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Revista GC - Ed.84 - Outubro 2017
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Tecnologia Construtiva

Arranha-céu de madeira

Cresce em vários países a construção de prédios altos em madeira. Tendência chega ao Brasil e primeiro edifício desse tipo será construído em São Paulo
Por Marcelo de Valécio

Leve, resistente, fácil de trabalhar e encontrada em abundância na natureza, a madeira é um dos materiais mais antigos utilizados pelo ser humano. Ao longo da História, quase todas as civilizações tiveram nela sua principal matéria-prima, sendo utilizada em móveis, utensílios domésticos, ferramentas, pontes, cabanas, barcos e outros meios de transporte. Durante muitos séculos a carpintaria foi considerada a arte mais importante desenvolvida pelo homem. Não por acaso, a arquitetura foi uma das áreas que mais sofreu influência do uso da madeira.

No Oriente e em vários países ocidentais, a madeira nunca deixou de ter participação central nas edificações. A novidade é que agora o material está sendo empregado na construção de grandes edifícios residenciais e comerciais. Países como Canadá, Austrália, Suíça, Áustria, Noruega, Reino Unido e Holanda já possuem prédios de seis a 20 andares feitos de madeira. “Existe estudo em andamento na Inglaterra para construção de um arranha-céu de 80 andares feito desse material”, revela Dario F. Guarita Neto, CEO e fundador da Am


Leve, resistente, fácil de trabalhar e encontrada em abundância na natureza, a madeira é um dos materiais mais antigos utilizados pelo ser humano. Ao longo da História, quase todas as civilizações tiveram nela sua principal matéria-prima, sendo utilizada em móveis, utensílios domésticos, ferramentas, pontes, cabanas, barcos e outros meios de transporte. Durante muitos séculos a carpintaria foi considerada a arte mais importante desenvolvida pelo homem. Não por acaso, a arquitetura foi uma das áreas que mais sofreu influência do uso da madeira.

No Oriente e em vários países ocidentais, a madeira nunca deixou de ter participação central nas edificações. A novidade é que agora o material está sendo empregado na construção de grandes edifícios residenciais e comerciais. Países como Canadá, Austrália, Suíça, Áustria, Noruega, Reino Unido e Holanda já possuem prédios de seis a 20 andares feitos de madeira. “Existe estudo em andamento na Inglaterra para construção de um arranha-céu de 80 andares feito desse material”, revela Dario F. Guarita Neto, CEO e fundador da Amata, empresa de reflorestamento. Também nos EUA há uma torre de 80 andares sendo planejada para ser construída em madeira.

Mas o que tem levado esse material orgânico ganhar espaço em grandes estruturas? Para se ter ideia, em setembro, aconteceu em Bordeaux, na França, o Woodrise, primeiro Congresso Mundial de Construção Civil em Madeira. Delegações e palestrantes de diversos países, Brasil incluído, fizeram parte do evento, que discutiu, entre outros temas, a descarbonização da construção civil por meio dos prédios em altosura de madeira. Um dos argumentos utilizados pelos defensores do uso desse material está relacionado justamente ao seu baixo impacto ambiental, se comparado a escolhas tradicionais, como o concreto, o tijolo e o aço. Estima-se que o sistema construtivo tradicional represente cerca de 40% das emissões globais de carbono. “Extrai-se da natureza areia, calcário, brita etc., consumindo altas doses de energia, e se devolve lixo. É preciso buscar alternativas ambientalmente sustentáveis a esse sistema antigo e degradante”, frisa Euclésio Manoel Finatti, vice-presidente da área técnica do Sinduscon-PR.

Madeira é um dos poucos materiais de construção que precisa apenas dos recursos naturais para ser produzido e é completamente renovável. “Ao substituir fontes não renováveis por matéria-prima natural, ajudamos não apenas a tornar a cadeia da construção mais limpa, mas também valorizamos a floresta certificada, o que diminui a pressão sobre o desmatamento”, explica Dario Guarita Neto, apontando outra vantagem. “A substituição contribui também para descarbonizar a economia como um todo, uma vez que o plantio de árvores em grande escala captura a emissão de gases causadores do efeito estufa.” De acordo com o executivo, estudos internacionais indicam que o uso de madeira na construção civil pode reduzir a emissão de gases de efeito estufa em até 86%.

Além dos benefícios ambientais, há outras vantagens no uso da madeira. Pesquisas realizadas no Canadá, Reino Unido, Austrália, EUA e Áustria demonstram que o método construtivo em madeira permite acelerar o tempo de obra, pois é utilizado um sistema pré-fabricado de alta tecnologia. “Não dá para conceber hoje em dia transportar mais de três mil itens para um canteiro de obras e fazer tudo lá. É preciso industrializar a construção civil”, observa Euclésio Finatti. “O gasto de energia na extração das matérias-primas e na obra, o desperdício de materiais, os resíduos deixados depois e o tempo empregado nas edificações tradicionais são coisas que têm de ficar para trás. Com a madeira, o processo é industrializado todo fora do canteiro, deixando para o local da obra, basicamente, a montagem da estrutura, otimizando o tempo de construção”, completa Finatti. No Canadá, um prédio de madeira com cerca de 30 metros de altura, foi construído no campus da Universidade British Columbia em aproximadamente dez semanas.

Em relação ao comparativo de custos, a competitividade do sistema construtivo em madeira muda conforme o projeto, podendo variar entre 10% acimamais caro até 20% abaixo do custoque do concreto. “O histórico internacional demonstra que o custo dos projetos em madeira cai conforme se adquire experiência com o sistema e com o aumento na demanda, que traz maior produtividade industrial”, diz o CEO da Amata. “A economia financeira também se dá pela redução de tempo de construção.”

Processo construtivo e riscos

Nos edifícios em altura, a madeira é o principal componente estrutural, substituindo ou complementando o aço e o concreto. “Mesmo utilizando aço e concreto nas fundações, há economia desses materiais, pois eles irão suportar uma estrutura mais leve”, salienta Euclésio Finatti. Cross Laminated Timber (CLT) ou laminado de madeira cruzada é o material mais utilizado nos prédios altos. Esse composto é formado por multicamadas de madeira maciça (pinus e eucalipto de reflorestamento, na maioria dos casos) coladas em duas diferentes direções. Ao uni-las, aproveita-se da capacidade estrutural da madeira, criando painéis capazes de suportar grandes construções em altura. O processo construtivo contempla desde o plantio das árvores, passando pela industrialização dos painéis até chegar à montagem da construção no canteiro de obras. No Brasil, ainda não há uma regulamentação específica da ABNT para construções em CLT de edifícios em altura de madeira. Está em fase de aprovação uma norma para projetos de estrutura de madeira – a NBR 7.190. “O que se utiliza para balizar as construções é a norma de desempenho (NBR 15.575)”, revela Euclésio Manoel Finatti. Outra referência é a Eurocode 5, norma europeia para construções em altura de madeira.

Uma das maiores preocupações em relação à madeira é sua resistência ao fogo. Os especialistas afirmam que edifícios em madeira não possuem menor resistência a incêndio se comparados com outros sistemas construtivos. “Essa ideia errônea vem do fato de a madeira ser combustível. Mas, na verdade, ela é extremamente resistente ao fogo”, afirma Dario Guarita Neto. “Uma viga de aço em situação de incêndio tem resistência inferior a uma de madeira, pois esta, independentemente da temperatura do incêndio, mantém suas propriedades estruturais enquanto queima lentamente (em média, 0,8 mm por minuto). Já o aço, ao atingir uma determinada temperatura, perde completamente suas propriedades estruturais”, enfatiza o executivo. Enquanto queima, a madeira produz uma camada de carvão que isola o restante do material da temperatura, retardando o processo de combustão. A previsibilidade de queima torna possível, segundo Euclésio Finatti, o cálculo exato do tempo que a estrutura resistirá ao incêndio, dimensionando os elementos estruturais da madeira com uma camada extra de sacrifício. “A madeira, por conta das fibras naturais que a compõem, é o último material a fadigar, permitindo mais tempo para evacuar as áreas atingidas pelo fogo.”

Outra inquietude com a madeira é a degradação pela ação do tempo − sol, umidade, maresia. “A madeira deve ser protegida do contato direto com a água. Ou pelo projeto construtivo ou pelo uso de produtos químicos”, assinala Guarita Neto, destacando que a maresia, ao contrário do senso comum, possui uma ação de deterioração na madeira menor que no aço ou concreto. “A madeira também performa de maneira excelente em situações em que existam materiais corrosivos, como galpões industriais”, completa. Em relação à durabilidade das edificações, os especialistas destacam que tudo vai depender do projeto, se ele atende de maneira correta questões como o isolamento da água. “Respeitadas as particularidades da madeira, os edifícios terão a mesma durabilidade dos convencionais. Vale lembrar que existem edificações em madeira na Europa e na Ásia com centenas de anos”, diz Guarita Neto.

No Brasil, os primeiros edifícios feitos de madeira surgiram há cerca de 20 anos, na Região Sul. Contudo, são estruturas menores − de até quatro pavimentos − e com outro sistema construtivo, o wood frame, formado por painéis de madeira. O primeiro edifício em altura do País deverá ser erguido em um terreno de mil metros quadrados no bairro da Vila Madalena, em São Paulo. Terá 13 andares, área construída de 4.700 m² e será construído pelo método CLT. O edifício, parceria entre Amata e o escritório de arquitetura Triptyque, está em fase de projeto, com perspectiva de conclusão entre 2019 e 2020. “O edifício apresenta soluções inovadoras não apenas por conta da madeira, mas também por sua forma inovadora, tempo de construção, durabilidade e possibilidades estéticas”, revela Guarita Neto, destacando que ainda não está definido o número de apartamentos, apenas que será um prédio de uso misto.

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