estruturas vizinhas devem ser previamente vistoriadas e cadastradas, tanto do ponto de vista estrutural e funcional, como fotograficamente, de maneira a registrar seu estado. Após avaliar o risco, deve-se propor medidas corretivas como reforço estrutural de construções, desocupação de imóveis ou remanejamento de utilidades públicas e de trânsito, entre outras.
Outros pontos ressaltados por Milititsky incluem instrumentar as construções e acompanhá-las durante a execução das obras, estabelecer planos de contingência para situações de risco e corrigir (ou indenizar) os danos provocados. “Toda precaução é necessária durante a execução das escavações, de maneira a não produzir efeitos indesejáveis como, por exemplo, carreamento de solo pelas paredes de contenção”, recomenda.
Norma de fundações passou por atualização recente
A atualização das Normas Técnicas é um procedimento essencial para adequar as exigências às novas práticas e inovações desenvolvidas pelo mercado. A última revisão da Norma de Fundações havia sido realizada em 2010 (ABNT NBR 6122:2010), mas a partir de 2016 passou por um processo de atualização, sendo aprovada em 2019.
O engenheiro Urbano Rodriguez Alonso, professor da Faculdade de Engenharia da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), estabelece as principais diferenças entre as versões, destacando os itens que não constavam da norma anterior. “O termo ‘coeficiente de segurança’, por exemplo, foi substituído por ‘fator de segurança’”, aponta.
Atualização da norma busca adequar a atividade às novas práticas e inovações desenvolvidas pelo mercado
Além disso, a NBR 6122:2019 cita que o atrito lateral solicita estacas ou tubulões quando o recalque do solo adjacente é maior que o recalque dos elementos de fundação.
“Esse fenômeno ocorre no caso de o solo estar em processo de adensamento provocado pelo próprio peso, seja por sobrecargas lançadas na superfície, rebaixamento do lençol freático, amolgamento (rebaixamento por compressão) da camada mole decorrente da execução do estaqueamento etc.”, explica Alonso.
Saiba mais:
FAAP: https://lp.faap.br/engenharia
Fungeo Fundações: www.fungeo.com.br
ISSMGE: www.issmge.org
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