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Revista GC - Ed.80 - Junho 2017
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Entrevista

Nada será como antes

A Revista Grandes Construções aproveitou a realização do 4º Congresso Brasileiro de Túneis,  no início de abril, pelo Comitê Brasileiro de Túneis (CBT) para conversar com dois dos mais respeitados engenheiros do setor. São eles Tarcísio Barreto Celestino, presidente da Associação Internacional de Túneis (ITA), ex-presidente do Comitê Brasileiro de Túneis (CBT) e professor-doutor do Departamento de Geotecnia da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP; e André Assis Pacheco, ex-presidente da ITA, professor da Universidade de Brasília (UnB); graduado na UnB em 1980; doutorado na Universidade de Alberta (Canadá) em 1990; pós-doutorado no Departamento de Engenharia de Minas na Escola de Minas Mackay, em Nevada, nos Estados Unidos, em 1997.

Na pauta, a crise política e econômica em que o Brasil se vê mergulhado e seus reflexos na cadeia da Construção e na Engenharia brasileira. O que restará da nossa Engenharia, depois que o “tsunami” da Lava Jato passar? Que configuração o mercado da Construção terá após a crise? Sobrará conhecimento técnico para dar conta da enorme demanda que o país tem de grandes obras de infraestrutura? Essas e outras perguntas inevitáveis foram respondidas por esses célebres especialistas. Vejam as respostas a seguir.

Revista Grandes Construções - Como se dará o reposicionamento das empresas de engenharia no Brasil, depois que passar essa crise, com a conclusão da Lava Jato?

André Pacheco Assis – Em primeiro lugar é importante deixar claro que o Brasil é um país de grande demanda de obras de infraestrutura, pois se tem muito que construir e melhorar na infraestrutura de transporte e oferta de energia, que são essenciais para garantir o desenvolvimento de qualquer país. Assim, uma vez reestabelecidas as condições mínimas de confiabilidade do governo, este mercado de obras de infraestrutura voltará a ser disponibilizado como obra pública ou por meio de concessões. É neste contexto que se vislumbra um reposicionamento de empresas de engenharia no Brasil.

GC - As grandes empreiteiras perderão espaço, para dar lugar a empresas emergentes  ou a empresas estrangeiras?

André Pacheco Assis


A Revista Grandes Construções aproveitou a realização do 4º Congresso Brasileiro de Túneis,  no início de abril, pelo Comitê Brasileiro de Túneis (CBT) para conversar com dois dos mais respeitados engenheiros do setor. São eles Tarcísio Barreto Celestino, presidente da Associação Internacional de Túneis (ITA), ex-presidente do Comitê Brasileiro de Túneis (CBT) e professor-doutor do Departamento de Geotecnia da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP; e André Assis Pacheco, ex-presidente da ITA, professor da Universidade de Brasília (UnB); graduado na UnB em 1980; doutorado na Universidade de Alberta (Canadá) em 1990; pós-doutorado no Departamento de Engenharia de Minas na Escola de Minas Mackay, em Nevada, nos Estados Unidos, em 1997.

Na pauta, a crise política e econômica em que o Brasil se vê mergulhado e seus reflexos na cadeia da Construção e na Engenharia brasileira. O que restará da nossa Engenharia, depois que o “tsunami” da Lava Jato passar? Que configuração o mercado da Construção terá após a crise? Sobrará conhecimento técnico para dar conta da enorme demanda que o país tem de grandes obras de infraestrutura? Essas e outras perguntas inevitáveis foram respondidas por esses célebres especialistas. Vejam as respostas a seguir.

Revista Grandes Construções - Como se dará o reposicionamento das empresas de engenharia no Brasil, depois que passar essa crise, com a conclusão da Lava Jato?

André Pacheco Assis – Em primeiro lugar é importante deixar claro que o Brasil é um país de grande demanda de obras de infraestrutura, pois se tem muito que construir e melhorar na infraestrutura de transporte e oferta de energia, que são essenciais para garantir o desenvolvimento de qualquer país. Assim, uma vez reestabelecidas as condições mínimas de confiabilidade do governo, este mercado de obras de infraestrutura voltará a ser disponibilizado como obra pública ou por meio de concessões. É neste contexto que se vislumbra um reposicionamento de empresas de engenharia no Brasil.

GC - As grandes empreiteiras perderão espaço, para dar lugar a empresas emergentes  ou a empresas estrangeiras?

André Pacheco Assis – O enorme impacto das investigações da Operação Lava Jato nas grandes empreiteiras vai alterar o mercado brasileiro. Difícil prever como ele ficará, mas o certo é que não será mais como era. O mais provável é que as grandes do passado perderão espaço, algumas podem até desaparecer, outras se reposicionarão e voltarão ao topo da lista, empresas hoje de tamanho médio crescerão, e abrem-se oportunidades para entrada de empresas estrangeiras, pois a força da cartelização até então existente tende a se tornar mais fraca. Ou seja, abre-se hoje um mercado de oportunidades e torce-se para que cresçam, apareçam e vinguem empresas interessadas em fazer engenharia de alto nível, dentro dos limites da competitividade com profissionalismo e ética.

GC- A nossa capacidade técnica para a execução de grandes projetos sai prejudicada após a crise que o país atravessa?

André Pacheco Assis – É claro que as empresas somam uma capacitação técnica, mas de fato esta capacitação está em grande parte em seus profissionais. Assim, com o rearranjo do mercado, os profissionais vão se reposicionar em novas empresas e em suas próprias, e se restabelece a capacidade técnica da engenharia brasileira. Pode haver alguma perda? Pode, mas com a engenharia contaminada como estava, a capacidade técnica era muito pouco utilizada ou priorizada. Portanto, eu acredito em uma engenharia muito mais técnica doravante, do que ao que estávamos assistindo no passado recente.

GC- E quanto à nossa capacidade de investimentos, como ela fica?

André Pacheco Assis – É claro que os grandes grupos brasileiros perderam fôlego com as investigações, cancelamentos de contrato aqui e no exterior etc., e certamente demandarão ainda algum tempo para recuperar suas capacidades de investir. Mas existem investidores no mundo inteiro, que buscam oportunidades de negócios que pagam taxas melhores que as míseras taxas de investimentos dos bancos do primeiro mundo. Mas eles exigem garantias contratuais, estabilidade das condições de negócios e confiabilidade de governo. Esse é o desafio, pois junto com a crise das grandes empreiteiras, tem-se também a crise de confiança do governo brasileiro. Mas há dinheiro, basta ter planejamento, seriedade e oferecer um mercado de condições bem definidas.

GC - Em termos práticos, o que as empresas de engenharia – em especial as grandes – devem fazer para recuperar a imagem no cenário do desenvolvimento da infraestrutura?

André Pacheco Assis – As grandes empresas brasileiras que estão envolvidas nas acusações de corrupção não têm outra opção do que se passarem a limpo. Muitas já apontam nesta direção, fazendo o reconhecimento de seus maus-feitos, colaborando com o esclarecimento dos fatos e atores envolvidos, e redefinindo sua postura profissional e ética de como trabalhar no mercado de engenharia. Como são grandes empresas, capazes e competentes, elas irão amargar um pouco neste período imediato, mas irão, aos poucos, recuperar sua imagem, fazendo o que elas sabem de melhor, realizar obras com qualidade e dentro de custos competitivos e justos. Não há outro caminho para recuperar a boa imagem senão pela boa prática profissional, competente e honesta.

GC - Que oportunidades e aprendizados podem surgir a partir dessa crise?

André Pacheco Assis – Os aprendizados são muitos e incluem a todos, desde os licitantes, passando pelas projetistas, empreiteiras, fornecedores de equipamentos e serviços, e até mesmo dos órgãos de controle, pois de certa forma todo este conjunto falhou. As agências reguladoras e estatais que são os agentes licitantes falharam ao não ter planejamento, essencial nas obras de infraestrutura, produzir licitações baseadas em fracas bases documentais de projeto, muitas vezes atendendo a demandas de governo do que às necessidades do estado,  que propiciavam oportunidades de corrupção nas etapas futuras das obras.

Os órgãos de controle nunca entenderam que a forma mais eficiente de zelar pelo bom trato das obras públicas estava exatamente em garantir licitações justas e honestas, pois este é o berço de uma boa obra, mas preferiram agir nas obras em andamento, paralisando-as, ou nas obras concluídas. Empresas projetistas aos poucos perderam personalidade e muitas se viram muito mais como parceiras das empreiteiras, para elaborar termos aditivos e alterações de projeto para justificar sobrecustos, do que de fato para aperfeiçoar o projeto em nome da melhor solução de engenharia para a obra em questão.

GC – Especificamente para as empreiteiras, que lição tirar disso tudo?

André Pacheco Assis – Os empreiteiros caíram na armadilha de ir aos poucos pagando para ter seus interesses imediatos atendidos, até a perda completa do controle, onde a lista de beneficiários corruptos e valores pagos já não mais cabiam no orçamento de uma obra de engenharia. Este esquema foi dragando a qualidade da engenharia para o porão da mediocridade e baixa qualidade, pois não havia espaço para a boa técnica de projeto e construção, de forma a justificar as mazelas dos contratos corrompidos. O aprendizado é identificar as falhas destes processos e fazer caminhar na direção oposta, ou seja, revalorizar a engenharia em toda a sua essência. Temos profissionais e competências para isso. Mas vale destacar que, no caso de grandes obras, o planejamento de estado é fundamental, e é vital que o governo entenda isso, valorizando suas agências reguladoras e estatais como carreiras de estado e não oportunismos de governo. Daí sim, teremos um estado planejador, essencial ao bom termo das obras de engenharia de grande porte.

GC – As obras subterrâneas protagonizam o desenvolvimento do país? Por que?

Tarcísio Barreto Celestino – Não há desenvolvimento sem obras subterrâneas. Isso é inimaginável. Nós temos gargalos enormes de mobilidade urbana cuja única solução é investimento pesado em obras subterrâneas. Mesmo nas nossas rodovias, as  que foram feitas sem as obras subterrâneas deixaram um custo muito pesado não só de operação, manutenção, mas em vidas humanas porque acidentes em regiões serranas poderiam ser muito minimizados se tivessem construído mais túneis. É inimaginável sob qualquer ponto de vista que, hoje em dia, o desenvolvimento que o país precisa possa ocorrer sem obras subterrâneas. Se olharmos os índices de obras subterrâneas em outros países, seja metro de túnel por habitante, ou metro de túnel por PIB ou o que quer que seja,  o Brasil é ridiculamente deficiente nesse ponto de vista e isso nos impinge um custo muito elevado.

GC – O que esse novo cenário representará para o setor tuneleiro? Quais as oportunidades para a retomada do setor de túneis, a curto e médio prazos?

Tarcísio Barreto Celestino – As oportunidades são inumeráveis. O nosso “back log” de atendimento a infraestrutura é muito forte, o que traz várias oportunidades, mas que dependem obviamente de políticas corretas de desenvolvimento que o país precisa adotar. Tivemos erros graves no passado e estamos pagando o preço por isso.  Hoje surgem oportunidades até mesmo em função das decisões erradas de engenharia tomadas no passado. Cito um exemplo: a duplicação da Rodovia Regis Bettencourt  que começou na década de 70, portanto há 40 anos e até hoje não se concluiu.

É impressionante se levar mais de 40 anos pra se concluir a duplicação de uma rodovia que liga o maior centro industrial e financeiro do país que é a grande São Paulo, até a segunda região mais desenvolvida do país, a Região Sul e até a países como Argentina, Uruguai etc que são ainda mais importantes em função do Mercosul. Levar 40 anos  pra se duplicar essa estrada é impressionante porque lá  atrás, ainda no tempo do , tomou-se a decisão errada de fazer toda a duplicação em superfície.

O trecho da Serra do Cafezal envolvia projetos com cortes , taludes de 70 m de altura, algo absolutamente inaceitável  para aquela geologia e para pluviosidade típica dessa região. De novo pagamos o preço e estamos pagando o preço. Quanto custa até hoje a somatória dos congestionamentos, por não se  ter  adotado lá na década de 70 soluções subterrâneas como foram adotadas na rodovia dos Imigrantes ou na Rodovia Anchieta, que é da década de 40, ou seja, estamos falando de 60 anos atrás.

Mas aí vem o DNER no início dos anos 2000 e adota uma solução totalmente em superfície. Todos nós pagamos e a economia do país pagou muito caro por isso, sem dúvida alguma.

GC – Até que ponto a redução de custos nas obras coloca em risco a vida das pessoas?

Tarcísio Barreto Celestino – Isso não é hipotético. Isso é real. A diminuição de dinheiro na hora de fazer infraestrutura leva à morte. Basta olharmos alguns exemplos gritantes, como o trecho entre Maresias – Boiçucanga, um caso emblemático e que é típico desse país onde não se construíram túneis ao longo de décadas. No Brasil sobreviveu a ideia tacanha de se subir e descer morros ao invés de se construir túneis. Os números de acidentes são trágicos nesse trecho, e se repetem infelizmente ao longo de tantas outras rodovias como a SP 55 e tantas outras.

GC – No Brasil, o prazo dedicado às investigações geotécnicas está, segundo os especialistas, muito abaixo do esperado se comparado a outros países. Segundo eles, aqui tudo parece ser feito em nome da pressa e isso pode comprometer a qualidade das obras. Como mudar esse cenário?

Tarcísio Barreto Celestino – Eu diria que não é só a bem da pressa. Hoje tem prevalecido outra característica importante, que é a decisão de contratação somente pelo preço mínimo. Isso no caso de projeto é fatal, pode gerar resultados ruins. O que nós buscamos é um custo mínimo para o empreendimento como um todo. Mas buscar o projeto mais barato, comprado na bacia das almas, seguramente resulta em obras muito mais caras. Eu tenho tido profissionalmente a oportunidade de me deparar com projetos executivos contratados por entidades sérias, mas que foram contratados segundo o critério de preço mínimo e é simplesmente lamentável o produto que deles resulta.

Às vezes são projetos inexequíveis ou exequíveis a custos muito elevados. Agora, por outro lado,  fazer projetos que resultem em obras baratas leva tempo e custa dinheiro.

Aqui no Brasil, gostamos de exultar a engenharia dos outros países; então só temos como solução trazer os estrangeiros para fazer aqui, pois eles sabem fazer. Mas deveríamos trazer também o modo como eles contratam. Aí seria melhor! Trazer só os estrangeiros, mas com a nossa modalidade de contratação, me desculpe, isso está completamente errado.

A construção do túnel São Gotardo, na Suíça foi alardeada por todos e é, sem dúvida, uma obra belíssima, o maior túnel viário do mundo, com 57 km de extensão, inaugurado no ano passado. Eu tive oportunidade de participar de um debate no mês passado onde se discutia a questão de seguros e essas relações entre seguros e qualidade de engenharia.  Eu ouvi de um dos projetistas desse túnel qual foi o preço pago somente pelo projeto, antes do Acompanhamento Técnico de Obra (ATO) e excluindo-se daí todas as investigações geológicas. Eles pagaram 7% do custo total da obra só em projeto. É um número inusitado! Aqui no Brasil eu conheço obras importantes em que o percentual gasto em projeto de engenharia, na mesma fase do projeto antes do ATO é de 0,5%. Apenas 0.5%. O Que nós podemos esperar? Trazer os suíços? Tragam também o seu método de contratação e o percentual de quanto foi realmente gasto em engenharia que aqui as coisas darão certo também.

GC – Como o senhor classifica a engenharia brasileira, quando comparada à de países mais ricos?

Tarcísio Barreto Celestino – A engenharia brasileira é de excelente qualidade, não há dúvida. Nós fizemos algumas das obras mais marcantes desse planeta como a casa de força de Itaipu e tantas outras obras que fica difícil enumerá-las. Agora, se nós queremos engenharia de boa qualidade temos também que contratá-las, com métodos adequados e pagando preços adequados. Infelizmente não é a prática por aqui. O nosso tribunal de contas está equivocado. Não é colocando a política de preço mínimo em tudo que se chega a resultados bons para a sociedade. A execução até admito que seja a preço mínimo dentro de certos limites. Mas nem a execução pode ser julgada única e exclusivamente por esse critério minimalista.

Contratar obras subterrâneas por preço mínimo é uma mediocridade.  São projetos com muitas peculiaridades para que se compre  pelo mesmo critério pelo qual o governo do estado compra papel toalha ou papel higiênico. Não pode ser assim.

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