Redação
26/04/2021 11h00 | Atualizada em 12/06/2021 12h58
O projeto de modernização do setor elétrico brasileiro vem sendo debatido já há um bom tempo, em um processo deliberativo que resultou no Projeto de Lei 232/2016, que institui um novo marco regulatório para a área e conta com diversas diretrizes para estimular a abertura do mercado de energia no país.
Segundo Alexandre Lopes, vice-presidente de est
...O projeto de modernização do setor elétrico brasileiro vem sendo debatido já há um bom tempo, em um processo deliberativo que resultou no Projeto de Lei 232/2016, que institui um novo marco regulatório para a área e conta com diversas diretrizes para estimular a abertura do mercado de energia no país.
Segundo Alexandre Lopes, vice-presidente de estratégia e comunicação da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), o PL também busca mostrar à sociedade “como a mudança da forma pela qual cada empresa e cidadão compra sua energia pode garantir a liberdade de escolha do fornecedor a todos os brasileiros, com a possibilidade de portabilidade da conta de luz entre diferentes distribuidoras”.
No modelo atual, diz ele, mais de seis milhões de indústrias, estabelecimentos comerciais e agronegócios no Brasil não têm o direito de escolha sobre o próprio fornecedor de eletricidade. O projeto, reforça Lopes, irá proporcionar opções aos consumidores por meio de ampla competição no varejo. “Isto permitirá maior competitividade para a economia brasileira por meio do acesso a produtos energéticos diferenciados pelo setor produtivo ou investimentos dos consumidores residenciais na produção da própria energia”, afirma.
De acordo com Lopes, a reforma do setor elétrico cria as condições para redução do preço da energia para os consumidores. “Fruto de uma discussão setorial por dois anos, realizada por meio da Consulta Pública MME nº 33, a redação atual dos projetos de lei, além da abertura do mercado, propõe mudanças em diversos aspectos do modelo setorial, incluindo prorrogação de outorgas, expansão do parque gerador, formação de preços e revisão de subsídios”, comenta.
DISTORÇÕES
O que está sendo proposto, ressalta o especialista, é uma modernização do setor elétrico brasileiro, buscando reduzir gradativamente a exigência de carga para contratar energia elétrica no mercado livre, assim como pôr fim às reservas de mercado e direcionar a correta alocação de custos e riscos no setor. “A livre escolha incentiva a competição entre os fornecedores e a oferta de produtos diversificados aos consumidores, adequados às necessidades de cada um”, assegura Lopes. “Nesse sentido, o consumidor passará a ser o centro das decisões.”
Lopes, da Abraceel: direito de escolha do fornecedor
Como pontua Lopes, a relação de consumo baseia-se em três pilares: preço, qualidade e poder de escolha. Sem o último, afirma, o consumidor está impedido de pleitear os demais. “A abertura do mercado é um consenso do setor que vem sendo discutido há mais de cinco anos”, acentua. “Essa reforma é essencial para permitir que o setor se desenvolva de forma competitiva e seja capaz de capturar o benefício da introdução das novas tecnologias de forma eficiente.”
Para Luiz Piauhylino Filho, sócio-diretor da Sunlution, empresa brasileira especializada em geração solar flutuante, as mudanças de maior impacto presentes no PL abrangem fatores como risco hidrológico, pontos de distribuição, hibridização de fontes e produção de hidrogênio verde, dentre outros.
Segundo ele, são temas que precisam ser discutidos com a máxima urgência. “Precisamos corrigir muitas distorções que ainda existem no sistema elétrico brasileiro”, reconhece Piauhylino. “Não é mais aceitável ver os preços dos leilões bem competitivos, mas a energia que chega ao consumidor final seguindo cara.”
Piauhylino, da Sunlution: hora de corrigir distorções
Algumas iniciativas recentes apontam nessa direção. No final do ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou a abertura de consulta pública para normatização do estabelecimento de usinas híbridas e associadas no Brasil. Destaque-se que, para o setor elétrico, a hibridização – ao permitir a combinação de duas ou mais fontes de produção – representa uma saída sustentável para a retomada dos investimentos. “Pelo modelo, é possível por exemplo instalar usinas solares flutuantes no extenso parque hidrelétrico nacional, atraindo 76 bilhões de reais em investimentos e gerando 475 mil novos empregos em dez anos”, dimensiona o executivo da Sunlution.
Além do PL 232, o setor elétrico conta com outros Projetos de Lei e Medidas Provisórias que buscam sua modernização. A MP 998/2020, por exemplo, está atualmente em tramitação no Senado Federal e busca minimizar os impactos na conta de energia elétrica gerados pela crise sanitária e econômica.
Dentre os pontos presentes na MP, afirma Lopes, da Abraceel, está a previsão de substituição do mecanismo de incentivo às fontes renováveis de energia. “Atualmente, o incentivo é concedido por meio de um desconto nas tarifas de uso desses geradores e dos consumidores que adquirem essa energia”, conta. “E os projetos preveem um cronograma para o fim desse subsídio e a criação de um mercado para a valorização das fontes de energia com baixa emissão de carbono.”
IMPLICAÇÕES
No entanto, o coordenador do grupo de trabalho de geração distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Guilherme Susteras, afirma que o PL 232 conta com alguns pontos sensíveis, que precisam ser mais debatidos para que as mudanças de fato melhorem a vida do consumidor final.
Para ele, a opção de escolha realmente incentiva a competição entre os fornecedores e a oferta de produtos diversificados aos consumidores. Todavia, é preciso se atentar ainda a outros pontos, para que o projeto não priorize apenas os grandes consumidores e encareça a energia para o consumidor final, deixando de lado segmentos que não são tão atrativos.
Susteras, da Absolar: liberalização do mercado traz desafios
Nesse sentido, o PL parte do pressuposto que o mercado deve ser liberalizado para consumidores de diversos níveis de tensão, inclusive os residenciais, que poderiam optar livremente pela fonte de energia e comercializadora da energia. “No entanto, se essa liberalização for malfeita, na pior das hipóteses levará a um aumento do preço de energia, e não a uma redução, pois passa a ter custos novos”, adverte Susteras.
Em sua opinião, antes de discutir a liberalização do mercado é preciso resolver diversos outros pontos, como a separação entre fio e energia, por exemplo. “De maneira geral, todo mundo gosta de discutir a separação entre lastro e energia”, diz ele, referindo-se à espécie de garantia exigida pelo Ministério de Minas e Energia e que custeia geradores, distribuidores e consumidores. “Mas estamos falando da separação fio e energia, que consiste na separação do papel da distribuidora como operadora de rede versus o papel de quem vai comercializar a energia para o consumidor final”, distingue.
E as implicações disso, avalia o especialista, afetam os consumidores, principalmente os de baixa renda, que têm nível mais baixo de consumo e, provavelmente, não serão mais atrativos. “Na total liberalização, todo mundo vai atrás daquele consumidor mais atrativo, mas quem vai atender a esses consumidores menos atrativos?”, indaga-se Susteras. “Outro desafio é o financiamento da expansão, ou seja, garantir que o financiamento chegue às usinas, que precisarão ser construídas para atender às demandas futuras.”
RENOVÁVEL
Outra mudança importante, presente tanto no PLS 232 como na MP 998, é o fim dos subsídios concedidos para novas usinas de fontes renováveis de energia. Segundo Lopes, da Abraceel, os projetos preveem a substituição do mecanismo de incentivo. Atualmente, ele explica, o incentivo é concedido por meio de um desconto nas tarifas de uso dos geradores e dos consumidores que adquirem essa energia. “Os projetos preveem um cronograma para o fim desse subsídio e a criação de um mercado para a valorização das fontes de energia com baixa emissão de carbono”, explana Lopes.
Segundo ele, os projetos também preveem um mecanismo centralizado de valoração dos atributos das fontes, o que – ele considera – trará benefícios ao sistema. “Além disso, a introdução do preço horário também irá aumentar a competitividade das fontes, em especial a solar, que produz energia no horário de pico do sistema”, diz.
Modernização pode tornar o mercado mais competitivo, mas especialistas apontam que o processo está incompleto
Segundo o governo, esses empreendimentos eram merecedores de incentivos há 15 ou 20 anos, quando começaram a ser implementados no país. Dessa forma, a avaliação oficial é que já são suficientemente competitivos para vender energia aos consumidores, sem qualquer subsídio. “Tanto que, nos leilões do mercado regulado, as usinas eólicas e solares já conseguem preços inferiores aos praticados por grandes hidrelétricas ou térmicas movidas a combustíveis fósseis”, frisa o especialista da Abraceel.
No entanto, para Susteras, da Absolar, a principal crítica em relação ao fim dos subsídios refere-se à parcialidade dessa seleção. “A meu ver, os subsídios para termoelétricas a carvão e óleo diesel, por exemplo, que permanecem nessa regra, somados à ineficiência do setor, mostram que a modernização protege os grandes players e tenta empurrar de lado as fontes renováveis”, opina Susteras, apontando para uma falta de sintonia com o debate em outros países. “Hoje, falar que não é preciso incentivar as fontes renováveis é permanecer na contramão do mundo”, constata o coordenador. “A grande crítica é que o Projeto de Lei determina uma data para encerrar os mecanismos atuais, dando início à migração de uma política de subsídios às fontes renováveis para um novo mecanismo de estímulos à geração de energia limpa, mas sem criar esse novo mecanismo.”
Para especialista, país precisa de modelos mais sustentáveis no setor elétrico
Para Piauhylino, da Sunlution, há outros pontos por debater, como o risco hidrológico e a priorização de fontes de origem fóssil. “Há décadas quem desenha o modelo coloca a solução nas usinas térmicas, quando já se poderia ter estruturado um modelo muito mais sustentável, apoiado em novos princípios e tecnologias”, desabafa o diretor.
O texto da MP 988 determina que o subsídio atual continuará para as outorgas concedidas até 12 meses após a edição (publicada no Diário Oficial da União em setembro de 2020). Há ainda um segundo pré-requisito para manter o benefício: os projetos precisam iniciar a operação com todas as unidades geradoras em até 48 meses após a outorga. “Ainda existe uma série de regras incompletas, ou seja, não há como saber se o mercado será mais competitivo, pois detalhes importantes ficaram em aberto”, argumenta Piauhylino. “Não sabemos, por exemplo, qual será o efeito no preço e na competitividade, nem a vantagem para o consumidor final, pois mecanismos intermediários, importantes para viabilizar uma grande reforma do setor, não foram definidos. Sendo assim, os debates técnicos estão incompletos”, arremata.
Saiba mais:
Abraceel: abraceel.com.br
Absolar: www.absolar.org.br
Sunlution: www.sunlution.com.br
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