Estado de Santa Catarina, final de 2008. Três meses de chuvas, quase que diárias causam enchentes e deslizamentos de terra, deixando um saldo de 135 mortos em 16 municípios. Mais de 80 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas. Município de Angra dos Reis, Região dos Lagos (RJ), virada do ano 2009/2010. Uma avalanche de lama e rocha matou pelo menos 33 pessoas. No resto do estado, o total de mortes decorrentes das chuvas chegou a 153, após um temporal que bateu recordes históricos. Foram 48 vítimas fatais na capital, 85 em Niterói, 16 em São Gonçalo, 1 em Nilópolis, 1 em Paracambi, 1 em Magé e 1 em Petrópolis.
Maio de 2010. A Defesa Civil do Rio de Janeiro contabiliza 253 mortos em virtude do pior temporal que se abateu sobre a região metropolitana nos últimos 44 anos. Os municípios mais atingidos foram Niterói (167 vítimas), Rio (66), São Gonçalo (16), Magé (1), Nilópolis (1) e Petrópolis (1). Janeiro de 2010. O município de São Luiz do Paraitinga (SP) decretou estado de calamidade pública. Mais de 2 mil moradores perderam suas casas depois que o rio,
Estado de Santa Catarina, final de 2008. Três meses de chuvas, quase que diárias causam enchentes e deslizamentos de terra, deixando um saldo de 135 mortos em 16 municípios. Mais de 80 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas. Município de Angra dos Reis, Região dos Lagos (RJ), virada do ano 2009/2010. Uma avalanche de lama e rocha matou pelo menos 33 pessoas. No resto do estado, o total de mortes decorrentes das chuvas chegou a 153, após um temporal que bateu recordes históricos. Foram 48 vítimas fatais na capital, 85 em Niterói, 16 em São Gonçalo, 1 em Nilópolis, 1 em Paracambi, 1 em Magé e 1 em Petrópolis.
Maio de 2010. A Defesa Civil do Rio de Janeiro contabiliza 253 mortos em virtude do pior temporal que se abateu sobre a região metropolitana nos últimos 44 anos. Os municípios mais atingidos foram Niterói (167 vítimas), Rio (66), São Gonçalo (16), Magé (1), Nilópolis (1) e Petrópolis (1). Janeiro de 2010. O município de São Luiz do Paraitinga (SP) decretou estado de calamidade pública. Mais de 2 mil moradores perderam suas casas depois que o rio, que corta a cidade, subiu mais de 3,5 m acima do nível normal, inundando ruas do centro histórico.
Todos os anos, durante os períodos de chuvas mais intensas, principalmente no verão, centenas de pessoas morrem ou perdem tudo o que possuem, vítimas de enchentes, deslizamentos de terra e quedas de encostas. Cidades inteiras têm seus equipamentos urbanos destruídos e suas atividades interrompidas, acumulando prejuízos gigantescos. Tais acontecimentos são desastres naturais inevitáveis ou tragédias anunciadas, que poderiam ser impedidas, ou pelo menos minimizadas, com uma ação contínua e eficaz do poder público, utilizando os recursos técnicos e os conhecimentos disponíveis?
Se considerarmos que tais desastres são consequência de uma série de fatores, como ausência de obras de drenagem e contenção de encostas; ocupações irregulares em áreas de risco, como morros, lixões e proximidades a córregos e rios; falta de uma política competente de ocupação do solo urbano e de legislação específica para armazenamento e retenção de águas pluviais, certamente concordaremos com a segunda alternativa. As tragédias repetitivas resultam da combinação da chuva excessiva com anos de descaso do poder público, justamente com a população mais pobre e vulnerável. Mas o que fazer para reduzir a ocorrência de tanta tragédia, evitando tanta dor e o sofrimento?
Para o engenheiro Fernando Kertzman, presidente da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE), os problemas de deslizamentos, em última instância, decorrem da ausência da aplicação da engenharia civil geotécnica.
“A natureza é dinâmica. Sempre teremos chuvas fortes, por estarmos em um país tropical, onde chuvas de 50 mm ou 100 mm em um dia ocorrem com certa frequência. Assim como chuvas de 200 mm a 300 mm em dois dias. E essas chuvas têm a capacidade de encharcar o solo, causando deslizamentos se esse solo estiver em regiões de encostas. Mas o que costumamos fazer é comparar esses fenômenos com um terremoto. Um tremor de terra numa magnitude elevada, no Haiti, demoliu o país e matou 200 mil pessoas. Ao passo que um terremoto na mesma dimensão, no Chile, afetou uma região que está sendo reconstruída rapidamente, e matou 2 mil pessoas.”
Por que isso? Porque o Chile está muito bem preparado para esse tipo de ocorrência. Um país com chuvas tropicais violentas e com encostas ocupadas sem preparação vai registrar grande número de deslizamentos e mortes sempre. “O que não dá para aceitar é colocar essas tragédias na mão de Deus, culpar a natureza, ou afirmar que isso tudo faz parte da vida. Na minha opinião isso tudo é culpa dos governos, culpa do homem”, afirma Fernando Kertzman.
O engenheiro crê que o homem tem que procurar entender o meio onde vive e se adaptar a ele.
Ele lembra que há entidades como a Georio, no Rio de Janeiro, e o IPT, em São Paulo, trabalhando permanentemente com estudos e análises das questões ligadas à geologia nas suas regiões; que existe o site da ABGE com um banco de dados de cartas geotécnicas já realizadas e que há no Brasil pelo menos 300 pessoas trabalhando em pesquisas nessa área. Além disso, em todos os lugares onde estão acontecendo deslizamentos significativos existem laudos geológicos e geotécnicos já realizados, prevendo esses acontecimentos. “Portanto, existe conhecimento técnico, banco de informações consolidadas e equipamentos para fazer todo o tipo de análises preventivas. O que falta é uma política de governo permanente, que leve em conta essas análises na definição das áreas a serem ocupadas por habitações. Também não há continuidade desse trabalho de pesquisa e análise”, conclui o engenheiro.
Ele lamenta que esse trabalho só apareça durante as chuvas intensas ou quando acontecem as catástrofes. Depois que cessam as chuvas esse trabalho termina e as pessoas continuam invadindo os morros.
De acordo com Mário Hernanzes Losano, engenheiro civil e mestre em Engenharia Geotécnica pelo departamento de Estruturas e Fundações da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil dispõe de engenheiros e geólogos dotados de conhecimento técnico, acadêmico e de prática, além de empresas com potencial de execução de projetos e de obras, capazes de atender a esse tipo de demanda. Apesar disso, cidades, estradas, indústrias e outros empreendimentos são implantados sem um projeto geotécnico, ou então, suprimindo o indispensável apoio técnico às obras (ATO) aos empreendimentos de engenharia civil em geral. “Isso priva essas obras da aplicação das boas práticas disponíveis e dos conhecimentos científicos existentes; ou, em outras palavras: sem a aplicação adequada da engenharia civil geotécnica”, lamenta.
Fernando Kertzman, observa, no entanto, que os municípios brasileiros, em sua maior parte, não contam com equipes técnicas capacitadas para definir parâmetros de ocupação do solo urbano, levando em conta as áreas de risco. “A ABGE oferece periodicamente cursos de formação para engenheiros desses municípios”, afirma. Mas ele lembra que todos os municípios dispõem de legislação que permite esse tipo de controle. “A legislação de uso e ocupação do solo e o plano diretor são instrumentos que todos os municípios têm. Até porque há meio que um padrão, adaptado de um município para outro. A legislação fala que, quando se vai urbanizar uma área, fazer um loteamento, por exemplo, deve-se reservar 20% da área verde institucional, a ser doada para a prefeitura. Mas as prefeituras não ocupam essas áreas com praças ou áreas de lazer. Isso vira área de ninguém, que frequentemente é invadida por habitações irregulares. É assim que surgem as áreas de risco. É, obviamente, dever dos prefeitos e administradores públicos cuidar dos seus municípios. Isso está na legislação. Não há como fugir disso. Um prefeito pode ser facilmente condenado pela existência de áreas de risco em seu município”, alerta Kertzman.
Mitigando os impactos das tragédias
Mário Losano ressalta que, apesar da falha representada pela omissão da aplicação adequada da engenharia, grande parte das consequências dos deslizamentos são contornáveis ou mitigados (ou ainda, postergados), com a adoção – efetiva e eficaz – de uma drenagem superficial. “A observação dos deslocamentos (mediante monitoramento) são também elementos, muitas vezes, imprescindíveis para o enfrentamento dos problemas de deslizamentos. As visitas de inspeção realizadas por engenheiros civis geotécnicos e geólogos de engenharia civil devem ser complementadas por relatório técnico de parecer do profissional (acompanhado da devida documentação perante CREA e ART) com ênfase nas recomendações de caráter objetivo, em primeiro lugar em relação às vidas humanas eventualmente envolvidas e, a seguir, quanto à provável remoção de bens materiais.”
Para ele, esse trabalho técnico não pode, ainda, prescindir da recomendação de atitudes relativas a drenagens (provisórias e/ou permanentes) a serem providenciadas em caráter de emergência, ou então com prazos exequíveis em consonância com os interesses e necessidades do proprietário da obra e seu executor. “Também deverão constar do trabalho recomendações técnicas sobre os serviços complementares de tratamentos específicos, impermeabilizações e proteções superficiais, quando se aplicarem. São necessárias, ainda, que as providências quanto à drenagem e proteção superficial sejam apresentadas em forma de texto e devidamente ilustradas por desenhos esquemáticos”, recomenda o engenheiro.
Não bastassem todos esses cuidados e providências, esse trabalho do engenheiro ou geólogo de engenharia ainda deve conter recomendações e instruções relativas ao monitoramento dos deslocamentos, sempre procurando maneiras simples de aplicação imediata das soluções propostas, e – se for o caso – outras mais complexas que demandarão, evidentemente, maiores custos e/ou tempo de execução.
Déficit habitacional
Pessimista ou realista, Fernando Kertzman admite que, na sua opinião, o problema não terá solução se for deixado exclusivamente nas mãos dos governantes. “A solução que nós vemos para isso seria a participação da sociedade, inclusive com uma forte atuação da iniciativa privada – grandes construtoras, fornecedoras de equipamentos, etc. – criando instrumentos de pressão. No fundo, a raiz desse problema é o déficit de habitação no País. Se as pessoas tivessem onde morar, mesmo que fosse em apartamentos ou casas populares, em regiões menos favorecidas, elas não morariam no morro. Ninguém mora em uma área de risco porque quer. Se o governo tivesse um amplo programa habitacional para o País, como ele afirma que tem, capaz de gerar 10 milhões de moradias, o problema estaria resolvido. Toda a sociedade – políticos, empresários, sociedade civil, entidades, universidade – tem que se mobilizar para que o Brasil avance, nesta área, como avançou nas áreas de telefonia, energia, transporte”, conclui o presidente da ABGE.
Carta aberta
Reunidos em duas entidades técnicas e científicas de âmbito nacional, engenheiros geotécnicos e geólogos de engenharia propõem cinco medidas principais para evitar que tragédias geotécnicas, como as ocorridas recentemente, voltem a produzir novas vítimas em 2011. O documento conjunto, intitulado “Carta aberta às autoridades – Para que em 2011 as tragédias não se repitam”, é assinado pelo engenheiro geotécnico Jarbas Milititsky, presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS), e pelo geólogo Fernando Kertzman, presidente da ABGE. Veja a seguir a carta na íntegra.
Carta aberta às autoridades públicas
Para que as tragédias não se repitam
“A perda anual de centenas de vidas humanas em tragédias geotécnicas recorrentes traz consigo um profundo sentiwmento de tristeza e indignação por se constituírem em fatos que poderiam ser minimizados ou evitados. Por décadas temos presenciado um acúmulo de erros e descasos na gestão do crescimento urbano de nossas cidades com relação às características geológicas e geotécnicas dos terrenos ocupados. Estes erros estão na origem comum e onipresente dos deslizamentos e enchentes que vêm crescentemente vitimando a sociedade brasileira, seja em vidas perdidas, patrimônios destruídos ou transtornos graves de toda a espécie. Os prejuízos totais à economia privada e aos recursos públicos são incalculáveis.
Paradoxalmente, o meio técnico brasileiro já produziu todo um ferramental tecnológico e gerencial que, se utilizado de forma adequada, evitaria ou reduziria a um mínimo socialmente aceitável a frequência e a dimensão desses desastres. Entre esse ferramental encontram-se os instrumentos próprios de uma ação preventiva e de planejamento, destinada a interromper o avassalador fluxo de produção de novas situações de riscos geotécnicos, bem como aqueles instrumentos mais próprios de ações imediatas e emergenciais, em uma abordagem de Defesa Civil, destinados à correção de todo um passivo de riscos já profusamente instalados em grande parte das cidades brasileiras.
A elaboração de Cartas Geotécnicas e Cartas de Riscos destacam-se entre esses instrumentos. São documentos cartográficos indispensáveis a uma correta e eficiente gestão do uso do solo pelos municípios. A elaboração desses documentos é o passo obrigatório para que em 2011 já se consiga reduzir substancialmente o caráter trágico desses acontecimentos.
O contínuo monitoramento das áreas de risco, a remoção de moradias instáveis, a capacitação de técnicos municipais e estaduais (ou do poder público de uma forma geral) e o treinamento das comunidades são atividades que devem ser mantidas o ano todo, e não apenas nas épocas de chuvas e emergências.
Para tanto, urge que haja agilidade na decisão das autoridades públicas federais, estaduais e municipais, responsáveis pela provisão dos recursos necessários e pela contratação dos referidos serviços. A elaboração desses documentos cartográficos e de monitoramento demanda alguns meses de trabalho de equipes multidisciplinares, mas seria possível que no início do próximo semestre os municípios mais críticos já tenham esses instrumentos de gestão disponíveis, de modo que as medidas de antecipação ao próximo período chuvoso possam ser implementadas eficientemente. A ausência destes instrumentos faz com que hoje grande parte do esforço e dos recursos despendidos concentre-se nas ações imediatas e emergenciais de atendimento pós-desastre, sobrecarregando os órgãos da Defesa Civil. A prevenção é possível, eficiente e mais barata que a remediação.
A ABMS e a ABGE, entidades representativas dos engenheiros geotécnicos e dos geólogos de engenharia brasileiros, colocam-se inteiramente à disposição das autoridades públicas brasileiras para apoio à implementação das providências indicadas.”
Jarbas Milititsky
Presidente da ABMS
Fernando F. Kertzman
Presidente da ABGE
Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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