De acordo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), instituído pelo Decreto Federal n° 11.043, de 13 de abril de 2022, em dois anos devem ser extintos os cerca de três mil lixões e aterros sanitários que ainda persistem no país. O documento estabelece também que, até 2040, terão de ser recuperados perto de 50% dos resíduos sólidos urbanos (RSU) – atualmente, apenas cerca de 2% passam por reaproveitamento.
O plano é uma nova tentativa de colocar em prática os objetivos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei n° 12.305, de 2010. A PNRS previa acabar com os lixões até 2014, diretriz jamais alcançada. Segundo o novo Marco Legal do Saneamento Básico, de 2020, a meta para capitais e regiões metropolitanas foi prorrogada para 2021 e, em cidades com menos de 50 mil moradores, para 2024.
O Planares corrobora esse prazo e traz outras metas e ações para as
De acordo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), instituído pelo Decreto Federal n° 11.043, de 13 de abril de 2022, em dois anos devem ser extintos os cerca de três mil lixões e aterros sanitários que ainda persistem no país. O documento estabelece também que, até 2040, terão de ser recuperados perto de 50% dos resíduos sólidos urbanos (RSU) – atualmente, apenas cerca de 2% passam por reaproveitamento.
O plano é uma nova tentativa de colocar em prática os objetivos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei n° 12.305, de 2010. A PNRS previa acabar com os lixões até 2014, diretriz jamais alcançada. Segundo o novo Marco Legal do Saneamento Básico, de 2020, a meta para capitais e regiões metropolitanas foi prorrogada para 2021 e, em cidades com menos de 50 mil moradores, para 2024.
O Planares corrobora esse prazo e traz outras metas e ações para as próximas duas décadas. De acordo com o governo, o plano deve ser atualizado a cada quatro anos.
Conforme o Planares, o crescimento acelerado e desordenado das cidades brasileiras, associado ao incremento populacional e ao consumo em larga escala de produtos industrializados e descartáveis, tem causado um aumento expressivo da quantidade de RSU. No entanto, nem todo volume gerado é coletado, devido à insuficiência do serviço de coleta associada à baixa consciência sanitária e ambiental da sociedade, que ainda descarta seus resíduos de forma inadequada.
Com o Planares, o governo acredita que o problema está encaminhado para uma solução. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, uma das vantagens é que a publicação fortalece a relação do governo com o setor privado.
Em nota à imprensa, Leite disse que o plano traz “mais segurança jurídica e previsibilidade para o investidor desenvolver infraestrutura física e logística que melhorem a gestão de resíduos sólidos no país, como reciclagem, reutilização e transformação de tudo isso em uma atividade verde relevante para o Brasil”.
Para atingir a meta de reaproveitamento de, pelo menos, 50% dos resíduos, o documento estima recuperar 20% de recicláveis secos e 13,5% da porção orgânica. Para essa fração, o objetivo é que “todos os municípios devem ter alguma iniciativa de valorização dos resíduos, como coleta seletiva de orgânicos, compostagem e digestão anaeróbia, em escala piloto ou comercial”.
Outro objetivo é que, até 2040, mais de 60% do biogás gerado em processos de digestão anaeróbia e aterros sanitários sejam aproveitados para geração elétrica, com potencial para abastecer 9,5 milhões de domicílios. Além disso, o plano ambiciona aumentar a recuperação e aproveitamento energético por meio de tratamento térmico de RSU.
Com isso, em 20 anos, o país poderá contar com uma potência instalada de 994 MW, o suficiente para abastecer 27 milhões de domicílios com eletricidade.
ATRIBUIÇÕES
Em que pesem as obrigações federais, são os governos municipais os principais responsáveis de pôr em prática regras e normas para a correta gestão de resíduos. “As prefeituras têm a obrigação legal de implementar os planos de manejo dos RSU”, comenta o professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos, da USP, Valdir Schalch. “Com a nova Lei do Saneamento, serão ainda mais pressionadas pelos órgãos de controle, como Tribunal de Contas e Ministério Público.”
Conforme já contemplado na lei que estabeleceu o PNRS, é de responsabilidade das prefeituras a elaboração e implantação dos Planos de Gestão Municipal de Resíduos Sólidos. Também cabe ao poder público municipal atribuição direta pelo gerenciamento dos resíduos orgânicos. Ou seja, prefeituras devem fazer a coleta diferenciada da fração orgânica domiciliar e dos resíduos verdes (poda) e destiná-los para compostagem ou biodigestão.
“Se a lei existe é para ser cumprida, mas as autoridades municipais tratam o problema de forma não prioritária”, comenta Luiz Gonzaga Alves Pereira, diretor-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre).
“Agora, com o Marco Legal do Saneamento, novas oportunidades estão sendo dadas. É uma questão legal. Ou cumpre ou se penaliza. Chega de enganar a população”, adverte o executivo.
Segundo ele, as prefeituras têm mais uma oportunidade de recuperar o tempo perdido. “Se não fizerem, além de estarem fora da lei, perderão investimentos” observa Schalch, que é também professor de pós-graduação de Tecnologia Ambiental da Unaerp e coordenador do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Resíduos Sólidos (NEPER).
“Mesmo que o município terceirize, tem que acompanhar de perto o que está acontecendo na empresa contratada. A responsabilidade final continua sendo dele”, completa.
Sanções penais e administrativas são pouco aplicadas por ausência de fiscalização, mas também por falta de recursos financeiros por parte dos municípios que deveriam investir nessa pauta, pondera Aurélie dos Santos, gerente de Smart Cities da green4T.
“Existe uma carência de conhecimento e de profissional técnico dentro do setor público, dificuldade que se observa em várias pautas”, diz.
Schalch faz coro. “Há um problema sério de formação de recursos humanos nas prefeituras”, aponta. “Falta pessoal técnico para uma gestão adequada. E isso acaba comprometendo todo o processo, da confecção dos planos até a fiscalização.”
Planares é uma nova tentativa de colocar em prática os objetivos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que previa acabar com os lixões até 2014, diretriz jamais alcançada
CONSCIENTIZAÇÃO
O poder público, em suas várias esferas, também tem o papel de conscientizar a população sobre a questão do descarte.
“É necessário um incentivo forte dos governos para haver conscientização da população, com diretrizes claras e concretas para apoiar a transição em direção a uma gestão individual mais responsável e sustentável dos detritos”, assinala Aurélie. “O primeiro passo é a separação do lixo de forma correta, antes de todos os processos e infraestruturas que seguem para a coleta seletiva e a reciclagem.”
A iniciativa privada também tem seu papel na redução, recuperação e reciclagem de RSU. Conforme o parágrafo 1º do Artigo 33 da PNRS, o setor privado deve ser responsável pelos resíduos secos recicláveis (cerca de 30%), ou seja, arcar com os custos da coleta seletiva, assim como da remuneração pela triagem, feita pelas cooperativas de catadores, bem como pela logística reversa, conforme revela a coordenadora de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis, Elisabeth Grimberg.
Segundo ela, a lei não tem sido devidamente aplicada, seja pelo Acordo Setorial para Implementação do Sistema de Logística Reversa de Embalagens em Geral, de 25/11/2015, seja pelo Decreto Federal nº 10.936/2022, que regulamentou a PNRS, uma vez que ambos não responsabilizam devidamente o setor privado pelo custeio do sistema de retorno das embalagens para a cadeia da indústria da reciclagem.
“Não há uma definição clara sobre de quem é a responsabilidade pelos rejeitos, mas visto que são produtos industrializados não passíveis de reciclagem, a responsabilidade deve ser assumida por quem os produz”, diz Elisabeth, que também é copromotora da Aliança Resíduo Zero Brasil e representante na América Latina da Global Alliance for Incinerator Alternatives (GAIA).
Esse assunto, inclusive, tem sido tratado em debates públicos pela Aliança Resíduo Zero Brasil, “que vem questionando a falta de compromisso do setor privado, sejam das empresas nacionais ou multinacionais, argumentando que na Europa as grandes companhias transnacionais exercem a Responsabilidade Estendida do Produtor (REP) e, no Brasil, se negam a fazer o mesmo, resultando em uma grande injustiça pelo uso do orçamento público na coleta e destinação final dos resíduos recicláveis, que são gerados de forma desigual nas cidades”.
A especialista pondera que cabe à sociedade civil “apenas separar e disponibilizar seus resíduos corretamente, desde que haja infraestrutura disponível. Deve ainda ser sensibilizada, educada e, se não fizer corretamente, multada”.
CIRCULARIDADE
Outro aspecto crucial é o conceito de economia circular, que combate a produção de lixo. “É preciso não gerar produtos ou embalagens desnecessárias ao bem viver, reduzir ao máximo a produção de resíduos, conceber produtos para serem reutilizados para a mesma finalidade e reciclar 100% da fração seca”, reforça Elisabeth.
Com isso, diz ela, a tendência será reduzir a quantidade de rejeitos produzidos e destinar o que não for possível eliminar para aterros sanitários consorciados. Se os fabricantes forem devidamente responsabilizados pelo custeio dos rejeitos, certamente buscarão reduzir sua geração.
Ao contrário do que seria se o poder público municipal arcasse com as despesas de queima, desviando recurso orçamentário. “Por que eu, fabricante, mudaria meu padrão de produção se os custos da incineração serão arcados pelas prefeituras?”, questiona Elisabeth.
Nem todo o lixo gerado é coletado, devido à insuficiência do serviço de coleta associada à baixa consciência sanitária e ambiental da sociedade
Nesse ponto, Aurélie corrobora a opinião da especialista do Pólis. “Existe um princípio de ‘prevenção da poluição’, que significa a implementação de uma política de redução de fontes geradoras de resíduo”, aponta. “Incentivar a reutilização e a reciclagem reduz o fluxo de resíduos finais.”
Ela se mostra mais otimista com o setor privado. Aos poucos, argumenta, as empresas vêm caminhando em direção à sustentabilidade, buscando mudar comportamentos, e o conceito de ESG tem apoiado esse movimento. “Minha visão é promissora, apesar de situações contraditórias que podemos observar”, continua a especialista.
“De um lado, durante a pandemia houve um aumento do consumo de vários itens que não eram tão utilizados antes, como embalagem para delivery, além das máscaras. Por outro lado, as empresas e as pessoas estão se conscientizando e mudando aos poucos os conceitos e comportamentos.”
A especialista cita o exemplo das empresas de delivery, que estão estudando como reduzir o uso das embalagens ou torná-las mais recicláveis. “Observamos pessoas usando garrafas reutilizáveis, enquanto o mercado oferece cada vez mais produtos para comprar a granel sem embalagem e locais em que você compra alimentos utilizando seu próprio pote”, diz a gerente da green4T.
Governos municipais são os principais responsáveis de pôr em prática regras e normas para a correta gestão de resíduos
FIM DOS LIXÕES?
Em relação ao fechamento definitivo dos lixões, a coordenadora do Instituto Pólis diz que isso pode ser feito de forma articulada por um programa municipal de coleta seletiva, em que progressivamente se coletam orgânicos compostáveis, recicláveis secos e rejeitos separadamente, com cada parcela seguindo suas rotas tecnológicas – compostagem ou biodigestão, triagem em cooperativas de catadores (remunerados pelo setor privado) e reciclagem industrial. “O rejeito pode seguir para aterros sanitários consorciados intermunicipais, dado que seriam apenas 20% do total”, completa Elisabeth.
Com investimento em processos e infraestrutura de coleta e destinação adequada, os resíduos poderão ser revalorizados e o uso de lixões cessará. “A ideia de que o lixo é um recurso a ser explorado, e não um detrito a ser descartado, está se desenvolvendo”, observa Aurélie. De acordo com ela, certos métodos de valorização ou tratamento são simples e baratos, como a compostagem. ‘Com essa prática, nossos resíduos alimentares são transformados em fertilizante natural”, continua.
Outra prática é a transformação dos resíduos alimentares em metano via fermentação, em uma espécie de compostagem, mas sem oxigênio. Essa transformação produz biogás, que pode ser utilizado para produzir calor, energia ou combustível. “Na Europa, existem ônibus que rodam com esse tipo de combustível”, lembra Aurélie.
Para Elisabeth, há condições de se avançar na reciclagem de resíduos, particularmente dos orgânicos. “Existem diversos empreendimentos privados de compostagem em escala que apontam para o crescimento dessa atividade no país”, sublinha, lembrando que a compostagem resulta em adubos de qualidade com perspectiva de benefícios de regeneração de solos e melhoria das condições de produção de pequenos agricultores familiares e agroecológicos. “Considerando que os resíduos orgânicos são 50% de tudo o que é gerado, as perspectivas são animadoras”, afirma.
A coordenadora, todavia, considera pouco ousadas as metas de reciclagem e compostagem do Planares. “O mais preocupante é a meta de queima de 15% dos resíduos visando gerar energia”, comenta.
“O tratamento dos resíduos sólidos e sua disposição final ambientalmente adequada são contrários a soluções que destroem matérias-primas, como incineração, pirólise, gaseificação ou utilização de CDRU (combustível derivado de resíduos urbanos, utilizado em fornos de cimento e usinas de energia), tendo em vista os impactos ambientais, econômicos, sociais e culturais desses sistemas”, pondera.
Economia circular pode ajudar a combater aprodução de lixo, reduzindo a quantidade de rejeitos produzidos
COBRANÇA
Outra questão que se coloca está relacionada aos mecanismos de cobrança para que a gestão do lixo seja implementada de forma social e ambientalmente sustentável. O modelo mais comum é uma taxa paga pelos munícipes. Apesar de ter sido contemplada na Lei do Saneamento, há muitos desafios para a cobrança, como inadimplência e questões políticas, tendo em vista que a medida é considerada impopular por prefeitos e vereadores.
Mas é pouco provável que os governos municipais tenham condições de arcar sozinhos com o custo, como lembra o professor Schalch. “Esse é um desafio a ser superado. A cobrança já acontece em algumas cidades que contam com programas de reciclagem”, ressalta. “Em geral, a taxa vem junto com a conta de água e esgoto, o que reduz a inadimplência. Há casos em que as prefeituras também firmam Parcerias Público Privadas e têm obtido sucesso com isso.”
Também é fato que o novo marco legal deu segurança jurídica ao manejo dos RSU. “E ela vem com a cobrança de tarifas da população pelos serviços de coleta, transporte, tratamento e disposição final”, destaca Pereira, da Abetre.
Segundo ele, existem experiências exitosas na área feitas há mais de 15 anos. “Em Santa Catarina, a iniciativa privada tem concessões há anos, que continuam de pé e com excelentes resultados”, afirma. “A inadimplência começou acima dos 60% e, hoje, está abaixo de 5%. Isso ocorre porque se presta um bom serviço e a população reconhece.”
Uma alternativa de redução de custos, principalmente para as cidades menores, são os consórcios intermunicipais. “A gestão intermunicipal dos resíduos contribui bastante para implementação de melhorias”, frisa Aurélie, destacando que os consórcios trazem economia de escala para os municípios, com diminuição dos custos para as cidades e incremento do serviço público para a população.
“Em vez de a cidade construir um centro de tratamento para cada tipo de resíduo, diversos municípios se juntariam para criar um núcleo maior, que atenda à demanda da região toda. Os custos podem ser divididos entre os municípios ou proporcionalmente à população”, completa.
Outra ação eficaz, diz ela, é o uso de inteligência artificial para tornar a coleta de lixo mais eficiente e menos onerosa. Nesse caso, lixeiras conectadas coletam informações sobre o comportamento doméstico em cada rua ou bairro. “Graças aos sensores, as tecnologias fornecem informações valiosas sobre áreas onde as lixeiras lotam mais rapidamente. Assim, os caminhões coletores só se movimentam quando os contêineres estão cheios”, acentua.
Até porque, no Brasil, não há problema com o uso da tecnologia, que está disponível. O nó sempre esteve na gestão. “Esperemos que, com o novo marco regulatório, esse obstáculo seja superado”, conclui Schalch.
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